segunda-feira, 29 de junho de 2015

LACAN QUOTIDIEN. Autisme. Lettre ouverte à Madame Ségolène Neuville.

31 de maio de 2015
LACAN QUOTIDIEN. Autisme. Lettre ouverte à Madame Ségolène Neuville. 
                     
Ao Secretário de Estado encarregado de Pessoas com deficiência e da Luta contra a exclusão, junto ao Ministro dos Assuntos Sociais.

Senhora Secretária de Estado,

O Institut Psychanalytique de l’Enfant  (Instituto Psicanalítico da Criança) é uma rede científica que reúne numerosos profissionais – psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, educadores, enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas em psicomotricidade – além de professores e instituições de saúde e médico-sociais, acolhendo, entre outros, crianças e adolescentes autistas. Como atual Secretário deste Instituto, eu recolho numerosos testemunhos que evidenciam mudanças significativas e importantes em relação ao modo como foi recebida a questão do autismo e em relação às soluções buscadas desde o lançamento do 3e Plan Autisme  (3º Plano Autismo), em 2013. Parece-me que em 2015, essas mudanças esboçadas mas efetivas foram capazes de aliviar as tensões que surgiram em torno desta questão e, por ocasião da reunião do Conselho Nacional Autismo, que acontecerá nesta quinta-feira, eu gostaria de lhe informar estas observações.
Para as pessoas que sofrem de autismo, as coisas mudaram. Filmes, documentários, dão a palavra às pessoas autistas ou àqueles que as acompanham. Eles foram difundidos em inúmeros meios de comunicação, testemunhando de maneira clara e documentada o sofrimento suportado, as possibilidades oferecidas ou esperadas, a dedicação mobilizada, a escuta necessária. Obras de pais, de sujeitos autistas ditos de "alto nível", de profissionais comprometidos, têm surgido, fornecendo frequentemente um esclarecimento altamente pertinente sobre o que é designado pelo termo "mundo do autismo", a saber, a grande dificuldade de fazer contato com outras pessoas e as diversas defesas implementadas pelo sujeito para se proteger de toda demanda demasiadamente direta.
Instituições de acolhimento fundadas sobre as bases da reeducação do tipo comportamental foram criadas. Eu não cheguei a conhecer os resultados dessas ações privilegiadas pelo Plano Autismo, mas são elas de ordem tão diferente daquelas há muito tempo reconhecidas, pelos profissionais nas Instituições de tratamento já existentes?  Ou melhor, uma diminuição do limiar de angústia desses sujeitos pelo fato de encontrarem um lugar reconhecido; uma melhoria rápida dos sintomas; seguida da instalação de uma zona de defesa que, por vezes, surpreende aqueles que os acolhem; uma nova sensibilidade em relação aos acontecimentos da vida; a necessidade de um acompanhamento de longo prazo.
Entretanto, você o sabe, há ainda muitas crianças, adolescentes e adultos com autismo que não encontram lugares de acolhimento personalizado e que não se beneficiam de projetos educativos e terapêuticos que considerem suas singularidades e suas afinidades. Devemos pôr em risco o que está funcionando atualmente e apontar como mal formados os profissionais envolvidos nas Instituições já existentes?
Para os pais de crianças autistas, as coisas mudaram. Eles podem fazer suas vozes serem ouvidas, diversas, e fazer valer suas dificuldades e suas expectativas nos vários meios de comunicação e junto a numerosas instâncias, a começar pelo Comitê Nacional de Autismo. Suas associações são escutadas e têm lugar dentro dessas mesmas instâncias. Elas exercem um lobby ativo e incessante junto aos parlamentares, aos tomadores de decisão nas empresas e aos grandes meios de comunicação nacionais. A ação deles foi a ferramenta das mudanças atuais concernentes à aceitação da “Deficiência” pelo grande público e parece introduzir grandes mudanças nas políticas de saúde pública na psiquiatria infantil. Esta reconfiguração em curso veio incontestavelmente se deparar com outros interesses: promover as neurociências como portadoras de grandes esperanças na etiologia das principais patologias ditas "mentais", de agora em diante promovidas como "disfunções cerebrais"; promoção de redes de atendimentos particulares em detrimento das estruturas públicas (CAMPS, CMP, IMP); promoção de centros especializados em detrimento de estruturas polivalentes; promoção do controle e de avaliação administrativas em detrimento da conversação entre pares.
Apesar das melhorias reconhecidas na identificação precoce, na redução do prazo de acolhimento, na abertura de ofertas de tratamentos, o anúncio do diagnóstico de autismo continua a ser um momento doloroso para famílias e é sempre difícil para o profissional que assumiu a responsabilidade desta notícia, independente dos testes e métodos de apoio ao diagnóstico utilizados.
