segunda-feira, 30 de março de 2015

Sobre a III Jornada MPASP – Clínica psicanalítica com autismos.

Vanessa Carrilho dos Anjos Brandão[i]
O evento foi marcado por falas sobre a clínica do autismo, a intervenção precoce e as políticas Públicas e foi com imenso prazer que pude levar minhas contribuições sobre o tema através de uma vinheta, reforçando meu compromisso ético com a Psicanálise e com os autismos.
Um menino, com seis anos, chega à Instituição para uma "avaliação global". Nesta clínica de reabilitação, o paciente passa por profissionais de diferentes áreas e, quando um diagnóstico é estabelecido, o encaminhamento segue o que a equipe prescreveu. Em seu caso, o aprendizado não corresponde ao “esperado” pela escola e ele apresenta um comportamento “estranho”. Prefere brincar sozinho, evita contato visual, fala de forma mecanizada e reduz seu discurso aos clássicos infantis Cinderela, Branca de Neve e Alice. Através de testes de personalidade e inteligência, uma psicóloga estabelece o diagnóstico de "deficiente mental" e o encaminha para os setores de Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Psicologia. Vale notar que a instituição não recebe casos de autismos e psicoses, porque considera que não há nada a fazer quando o cérebro está mal formado ou, praticamente, não existe. Assim, como “deficiente mental”, ele teve a oportunidade de iniciar um tratamento e seguir em seu “desenvolvimento”.
Na mesa intitulada "Diagnóstico diferencial: autismos, psicose e deficiências", ouvimos outras experiências, além de considerações teóricas acerca do tema. Porém, o que mais marcou o momento foi a discussão sobre o singular dessa clínica, que faz com que tenhamos que extrair de cada caso, uma construção inédita. Autismos no plural visa marcar que a direção do tratamento é dada a partir de cada caso, e não de um método, uma técnica a ser aplicada para todos. Este menino  me ensinou a escutá-lo, mesmo em seu silêncio. A posição de uma "presença ausente" não é fácil para o analista, principalmente em Instituições que possuem um funcionamento rígido e clínicas engessadas em laudos e técnicas diretivas, mas é através de nossa aposta nesses sujeitos que conseguimos estar em lugares como estes, podendo transmitir um pouco do nosso "suposto saber".
[i] Participante do laboratório “A criança entre a mulher e a mãe” (CIEN-Rio) e do Projeto Lugar & Laços.


sábado, 28 de março de 2015

Notícias da III Jornada do MPASP

“Ser no Mundo, é ser no Mundo com Outro!” disse Elizabeth Cavalcanti. E foi com esta frase que escutei, que iniciou minha jornada, nesta Jornada do MPASP, que aconteceu nos dias 20 e 21 de março, na UFRJ e no Pinel.
Foram muitas as discussões e debates acalorados sobre o lugar do sujeito enquanto autista. 
A questão da estrutura não poderia faltar. Foi discutido para onde discorrem as traços precoces do autismo, quando diluídos, se para a psicose, ou para neurose. Será possível mudar uma estrutura? - eu me perguntava, uma vez que estavam presentes analistas com diferentes abordagens teóricas. Será que não foi uma escolha do sujeito para lidar com o mundo, com a linguagem, desta forma? 
Todas as questões levantadas foram pontuadas por diversos pontos de vista, todos com o mesmo objetivo de afirmar a psicanálise como um tratamento possível nos casos de autismo e a importância da singularidade em cada caso.
Sábado, pela amanhã, houve a apresentação do filme “Outras Vozes”, de Iván Ruíz, sobre um menino com traços de autismo que foi diagnosticado precocemente. Muito rico este documentário!
Na mesa de Marina Valle, nossa colega psiquiatra do Seminário da EBP-Rio Autismo e psicose infantil, o tema discutido foi Genética e Neurociência. Marina abordou os métodos de tratamento por repetição e condicionamento e trouxe uma questão interessante sobre a Affinity Therapy, enquanto Fernando Ramos ressaltou a importância da articulação entre psicanálise e neurociências, dizendo que não devemos “ ter medo da neurobiologia”.
Vanessa Brandão apresentou um trabalho que elaborou com Ana Martha Maia para a Mesa sobre o diagnóstico diferencial: autismos, psicoses e deficiência, articulando clínica, teoria e política. Nesta mesma Mesa, coordenada por Dóris Diogo, Ana Beatriz Freire apresentou um trabalho sobre autismo e Bruna Brito esteve presente com um trabalho sobre a psicose. Foi uma Mesa muito elogiada.
Pena que na apresentação de nosso Pôster não houve debate, mas a formulação do texto nos serviu para entender a proposta do MPASP e por que a EBP esteve tão presente.
Amanda Nunes - aluna do ICP-RJ, participante do Projeto Lugar & Laços e do laboratório "A criança ente a mulher e a mãe" (CIEN-Rio).

