O principal problema
apontado pelos participantes da audiência foi que Lei Berenice Piana, como é conhecida a Lei da Política Nacional de Proteção dos Direitos do Autista (Lei
12.764/2012), não é aplicada na íntegra.
Ela foi regulamentada pelo Decreto 8.368/2014, que colocou os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), do Sistema Único de Saúde, como
os responsáveis para o tratamento de autistas. Mas
esses centros tratam de pessoas com todos os tipos de transtornos mentais,
incluindo os que enfrentam problemas com o consumo abusivo de álcool ou drogas.
Para a enfermeira, mãe de autista e diretora do Movimento
Orgulho Autista Brasil (Moab), Tatiana Roque, e para Lívia Magalhães,
diretora jurídica do Moab, deveria haver centros
especializados para tratamento de pessoas autistas no Brasil. Elas explicaram
que o autismo é uma síndrome que apresenta vários espectros e varia de pessoa para pessoa.
— Precisa se cumprir a lei como ela foi
escrita. O autista precisa do centro especializado, uma clínica-escola, com equipe multidisciplinar. O CAPs atende vários outros tipos de patologias e síndromes, o que não seria específico para se tratar o autista. E hoje nós
sabemos que o CAPs não têm
condições de atender.
A fila de espera é enorme e autista não pode esperar — disse Tatiana.
A enfermeira mostrou
uma imagem de jovens autistas amarrados em camas em uma clínica em Alagoas.
— A família não tem condições de oferecer um tratamento adequado, o
governo não ofereceu um tratamento
para a família. Não tiveram o diagnóstico precoce, não têm
atendimento individualizado, não têm
terapias. São
medicados diariamente e amarrados. Essa cena, pra mim, é frustante, e me causa raiva — lamentou ela.
A Representante da Diretoria
de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Simone Maria Guimarães, expôs o trabalho desenvolvido pelo governo para melhorar o atendimento de
pacientes autistas. Mas Cibele Vieira, mãe de um autista, apontou uma série de problemas como a limitada oferta de vagas para estudantes com
autismo, a falta de qualificação dos
profissionais e a demora no atendimento na rede pública
de saúde.
— Eu me senti completamente ofendida como
cidadã, como mãe. Senti-me uma alienígena. Não tem
dentro do poder público alguém que ofereça tudo aquilo que foi dito aqui — desabafou.
Acompanhamento
especializado
A diretora de Políticas de Educação
Especial do Ministério de Educação, Martinha Clarete Dutra, afirmou que a
nova legislação
ajudar a fortalecer a inclusão das
pessoas com Transtorno do Espectro Autista, mas ponderou que a aplicação da mesma depende da União, dos estados e municípios.
— Não podemos deixar que nenhuma matrícula seja recusada, só que não basta ter matrícula, tem que ter atendimento de qualidade. Hoje, o nosso grande desafio é esse pacto de atuarmos juntos, lá
na ponta, para que de fato
todas as pessoas que estejam no sistema tenham atendimento e quem não esteja, venha para o sistema — disse Martinha.
Mas o decreto que
regulamentou a lei é omisso ao não especificar a formação necessária para
os profissionais contratados para acompanhar os autistas nas escolas. A queixa
foi apresentada pela diretora jurídica do Moab.
— Hoje algumas escolas acabam contratando
estagiários, sem qualificação sem preparo para lidar com o autista, na
sala de aula. É muito
importante que seja especificada a qualificação, seja professor de ensino fundamental,
com treinamento específico para lidar com o autista — acrescentou Lívia.
Integração clínica-escola
Um modelo de espaço que reúne
saúde e educação com atenção qualificada para os autistas é uma a clínica-escola pública criada no ano passado em Itaboraí,
município da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, entre
outros profissionais compõem a
equipe multidisciplinar do local, resultado da persistência de Berenice Piana, que dá nome à Lei 12.764/2012.
— Na clínica-escola as mães são
estimuladas. Elas participam de grupos, recebem orientação, recebem capacitação da melhor forma de cuidar dos seus
filhos — assinalou Lívia ao elogiar a iniciativa da Prefeitura de Itaboraí.
A médica psiquiatra da Clínica de Atendimento Psicológico a Crianças
Especiais (Cliama), Gianna Guiotti Testa acredita que o modelo ideal é a integração clínica-escola-família.
— Não adianta a gente ter a clínica de referência se ela não está
integrada à escola.
Gente, os professores precisam de ajuda! Eles precisam de um grupo de apoio — afirmou a médica.
Diagnóstico Precoce
Outro grande problema
para Tatiana Roque é a falta de uma estatística oficial sobre o número de autistas no Brasil. Estima-se,
segundo ela, que haja 2 milhões de
autistas no Brasil atualmente, número que cresceu muito nas últimas décadas. Para Gianna, o aumento do número de casos de autismo no país se deve também ao aumento da detecção da
doença, que, há 20 anos era praticamente nula.
— O autismo é uma síndrome que a gente consegue detectar até os 3
anos de idade. Se o diagnóstico é precoce,
a assistência tem que ser
precoce. A gente pode intervir para que a criança tenha
ganhos importantes para o seu desenvolvimento — afirmou Gianna.
Acesso à medicação
Gianna alertou para a
importância do acesso à medicação. Ela explicou que não há medicação para autismo, mas há alguns medicamentos que são
importantes para alguns sintomas. A médica relatou ainda que no último sábado uma mãe de um jovem autista ligou para ela
dizendo que a Secretaria só
liberaria o medicamento para
esquizofrenia.
— Isso também é muito importante: o acesso à medicação — afirmou.
Horário especial
Tatiana Roque
reclamou ainda do veto da presidente Dilma a um artigo da Lei Berenice Piana
que concedia horário especial sem compensação para servidores públicos com filhos autistas. Ela explicou que os pais de autistas são sobrecarregados devido à atenção e ao tratamento que devem dar aos
filhos.
— Tramita aqui no Senado um projeto de lei
de autoria do senador Romário, que prevê horário especial sem compensação
para servidor público com filho ou cônjuge com deficiência.
E eu gostaria de pedir a sensibilidade dos senadores para que essa proposta
seja aprovada o quanto antes porque ela vai ajudar muitas famílias que têm pessoas especiais — afirmou.
Agência
Senado (Reprodução
autorizada mediante citação da
Agência Senado)
http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2015/03/23/lei-esta-so-no-papel-reclamam-participantes-de-audiencia-sobre-autismo?utm_source=midias-sociais&utm_medium=midias-sociais&utm_campaign=midias-sociais
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