quinta-feira, 17 de março de 2016

Seminário Autismo e Psicose Infantil - da clínica à política, e retorno.


Barra da Tijuca

Corpo, sintoma e gozo.



    É no encontro das palavras com o corpo que alguma coisa se delineia.
                     Jacques Lacan, Conferência em Genebra sobre o sintoma.

Como se constrói um corpo? De que modo se enlaçam o corpo e a linguagem, o gozo do corpo e o significante? Como ler um sintoma?
Partiremos do traumatismo da linguagem, quando a chuva de significantes de lalange recaem sobre o corpo, para delimitarmos como as palavras afetam o corpo, como o significante deixa uma marca de gozo no corpo que formará o núcleo do sintoma. Na leitura de casos clínicos, visaremos ao modo singular de resposta de cada um, a este encontro traumático com a linguagem, ao trabalho realizado pelo sujeito na análise e ao analista como parceiro.

Coordenação: Ana Martha Maia (EBP/AMP).
Colaboradoras: Bruna Brito e Valéria Glioche.
Comissão de Tradução : Ana Martha Maia, Anna Carolina Nogueira, Astrea Gama e
Silva, Bruna Brito, Luiza Sarrat Rangel, Maria Elizabeth Araújo e Marina Valle.
Datas: 16 março, 6 abril, 4 maio, 1 junho, e 6 julho. Primeiras quartas-feiras de
cada mês, às 12:30h.
Local: Rua Rui Frazão Soares, 121/sala 205. La Playa. Alpha Barra I.
Informações: anamarthamaia@gmail.com

*Aos inscritos que ainda não receberam, solicitar as traduções por email.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Seminário Autismo e Psicose Infantil - da clínica à política, e retorno

 O que esta marca vem assinalar é que o sujeito consente a um retorno pelo outro, pelo parceiro, para tratar suas relações com o gozo. Ele não faz mais isto sozinho em seu quarto, como seu pai nos diz, mas passando pela dimensão do parceiro. É o retorno pelo outro que vem nomear a intervenção sobre a adolescência para este sujeito.

Jean-Pierre Rouillon, O trabalho com os pais - da função de resíduo à surpresa. Préliminaire, n.13.

O sintoma de um sujeito psicótico, o encontro com os pais e a intervenção do analista se destacam neste caso clínico publicado por Rouillon e faz parte da bibliografia sugerida por Daniel Roy, para a Première Journée de la Fédération des Instituitions de Psychanalyse Appliquée (FIPA). No mesmo dia de nosso Seminário de março, esta Journée será realizada em Bordeaux, com o tema "Problemas atuais da psicanálise aplicada".

Assim, em nosso próximo encontro, prosseguiremos na leitura do Capítulo II do livro dos Leforts (1988) intitulado "Les structures de la psychose: L'enfant au loup et le Président" e, na segunda parte do Seminário, trabalharemos em torno deste caso de Rouillon, orientados pela Teoria do Parceiro, de Miller, e "em direção à adolescência", como ele propôs ao Institut de l'Enfant, na última Journée. 

Coordenação: Ana Martha Maia (EBP/AMP).
Colaboradora: Bruna Brito.
Comissão de Tradução : Ana Martha Maia, Anna Carolina Nogueira, Astrea Gama e Silva, Bruna Brito, Luiza Sarrat Rangel, Maria Elizabeth Araújo e Marina Valle.
Data: 12 março, 9 abril, 7 maio, 4 junho e 2 junho.
Sábados, 10h.
Local: Sede da EBP-Rio. Rua Capistrano de Abreu, 14. Humaitá.
Informações: anamarthamaia@gmail.com

*Aos inscritos que ainda não receberam, solicitar as traduções por email. 

sábado, 5 de março de 2016

O corpo no autismo


Bartyra Ribeiro de Castro[1]

O texto de Jacques-Alan Miller que baliza o X Congresso Internacional da AMP/2016 sobre o corpo falante traz alguns apontamentos que nos permitem pensar sobre o corpo no autismo: “o corpo falante, distinto da carne, se mostra apto a figurar como superfície de inserção, o lugar do Outro do significante. [...] O que faz mistério, mas permanece indubitável, é o que resulta do domínio do simbólico sobre o corpo”. “a fala outorga o ser a esse animal por um efeito a posteriori.[2] Penso que o corpo no autismo realiza este mistério, embora o simbólico não o domine, não o configure pela passagem pelo espelho que não há, deixando o autista imerso no real.

Serge Cottet[3] nos lembra que “o corpo é definido como a projeção de uma superfície, portanto, como uma abstração que o reduz a duas dimensões, não um dentro, um interior mas, sobretudo, um fora[4]; a imagem narcísica da bela unidade mascara um despedaçamento que a pulsão faz o corpo sofrer; a pulsão despedaça o gozo do corpo no aspecto de que a fonte pulsional está na superfície, ou seja, nos buracos do corpo”. O primeiro Lacan localiza na anatomia as pulsões oral, anal, escópica e genital. No ultimíssimo, não há mais a vinculação entre inconsciente e pulsão, não mais se define o corpo em função das pulsões, mas do acontecimento de corpo. Isto nos permite considerar o autista como um parlêtre – aquele que sofre os efeitos do choque do significante sobre o corpo. Assim podemos afirmar que o autista está inscrito na linguagem, mas não no discurso, o que nos incita a pensar sobre o destino das pulsões, sobre este corpo que se goza e como este gozo retorna. O corpo que se goza não faz alusão ao circuito pulsional que implica o Outro. O corpo do autista se caracteriza por ser uma superfície sem buracos, sem órgãos, sem borda. A borda é o que “permite o encontro entre o inconsciente simbólico e o funcionamento da pulsão”[5]. A questão fundamental do autismo é que não há inconsciente simbólico, uma vez que este não se inscreve, que não se pode falar de encadeamento s1 – s2 no autismo. Eric Laurent sustenta que o gozo do autista retorna sobre uma borda, uma neo-borda, construída como um tratamento a este gozo.  

