segunda-feira, 23 de março de 2015

Caros colegas,

Uma grande novidade enviada por Bernard


Autismo : Vinca Rivière e a associação Pas à Pas (Passo a Passo) perdem seu processo perante Mediapart

06 de março de 2015 | Por Sophie Dufau - Mediapart.fr

Em abril de 2012, eu publicava, sob o título de “Autismo: uma correspondência embaraçosa para um centro sempre citado como exemplo”, uma enquete revelando que um relatório da agência regional de saúde de Nord-Pas-de-Calais concluía que o centro Camus de Villeneuve-d'Ascq apresentava “desfuncionamentos” que constituíam “fatores de risco de maus-tratos suscetíveis de ter repercussões entre as crianças acolhidas”.  A senhora Vinca Rivière e a associação Pas à Pas apresentaram queixa por difamação. Acabamos de receber os fundamentos do julgamento: a associação e Vinca Rivière tiveram seu pedido recusado e Mediapart foi absolvido. Na audiência de 24 de outubro de 2014, não foi apenas Mediapart que foi acusado. Uma jornalista do La Montagne, Cécile Bergougnoux, e Fernando Ramos, pai de duas meninas outrora acolhidas no centro Camus de Villeneuve d'Ascq, também foram acusados de difamação. Os dois foram igualmente absolvidos. Não havendo apelo dos queixosos, esses julgamentos são definitivos.

Mas voltemos aos fatos: como eu escrevi, tudo partiu de uma correspondência endereçada por Fernando Ramos ao ARS de Nord-Pas-de-Calais em julho de 2011 para “abrir os olhos dos poderes públicos sobre os métodos utilizados pelo centro Camus de Villeneuve-d'Ascq”. Um centro muito conhecido do grande público visto que, em 2008, o ator Francis Perrin teve carta branca, no programa Envoyé spécial (Enviado especial) da TV France-2, para apresentar e defender essa estrutura da qual ele era o “padrinho”, apresentar e defender o método utilizado (a ABA, Análise Comportamental Aplicada, um programa de técnicas de modificação do comportamento) e os profissionais responsáveis pelo tratamento de seu filho Louis.

Nessa carta enviada em 2011 à agência regional de saúde (ARS),
Fernando Ramos se queixava de que ao buscar sua filha, todas as noites, ela apresentava vários hematomas nos braços e pulsos : efetivamente, para ensinar à criança a não jogar objetos, um procedimento dito “de bloqueio” era empregado, e consistia em apertar seus braços junto ao corpo. Ele contava também, em sua correspondência, que “a mãe de suas filhas, de passagem durante as férias de abril, partiu chorando por ter visto a psicóloga sentada sobre Alicia durante 45min, no banheiro, para que ela não se mexesse”. Ou ainda que sua filha havia sido regularmente colocada num canto de um cômodo murado por um colchão, a fim de que ela não se batesse contra a parede, e no escuro absoluto, segundo o procedimento chamado de “time out”.

Essa carta desencadeou, em 25 de agosto e 9 de setembro de 2011, a visita de quatro membros da equipe de inspeção da ARS. O relatório entregue cinco meses mais tarde a seus superiores e ao centro Camus (e que Mediapart obteve), apontava sérios problemas de funcionamento e de formação de pessoal e, sobretudo, concluía que esse centro apresentava “desfuncionamentos” que constituíam “fatores de risco de maus-tratos suscetíveis de ter repercussões entre as crianças acolhidas” ...  (Para maiores extratos do relatório, a enquete na íntegra está disponível aqui).