quinta-feira, 26 de março de 2015

Lei está só no papel, reclamam participantes de audiência sobre autismo


 Centros de tratamento especializados, profissionais capacitados e clínicas integradas com escolas foram algumas das reivindicações dos que participaram da audiência pública, nesta segunda-feira (23), sobre as políticas públicas para pessoas autistas. Promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), a audiência começou com um jovem autista cantando o Hino Nacional em homenagem ao Dia Mundial do Autismo, celebrado em 2 de abril.
O principal problema apontado pelos participantes da audiência foi que Lei Berenice Piana, como é conhecida a Lei da Política Nacional de Proteção dos Direitos do Autista (Lei 12.764/2012), não é aplicada na íntegra. Ela foi regulamentada pelo Decreto 8.368/2014, que colocou os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), do Sistema Único de Saúde, como os responsáveis para o tratamento de autistas. Mas esses centros tratam de pessoas com todos os tipos de transtornos mentais, incluindo os que enfrentam problemas com o consumo abusivo de álcool ou drogas.
Para a enfermeira, mãe de autista e diretora do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), Tatiana Roque, e para Lívia Magalhães, diretora jurídica do Moab, deveria haver centros especializados para tratamento de pessoas autistas no Brasil. Elas explicaram que o autismo é uma síndrome que apresenta vários espectros e varia de pessoa para pessoa.
Precisa se cumprir a lei como ela foi escrita. O autista precisa do centro especializado, uma clínica-escola, com equipe multidisciplinar. O CAPs atende vários outros tipos de patologias e síndromes, o que não seria específico para se tratar o autista. E hoje nós sabemos que o CAPs não têm condições de atender. A fila de espera é enorme e autista não pode esperar — disse Tatiana.
A enfermeira mostrou uma imagem de jovens autistas amarrados em camas em uma clínica em Alagoas.
— A família não tem condições de oferecer um tratamento adequado, o governo não ofereceu um tratamento para a família. Não tiveram o diagnóstico precoce, não têm atendimento individualizado, não têm terapias. São medicados diariamente e amarrados. Essa cena, pra mim, é frustante, e me causa raiva — lamentou ela.
A Representante da Diretoria de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Simone Maria Guimarães, expôs o trabalho desenvolvido pelo governo para melhorar o atendimento de pacientes autistas. Mas Cibele Vieira, mãe de um autista, apontou uma série de problemas como a limitada oferta de vagas para estudantes com autismo, a falta de qualificação dos profissionais e a demora no atendimento na rede pública de saúde.
Eu me senti completamente ofendida como cidadã, como mãe. Senti-me uma alienígena. Não tem dentro do poder público alguém que ofereça tudo aquilo que foi dito aqui — desabafou.
Acompanhamento especializado

A diretora de Políticas de Educação Especial do Ministério de Educação, Martinha Clarete Dutra, afirmou que a nova legislação ajudar a fortalecer a inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista, mas ponderou que a aplicação da mesma depende da União, dos estados e municípios.
— Não podemos deixar que nenhuma matrícula seja recusada, só que não basta ter matrícula, tem que ter atendimento de qualidade. Hoje, o nosso grande desafio é esse pacto de atuarmos juntos, lá na ponta, para que de fato todas as pessoas que estejam no sistema tenham atendimento e quem não esteja, venha para o sistema disse Martinha.
Mas o decreto que regulamentou a lei é omisso ao não especificar a formação necessária para os profissionais contratados para acompanhar os autistas nas escolas. A queixa foi apresentada pela diretora jurídica do Moab.
Hoje algumas escolas acabam contratando estagiários, sem qualificação sem preparo para lidar com o autista, na sala de aula. É muito importante que seja especificada a qualificação, seja professor de ensino fundamental, com treinamento específico para lidar com o autista acrescentou Lívia.
Integração clínica-escola