Há, no ensino de Lacan, quatro momentos em que ele nos fala das formas de transmissão da ordem simbólica sobre o corpo: no Seminário 10, trata como incorporação; em A Direção do Tratamento, fala de ponto de inseminação; e, mesmo na Conferência em Genebra[6] ele fala de impregnação, mas imediatamente depois ele utiliza o termo instilação: “a forma pela qual foi instilado um modo de falar pode levar a marca [...] do fato de que o desejo não existia antes de certa data”.

É possível pensar que haja algum tipo de alienação no autismo, mesmo que parcial, ao Outro. O estatuto deste Outro autismo é o de um Outro de síntese, feito de significantes soltos, inclusive, feito mais de signos que de significantes. Para Jean-Claude Maleval, a construção deste Outro de síntese se faz pelo autista, através do estabelecimento de um conjunto de signos e de regras absolutas a serem seguidas, tentando manter o encontro contingente sob controle. O autista demonstra o que Lacan, desde o Seminário 4 já preconizava: Não há Outro do Outro, que não há uma garantia do Outro. O autista atesta que há Um, que há um enxame de significantes soltos e que, salvo uma alienação ao campo do sentido, a linguagem pode servir para comunicar absolutamente nada.       

O ultimíssimo Lacan muda a forma de se pensar a pulsão, de um percurso cujo alvo é um objeto que se localiza no Outro e retorna sobre o corpo buscando uma satisfação – como aparece no Seminário 11; ao “eco do fato de que há um dizer. Esse dizer, para que ressoe, para que consoe, [...] é preciso que o corpo lhe seja sensível. [...] Porque o corpo tem muitos orifícios, dos quais o mais importante é o ouvido [...] é por este viés que, no corpo, responde o que chamei de voz” [7] – Seminário 23 -. A voz, um dizer a ser instilado que antecede ao eco que ressoa no corpo. Pelo rechaço ao Outro, característico da estrutura autística, faz falta um corpo sensível, um vazio por onde a voz possa ser incorporada. A voz do Outro carreia algo de insuportável para o autista que busca colocá-la a uma distância tal que desta, ele possa se proteger. Por outro lado, o autista não cede seu objeto voz facilmente. Muitos sequer falam, outros somente o fazem em momentos de urgência, horror ou desespero e, ainda outros, falam, falam e falam – sobretudo verbosos! Isto não quer dizer que se possa entendê-los. É um solilóquio, onde o gozo retorna sobre uma tumba.

Tumba também é um termo que se usa para os corpos mortos. E a questão do autismo é a recusa ao vivo. Uma mortificação própria, um esvaziamento de qualquer demanda ao Outro. Este rechaço comparecerá em diferentes níveis também quando da elaboração do laço possível com o mundo. O autista, busca tratar o gozo, através de pseudópodes, isto é, os objetos autísticos – simples ou complexos -, os duplos – inanimados, animados ou humanos -, e as ilhas de competência. Através destes elementos, o autista constitui uma neo-borda sobre a qual o gozo retorna, como uma extensão de seu corpo.

Isto quer dizer que a escolha dos objetos, a sua complexidade; a construção do duplo e a sua qualidade; além do estabelecimento de uma ilha de competência, falam do quanto é suportável ou não, a possibilidade da contingência.

Penso em Jonas, um adolescente do Courtil, cuja única atividade diária era abrir e fechar a mesma porta, incansavelmente, durante horas a fio. Aquele movimento repetido daquele corpo menino-porta era um tratamento possível que ele dava ao gozo, mantendo o Outro à distância. Alguns de nós tínhamos a tarefa de passar por ali, de vez em quando, e colocar o pé na porta, cumprimentá-lo com um – Olá, Jonas!, ou de outra forma qualquer que criasse um acontecimento inesperado por ele. Jonas, muitas vezes simplesmente seguia a repetição, outras, quando incomodado, urrava; e outras, quando muito incomodado, corria pelo pátio, arrancava de si as roupas que tocavam o seu corpo e, ainda mais gravemente, mordia-se aos pedaços.



[1] Membro da EBP/AMP
[2] Miller, J-A. O Inconsciente e o corpo falante.
[3] Cottet, S. As referências freudianas a respeito do corpo.
[4] Freud, S. « O eu e o isso », capítulo II, in ESB XIX, RJ, Imago, 1976.
[5] Cottet, S., op.cit.
[6] Lacan, J. Conferência em Genebra sobre o sintoma, in Opção Lacaniana, nº 23, p. 09.
[7] Lacan, Jacques. Seminário Livro 23, Zahar Ed. p. 18/19.