A partir desses elementos, solicitei uma entrevista com Vinca Rivière. Fui recebida no final de março de 2012 em Villeneuve-d'Ascq, no centro Camus, pela diretora do centro, Melissa Becquet, e Vinca Rivière. Ao longo de duas horas de entrevista, elas não deram mostras de nenhuma compaixão em relação a Fernando Ramos e suas duas filhas, mas para melhor me explicar os procedimentos utilizados para modificar os comportamentos, Vinca Rivière tomou esse exemplo. Quero precisar imediatamente que ela não afirmou aplicá-lo, mas apenas que ela o “vira na Holanda”:

« Na análise comportamental, há procedimentos de punição por choque elétrico. Todo mundo acha isso escandaloso, mas é aceito pelo governo holandês para transtornos severos e em último recurso. O que se chama de “choque elétrico”, é apresentado na formação fazendo sugar uma pilha de 9 volts: isso belisca a língua, mas é o bastante para mudar um comportamento, eu vi na Holanda, e a eficácia disso é demonstrada desde os anos 50. A pessoa com comportamento inadequado (uma mulher que batia violentamente no próprio queixo, ela exemplifica) usa permanentemente um cinto ligado a um emissor colocado em sua coxa. » À distância, « o educador aciona o dispositivo, graças a seu telecomando, sempre que ela apresenta o comportamento. Isso produz efetivamente um choque. Mas o importante é ver que essa pessoa, que não podia fazer mais nada, diminuiu seu comportamento e pôde fazer outra coisa. Há casos de adultos que adquiriram mais autonomia com isso. Essa punição é eficaz se o comportamento diminui rapidamente. Se não, não é uma boa punição. Então, se o comportamento não diminui, para-se, ninguém vai colocar 80 volts!  Mas na França, a partir do momento em que se fala disso, pensa-se em Um estranho no ninho... », o filme de Milos Forman.

Três dias depois da publicação da enquete de Mediapart, o jornal La Montagne publicava uma entrevista realizada por Cécile Bergougnoux com Fernando Ramos. Depois de sua experiência em Villeneuve d'Ascq, este último mudou-se efetivamente para sua região de origem, perto de Clermont Ferrand. Nas páginas do jornal local, ele relembrava o que sua filha tinha vivido nesse centro. Por essa entrevista, Cecile Bergougnoux e Fernando Ramos foram também acusados de difamação por Vinca Rivière e a associação Pas-à-Pas.

Eu fiz citar na audiência três testemunhas: Claire Leconte, professora emérita de psicologia da educação (Universidade de Lille 3); Anne-Yvonne Lenfant, psiquiatra infantil em Lille e antiga médica coordenadora da Unidade de avaliação diagnóstica no centro de recurso Autismo de Nord Pas de Calais ; e Moïse Assouline, psiquiatra, médico diretor do centro Françoise Grémy e coordenador do polo autismo da associação Elan Retrouvé. De seus testemunhos plenos de ensinamento e sobretudo desapaixonados, eu gostaria que fosse retido principalmente isso: que os maus-tratos não são forçosamente algo de sistemático; que seguir a longo prazo essas crianças difíceis exige muita experiência e pouca soberba; e, sobretudo, que é preciso alertar sempre que um profissional ultrapassa os limites. Não para obrigatoriamente sancioná-los, mas para manter a vigilância de toda a equipe cuidadora e não deixar ninguém se fechar em um comportamento violento. 

Em 2011, Fernando Ramos quis apenas alertar as autoridades de saúde, escrevendo uma carta para a ARS. Ele nunca me procurou para incriminar o centro através da imprensa. Quando eu consegui encontrá-lo no início de 2012, ele não tinha conhecimento do seguimento dado à sua correspondência nem a fortiori da inspeção e do relatório subsequente, que eu tinha em meu poder. Se o tribunal o tivesse condenado por difamação, teria sido um péssimo sinal enviado a todos aqueles que alertam as autoridades de tutela após terem constatado que um de seus próximos não é bem tratado pelas equipes às quais foi confiado.

No fim do processo, o tribunal estimou que a enquete de Mediapart perseguiu um objetivo legítimo, e que ela foi conduzida com seriedade e prudência. Mesma constatação em relação à enquete de La Montagne.

E, sobretudo, Fernando Ramos foi inocentado. Ele não terá que pagar a indenização que os queixosos reclamavam a esse operário de cutelaria: 10 000 euros.


URL source: http://blogs.mediapart.fr/blog/sophie-dufau/060315/autisme-vinca-riviere-et-l-association-pas-pas-perdent-leur-proces-face-mediapart


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