Um modelo de espaço que reúne saúde e educação com atenção qualificada para os autistas é uma a clínica-escola pública criada no ano passado em Itaboraí, município da região metropolitana do Rio de Janeiro. Fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, entre outros profissionais compõem a equipe multidisciplinar do local, resultado da persistência de Berenice Piana, que dá nome à Lei 12.764/2012.
— Na clínica-escola as mães são estimuladas. Elas participam de grupos, recebem orientação, recebem capacitação da melhor forma de cuidar dos seus filhos — assinalou Lívia ao elogiar a iniciativa da Prefeitura de Itaboraí.
A médica psiquiatra da Clínica de Atendimento Psicológico a Crianças Especiais (Cliama), Gianna Guiotti Testa acredita que o modelo ideal é a integração clínica-escola-família.
— Não adianta a gente ter a clínica de referência se ela não está integrada à escola. Gente, os professores precisam de ajuda! Eles precisam de um grupo de apoio afirmou a médica.
Diagnóstico Precoce

Outro grande problema para Tatiana Roque é a falta de uma estatística oficial sobre o número de autistas no Brasil. Estima-se, segundo ela, que haja 2 milhões de autistas no Brasil atualmente, número que cresceu muito nas últimas décadas. Para Gianna, o aumento do número de casos de autismo no país se deve também ao aumento da detecção da doença, que, há 20 anos era praticamente nula.
O autismo é uma síndrome que a gente consegue detectar até os 3 anos de idade. Se o diagnóstico é precoce, a assistência tem que ser precoce. A gente pode intervir para que a criança tenha ganhos importantes para o seu desenvolvimento — afirmou Gianna.
Acesso à medicação

Gianna alertou para a importância do acesso à medicação. Ela explicou que não há medicação para autismo, mas há alguns medicamentos que são importantes para alguns sintomas. A médica relatou ainda que no último sábado uma mãe de um jovem autista ligou para ela dizendo que a Secretaria só liberaria o medicamento para esquizofrenia.
Isso também é muito importante: o acesso à medicação — afirmou.
Horário especial

Tatiana Roque reclamou ainda do veto da presidente Dilma a um artigo da Lei Berenice Piana que concedia horário especial sem compensação para servidores públicos com filhos autistas. Ela explicou que os pais de autistas são sobrecarregados devido à atenção e ao tratamento que devem dar aos filhos.
Tramita aqui no Senado um projeto de lei de autoria do senador Romário, que prevê horário especial sem compensação para servidor público com filho ou cônjuge com deficiência. E eu gostaria de pedir a sensibilidade dos senadores para que essa proposta seja aprovada o quanto antes porque ela vai ajudar muitas famílias que têm pessoas especiais — afirmou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)


http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2015/03/23/lei-esta-so-no-papel-reclamam-participantes-de-audiencia-sobre-autismo?utm_source=midias-sociais&utm_medium=midias-sociais&utm_campaign=midias-sociais







Autismos – “inclusão” escolar possível?[1]

Autismos – “inclusão” escolar possível?[1]

 Por Luiza Sarrat Rangel[2]

Recentemente no cenário jurídico entrou em vigor a Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, oriunda de tratados em que o Brasil é signatário. No artigo 1° desta lei há previsão expressa da inclusão do autismo no rol de deficientes para todos os fins legais e de direito; ao passo que o artigo 2° traça as diretrizes gerais e lá inclui o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho. Para os autistas que não encontram um lugar social pelo trabalho, há também a previsão legal do benefício assistencial da prestação continuada, previsto na Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS.
Diversos são os movimentos sociais envolvidos na discussão do tema e "direitos conquistados", desde a adoção das "escolas especializadas", até a chamada "inclusão nas salas regulares de ensino”, proibição de negativa de matrícula em escola regular, direito à redução de horas de trabalho dos pais de autistas, etc.
As políticas públicas previstas em leis baseiam-se na missão protetiva de “inclusão” social dos autistas e acesso aos serviços públicos, como educação e saúde.
Tendo em vista o que a clínica com autismos nos ensina, de que modo a psicanálise de orientação lacaniana pode contribuir nesse processo de “inclusão”?
O que se propõe é uma leitura da norma que não se feche no reducionismo do mero atendimento de demandas assistencialistas e generalizantes, mas que promova a singularidade, facilitando que cada autista encontre uma maneira singular de se inserir no laço social.



