quinta-feira, 22 de maio de 2014

Curiosa confluência

Gustavo Stiglitz
Eu penso que, para além das distâncias e diferenças, há uma certa confluência entre a posição do analista e a do autista.
Ambos são ferrenhos defensores da singularidade. Ambos são representantes de uma forma de rebelião das singularidades, nesta época em que há a homogeneização dos ideais e dos gozos.
A defesa autista tem a função de proteger o sujeito da irrupção do Outro universalizante e de manter o seu mais singular. Por outro lado, o Outro humaniza o desejo e é por isso, que este rechaço ocupa o centro do padecimento do sujeito autista.     
O desejo do analista e sua aspiração em obter a diferença absoluta ou “reduzir o Outro a seu real”, como disse J.A.Miller em sua conferência no congreso da AMP em 2010, vai no sentido de uma depuração do mais singular de cada analisante em seu sintoma.
Por outro lado, se levarmos em conta as lindas palavras de Donna Willians, ao dar testemunho de seu autismo, onde explicava que em sua infância e adolescência necessitava de um “guía que a acompanhasse”, também podemos pensar no psicanalista que, atrás dos ditos do analisante, espera supreender o Um Real que aparece em cada analisante.
Nem o autista nem o analista apostam no sentido. O primeiro se esforça para manter separado esse registro dos elementos de sua vida. Diz “NÃO” ao sentido.
O analista busca o ponto em que, prescindindo do sentido e pela via do equivoco, possa supreender o Real antes  que este o supreenda junto a seu analisante.
Temple Grandin, por exemplo, na mesma sintonia com a orientação lacaniana, recomenda que os terapeutas não se dediquem a curar as obsessões nos sujeitos autistas, já que estas podem ser muito úteis na hora de organizar sua vida cotidiana. É como dizer que ela nos convida a considerar o sintoma como uma solução singular, uma tentativa de cada um que terá que ser cuidada.
Por isso, que neste ponto há uma proximidade entre a posição do autista e a do psicanalista.
Há uma proximidade ética, porque ambos apontam ao singular de cada um e a possibilidade de inscrever-se no Outro, a partir desta singularidade. Para isto, se faz necessário acreditar – como diz Lacan – que eles têm coisas a nos dizer e por isso, escutá-los, assim como temos coisas a lhes dizer. 
É tambem uma proximidade política, aquela que trata de dar aos corpos um destino diferente daquele marcado pela biología e pelas classificações, um destino singular no qual a responsabilidade subjetiva tenha ali sua participação.
 Será está uma razão para que tanto o autista como o psicanalista padeçam da mesma pressão regulatória? Reeducação e TCC para o paciente e para o praticante.
Tradução Rachel Amin
Revisão Claudia Feitosa