Para os profissionais encarregados de pessoas autistas, as coisas mudaram. Até então cada um exercia sua função de acordo o que ele considerava o melhor de suas conquistas em sua formação, sua experiência, seus intercâmbios com seus pares e com a valorização de suas responsabilidades em relação aos pacientes e suas famílias. Por muitos anos, o trabalho em equipe multidisciplinar, igualmente se impôs a todos, obtendo um consenso a respeito do autismo, indispensável tanto para o diagnóstico quanto para o estabelecimento de um projeto personalizado: instituição de tratamento, educação inclusiva, acompanhamentos, tratamentos especializados, aconselhamento às famílias. Essas ações, impulsionadas - lembremo-nos - pelos sucessivos planos de saúde pública, não puderam responder às necessidades crescentes e não foram acompanhadas da criação de unidades de acolhimento específicas. Além disso, como mencionado anteriormente, o próprio autismo se viu contestado em seu estatuto preliminar de "doença mental". O paradigma médico e psiquiátrico, embora "alimentado" por uma tradição humanista da psiquiatria infantil na França, apareceu como obsoleto ou mesmo escandaloso por algumas famílias e alguns dos próprios autistas. Contudo, de modo paradoxal, a noção de "deficiência", reivindicada por essas mesmas famílias ou associações, só valem na França no reconhecimento de sua dependência causal a uma doença identificada ou a um acidente, dando direitos de ajuda financeira e financiamento de assistência médica relacionados a esta afecção.
Apesar de tudo, os profissionais puderam extrair consequências desses questionamentos, vividos por eles por vezes como injustos pois, para alguns, eles foram os primeiros a tirar o autismo e as pessoas autistas do estatuto asilar em que há muito tempo tinham sido confinados.
Essas consequências são as seguintes:
- O autismo permanece até hoje, apesar de alguns exageros da mídia, um problema singular de origem desconhecida, que afeta as principais funções de relacionamento, gera numerosas hipóteses etiológicas e funcionais, nenhuma validada até agora;
- deste fato, inúmeras possibilidades de tratamento, de acompanhamento, de acolhimento, de cuidado, são agora conhecidos e disponíveis para as pessoas com autismo e suas famílias; a maioria respeita a singularidade da pessoa autista, leva em conta o nível de angústia causada pelo encontro e pela demanda, adapta esta demanda - educacional, pedagógica - ao que é suportável, utiliza os métodos disponíveis, sem denegrir outros métodos. Este nível de tolerância respeitosa precisa definitivamente ser restaurado, entre outros, pela ação do poder público.
- Mas, mais radicalmente, os profissionais são levados a mudar seu olhar sobre o autismo e sobre a pessoa autista, e a mudar seu modo de presença junto a eles: eles agora são chamados a ser "acompanhantes", "passadores", "tradutores", "facilitadores", entre o sujeito autista com sua lógica rigorosa, por vezes implacável, e o mundo comum compartilhado, feito de som e fúria. Nesse papel, eles são parceiros das famílias e, contudo, devem agir de acordo com os princípios que regem suas ações - educativa, pedagógica, médica, psicológica ...
Os poderes públicos dirão quais são as instituições que parecem hoje mais adequadas ao acolhimento e acompanhamento de pessoas com autismo e suas famílias. Eles podem optar por afastá-los do atendimento da psiquiatria pública atual, e atualmente isso, ao que parece, é a tendência dominante. Eles podem solicitar massivamente à escola para dar um novo lugar aos autistas, que respeite seus ritmos e sua intolerância à mudança. Eles podem tentar reconfigurar a área chamada "médico-social" para adaptá-la às novas categorias de "deficientes" saídas da nova nosografia psiquiátrica americana. Estas são escolhas políticas difíceis, que não são sem consequências, portanto será necessário a cada um  levar tudo isso em consideração.
Os poderes públicos, também podem ser tentados a promover determinados métodos em detrimento de outros no cuidado de pessoas com autismo. Estas "recomendações", que alguns querem fazer valer em seguida como “obrigatórias”, produzem inevitavelmente conflitos entre partidários de uns e de outros, cada um com uma boa razão para fazer valer aquilo que permitiu a seu filho encontrar um apaziguamento e sair de seu confinamento.
De nossa parte, a partir do lugar que é o nosso, tendo a oportunidade de recolher os testemunhos de muitos pais, muitos profissionais, e de acompanhar muitos sujeitos autistas, só poderíamos "recomendar" aos poderes públicos evitar tomar partido, sob o risco de reavivar conflitos que felizmente diminuíram, cada um se confrontando doravante com um certo "longo prazo" necessário a um acompanhamento de qualidade.
Senhora Secretária de Estado, eu me permiti trazer a seu conhecimento essas avaliações compartilhadas pelos meus colegas e pelas famílias de crianças e adolescentes que nos encarregamos de cuidar e tratar, na esperança de que eles encontrarão junto a você a atenção que nós acreditamos que eles merecem. Permanecendo à sua disposição, peço-lhe que aceite a expressão da minha mais elevada consideração.

Pelo Institut de l’Enfant (Instituto da Criança),
Dr. Daniel Roy, Secretário
16 de abril de 2015
Publicado por A.A.delaR, domingo, 31 de maio de 2015

Tradução: Cristina Vidigal
Revisão: Ana Martha Maia


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