[1] Texto elaborado a partir do trabalho apresentado na III Jornada do MPASP - Clínica Psicanalítica com Autismos (21 de março de 2015), em co-autoria com Amanda Nunes e Simone Monnerat, e da interlocução do trabalho em curso no Projeto “Lugar & Laços”, uma proposta de espaço de atendimento clínico, conversações inter-disciplinares e de mediação escola/trabalho, coordenado por Ana Martha Wilson Maia, desde 2012.
[2] Psicóloga. Advogada. Aluna do Instituto de Clínica Psicanalítica – ICP/RJ. Participante do Projeto “Lugar & Laços”, do laboratório do CIEN-Rio “A criança entre a mulher e a mãe” e do Núcleo de Pesquisa Curumim (ICP-RJ).

quarta-feira, 25 de março de 2015

Uma em cada 88 crianças nascidas é autista


 O autismo é uma síndrome comportamental complexa que atinge três áreas: dificuldade de socialização, atraso na linguagem e alterações no comportamento, com movimentos repetitivos e restritivos. O transtorno atinge de forma diferenciada cada autista, que tem níveis distintos de comprometimento leve, moderado ou grave e por isso precisa de atendimento diferenciado. Foi o que explicou Tatiana Roque, diretora do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), durante a audiência pública que trata do tema, realizada nesta segunda-feira (23) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Segundo Tatiana, o número de pessoas atingidas cresce cada vez mais. Em 1990, era um caso para cada 2,5 mil  crianças nascidas. Hoje, a estimativa é de uma criança para cada 88 nascidas (números americanos). No Brasil, não há estatística oficial, mas estima-se que existem 2 milhões de autistas no país.
As políticas públicas precisam ser modificadas para atender essa grande demanda. O Brasil não tem estatística oficial, isso é uma falha grave, precisa ser mapeado, quantos temos e onde estão, para então intensificar as políticas afirmou Tatiana.
Lívia Magalhães, diretora jurídica do Moab, explicou que a chamada Lei Berenice Piana, que criou a política de atendimento aos autistas, foi importante e permitiu o reconhecimento dos portadores da síndrome como pessoas com deficiência, mas infelizmente não é aplicada na íntegra. O decreto que regulamenta a lei instituiu que os tratamentos aos autistas sejam feitos nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), do Sistema Único de Saúde, que são responsáveis pelos tratamentos de pessoas com todos os tipos de transtornos mentais, incluindo os que enfrentam problemas com consumo abusivo de álcool ou usuários de drogas.
Esses locais são inadequados pela falta de estrutura física e profissional, sem tratamento multidisciplinar que os autistas merecem disse Lívia.
Ambas cobraram a criação de centros especializados para atendimento aos autistas, clínicas com psiquiatras, neurologistas, fonoaudiólogos, terapeutas educacionais e ocupacionais, entre outros.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)




http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2015/03/23/uma-em-cada-88-criancas-nascidas-e-autista

segunda-feira, 23 de março de 2015

A AFFINITY THERAPY PARA O AUTISTA?


 A Affinity Therapy inventada por Ron Suskind[1] e Dan Griffin em 2014 possui várias propriedades notáveis que incitaram o coletivo dos praticantes com autistas a descobri-la na França e na Europa, sustentando a organização na Universidade de Rennes 2, nos dias 5 e 6 de março de 2015, do primeiro Colóquio Universitário consagrado a ela.  Universitários e praticantes vindos do mundo inteiro puderam trocar ideias com Ron Suskind, jornalista americano de renome, ganhador do Prêmio Pulitzer em 1995, assim como com seu filho Owen e Dan Griffin, na presença de uma audiência para a qual foi necessária a abertura ao público de um segundo anfiteatro. Além disso, cinco associações de pais de crianças autistas vieram testemunhar de seu apreço por uma abordagem plural do autismo, justificada pelas incertezas atuais da ciência: a etiologia do autismo permanece desconhecida, sua definição flutua, os métodos de tratamento, mesmo quando são recomendados pela HAS (Alta autoridade de saúde), não conseguem ser validados cientificamente.

A Affinity Therapy coloca de início o acento sobre uma escolha criativa do sujeito, incitando-o a desenvolver sua paixão: os filmes de Walt Disney para Owen Suskind, que o exprimiu longamente, as plantas carnívoras para Alan Ripaud, que testemunhou sobre isso, Kirikou e a feiticeira e depois Minecraft para Théo, cuja mãe, Valérie Gay, relatou seu percurso, etc.

Essa terapia parte de uma decisão e de um saber do autista — e nisso, ela se opõe aos métodos atualmente preconizados que colocam o acento sobre as incapacidades a serem preenchidas com técnicas de aprendizagem.

Como a paixão de um autista é sempre singular, a consequência é que essa terapia não pode ser feita senão caso a caso. Ela tem que ser inventada com cada um. Nisso ela se diferencia nitidamente dos métodos atuais preconizados como sendo válidos para todos através de algumas adaptações mínimas.

Esses dois princípios principais, a abordagem caso a caso e o apoio sobre uma invenção do sujeito, convergem de maneira notável com a abordagem psicanalítica que orienta o coletivo, daí o nosso entusiasmo em nos tornarmos parceiros de um tal colóquio — o primeiro organizado numa Universidade sobre a Affinity Therapy.

Por ocasião deste, nós descobrimos uma terceira propriedade notável da Affinity Therapy. Ali onde não esperávamos: em alguns blogs onde se expressou um ódio cego contra o próprio campo do colóquio. Merece ser sublinhado que ninguém ali critica a própria Affinity Therapy. No quadro atual das disputas concernindo o autismo, é notável que esta seja uma unanimidade. Cada um reconhece os méritos da  Affinity Therapy ; a maioria chega mesmo a dizer que já a pratica. O que é denunciado diria respeito à aproximação que é feita entre Affinity Therapy e psicanálise. É verdade que esta aproximação pode parecer totalmente opaca àqueles que escrevem nos blogs, já que eles testemunham que sua concepção da psicanálise é aquela difundida por um filme de propaganda que a caricaturiza. Sobre esta, ela se encontra no filme artificialmente unificada pelos preconceitos da diretora, refletidos por sua montagem, de modo que a diversidade das correntes que a atravessam é totalmente desconhecida.

A Affinity Therapy « não é nada de novo », dizem eles nos blogs, e a prova que isso não tem nada a ver com a psicanálise é que a Affinity Therapy « nós sempre a fizemos». Entretanto, aquela que eles acreditavam fazer não é aquela que nós preconizamos. Ela não consiste em adaptar o método de aprendizagem utilizando como reforço tal ou tal afinidade; ela implica a invenção de um tratamento novo para cada um: com desenhos animados para um, com carrilhões para o outro, com os trens para um terceiro, às vezes com um animal, etc. A Affinity Therapy não é um planejamento de percursos já balizados, ela é a criação de um percurso sob medida para cada autista. No método «ABA», o mais advogado pelos detratores do colóquio, as invenções da criança são apreendidas como « obsessões », que obstaculizam a aprendizagem, elas são comparadas a comportamentos de adição, muitas vezes tratadas como manipulações, elas devem claramente ser combatidas. Como é que os apoiadores do método ABA teriam tratado a paixão de Owen pelos filmes de Walt Disney ?

Por outro lado, desde os anos 70, a « prática feita por vários », que representa o cotidiano do trabalho de numerosas instituições orientadas pelo ensino de Lacan, e que é colocada em prática por interventores de formações diversas (psicólogos, educadores, professores das escolas, fonoaudiólogos, psicomotricistas, artistas, etc.) tem como princípio principal o de se fazer parceiro da criança, o que implica uma individualização radical do tratamento, e o que situa sua fonte principal nas invenções da criança autista, ainda que elas sejam mínimas. Ninguém por exemplo lhe ensinou a sacudir um barbante diante de seus olhos, se ele o faz tão frequentemente é, supomos, porque esse achado possui para ele uma função importante. Os autistas de alto nível confirmam isto em seus escritos. Fazer-se parceiro da criança é o princípio que orienta a prática do «Courtil» sobre o qual testemunha o filme de Mariana Otero — A céu aberto — que foi projetado durante o Colóquio.

Em seus fundamentos, os métodos psicodinâmicos (Affinity Therapy, psicanálise, terapia pelo jogo…) se opõem radicalmente aos métodos de aprendizagem; os primeiros visam construir o sujeito se apoiando sobre suas invenções, os segundos buscam formatar os comportamentos tomando o saber do educador como princípio motor.

Certamente, desde então, a oposição se atenuou um pouco. As paixões do autista tomam um lugar nas atividades de aprendizagem sendo utilizadas como reforçadores das tarefas; por outro lado os psicanalistas introduzem em sua prática técnicas iniciadas pelos cognitivistas, notadamente estruturando o espaço e o tempo. O fosso se enche parcialmente, mas ainda é difícil de ser transposto.

É, no entanto, incontestável que para além dos debates apaixonados, talvez até mesmo graças a eles, se produz uma evolução e até mesmo alguns esboços de convergências na abordagem atual do autismo, já que como conclusão do Colóquio algumas afirmações de um dos especialistas principais da abordagem cognitivista do autismo, o professor Laurent Mottron, pesquisador canadense, foram retomadas palavra por palavra. Suas conclusões se fundam em pesquisas totalmente estrangeiras à abordagem psicodinâmica, mas elas são apoiadas na experiência dos autistas de alto nível.

« É uma anarquia, os packages », ele afirma. Ele considera que para cada autista convém proceder a um encaminhamento em função de suas capacidades especiais. Ele constata, como tantos outros, que é a partir dos interesses específicos, o que chamamos de afinidades, que se desenvolvem as competências cognitivas. « Quando se passa um tempo enorme com alguma coisa, ele sublinha, passa-se menos tempo  com outra coisa. Isso foi considerado como uma espécie de falha do autista: falta de generalização, capacidades inúteis, etc. De fato, ele insiste, é preciso tomar isto como um fato: « é assim que funciona o autismo ». Ele advoga como Ron Suskind, Dan Griffin e nós mesmos em favor de se apoiar sobre o interesse específico a fim de desenvolver as capacidades. Ele incita dessa maneira a se respeitar a alteridade do autista.

Convidamos a tomar conhecimento dos desenvolvimentos que virão da Affinity Therapy e dos métodos psicodinâmicos de tratamento do autismo consultando os seguintes sites, o de Ron Suskind: « Lifeanimated.net », e o site universitário:          «affinitytherapy.sciencesconf.org »

Coletivo dos praticantes com autistas

 Post Scriptum: Sobre algumas das falsas ideias mais difundidas sobre a questão do autismo:
— A prática institucional de tratamento dos autistas orientada pelo ensino de Lacan não usa nem o packing, nem a piscina terapêutica, nem a violência. Sobre esse último ponto, não se pode dizer o mesmo do método ABA — contra o qual se insurgem vários autistas de alto nível. A justiça acaba de confirmar que os maltratos — denunciados por Médiapart no local oficial francês da ABA —, não são difamações (Dufau S. Autisme : Vinca Rivière e a Associação « Pas à Pas » perdem seu processo contra Mediapart. http://goo.gl/cEbNig)

Se o coletivo dos praticantes e dos organizadores do Colóquio advogassem a favor de uma culpabilização dos pais, é pouco provável que cinco associações de pais de crianças autistas, no entanto bem informados sobre as querelas atuais, (uma delas é presidida por um professor de medicina), tivessem intervindo no Colóquio, para relatar experiências comprovadoras da Affinity Therapy e para preconizar uma aproximação plural do autismo não excluindo os modelos psicodinâmicos.

— As raras referências à « mãe crocodilo » feitas por Lacan não concernem de modo algum ao autismo. As teses de Bettelheim relativas à implicação dos pais na etiologia do autismo nunca foram unanimidade entre os psicanalistas: desde 1965, Tustin se opunha a isso fortemente e ela não deixou de fazê-lo. Sua influência no que concerne à abordagem psicanalítica do autismo não foi menor do que aquela de Bettelheim.

— Nós consideramos o autismo como um funcionamento subjetivo específico e não como uma psicose. O professor Jean-Claude Maleval explica o porquê em seus trabalhos.
— Não é evidente para todos que a prática psicanalítica não utiliza a convulsoterapia (às vezes prescrita pela psiquiatria), e não advoga a favor dos choques elétricos. Por outro lado, a sra. Vinca Rivière, apoiadora do método ABA, vangloria as virtudes dessas últimos; (Dufau S. Autismo: uma correspondência embaraçosa para um centro sempre citado como exemplo, Médiapart, 3 de abril de 2012. www. mediapart.fr )

— Parece ainda necessário precisar que a psicanálise não se confunde com a psiquiatria. Há meio século a psiquiatria francesa tinha uma tendência predominantemente psicanalítica; hoje as neurociências constituem sua referência privilegiada. A psicanálise leva ao diálogo com o paciente: as neurociências levam a exames de seu sistema nervoso. Observadores independentes sustentam que a perda da referência psicanalítica na psiquiatria contribuiu enormemente para sua desumanização. (Coupechoux P. Um mundo de loucos. Como nossa sociedade maltrata seus doentes mentais. Seuil. Paris. 2006)

— « A » psicanálise não existe: ela é atravessada por correntes diversas, estas, no que diz respeito ao autismo, sustentam às vezes teses contraditórias. Isso também é verdade no que diz respeito às diversas terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais (todas não advogam a favor dos eletrochoques). Isso é ainda verdade para as recomendações da Alta Autoridade de Saúde cujos preconizações científicas entram às vezes em conflito com suas próprias recomendações éticas:  ela incita a levar em conta « os gostos, os ritmos, as capacidades » e mesmo « os desejos » próprios da criança autista! E, no entanto, ela não desaconselha o método ABA!

— A Alta Autoridade de Saúde (HAS) em 2012 recomenda, para tratar das crianças autistas, ABA, TEACCH e Denver, não em nome de uma ciência triunfal, mas na falta de algo melhor, já que ela constata ao mesmo tempo que nenhum desses métodos é validado cientificamente (não é mais que uma « pretensão de eficácia », ou um « frágil nível de prova »). A HAS observa que todos esses métodos conhecem mais fracassos do que sucessos. Isso deveria incitar à modéstia das preconizações.
— A HAS não recusou a psicanálise e a psicoterapia institucional para o tratamento das crianças autistas: ela não tomou partido. Essa é a diferença entre a qualificação « não consensual », que lhes é dada, e a não recomendação. A se notar que associações que, em nome da ciência, fazem a caça aos métodos não consensuais, ao mesmo tempo não hesitam em sustentar formações em métodos não recomendados, tais como Makaton ou PECS, sem o menor embaraço.

— A qualificação « não consensual » concernindo à psicanálise e à psicoterapia institucional se justifica pela ausência de estudos respondendo à metodologia da HAS (que recusa aquela advogada pelos psicanalistas). Ora, um estudo recente do INSERM (2014), favorável aos tratamentos psicodinâmicos, vem agora preencher essa lacuna: Thurin J-M. Thurin M. Cohen D. Falissard B. Abordagens psicoterapeuticas do autismo. Resultados preliminares a partir de 50 estudos intensivos de caso. Neuropsiquiatria da infância e da adolescências 62 (2014) 102-118.

Seria apreciado que os desacordos em relação ao que precede sejam expressos por argumentações fundamentadas e não pelas calúnias habituais que de início buscam eliminar a troca.

Tradução: Cristina Drummond.



[1] Suskind, R, Life Animated : A story of Sidekicks, Heroes and Autism. Kingswell. California. 2014.