A Affinity
Therapy coloca de início o acento sobre uma escolha criativa do sujeito,
incitando-o a desenvolver sua paixão: os filmes de Walt Disney para Owen Suskind, que o
exprimiu longamente, as plantas carnívoras para Alan Ripaud, que testemunhou
sobre isso, Kirikou e a feiticeira e depois Minecraft para Théo, cuja mãe,
Valérie Gay, relatou seu percurso, etc.
Essa
terapia parte de uma decisão e de um saber do autista — e nisso, ela se opõe
aos métodos atualmente preconizados que colocam o acento sobre as incapacidades
a serem preenchidas com técnicas de aprendizagem.
Como a
paixão de um autista é sempre singular, a consequência é que essa terapia não
pode ser feita senão caso a caso. Ela tem que ser inventada com cada um. Nisso
ela se diferencia nitidamente dos métodos atuais preconizados como sendo válidos
para todos através de algumas adaptações mínimas.
Esses
dois princípios principais, a abordagem caso a caso e o apoio sobre uma
invenção do sujeito, convergem de maneira notável com a abordagem psicanalítica
que orienta o coletivo, daí o nosso entusiasmo em nos tornarmos parceiros de um
tal colóquio — o primeiro organizado numa Universidade sobre a Affinity
Therapy.
Por ocasião
deste, nós descobrimos uma terceira propriedade notável da Affinity Therapy.
Ali onde não esperávamos: em alguns blogs onde se expressou um ódio cego contra
o próprio campo do colóquio. Merece ser sublinhado que ninguém ali critica a
própria Affinity Therapy. No quadro
atual das disputas concernindo o autismo, é notável que esta seja uma unanimidade.
Cada um reconhece os méritos da Affinity Therapy ; a maioria chega
mesmo a dizer que já a pratica. O que é denunciado diria respeito à aproximação
que é feita entre Affinity Therapy e psicanálise. É verdade que esta
aproximação pode parecer totalmente opaca àqueles que escrevem nos blogs, já que
eles testemunham que sua concepção da psicanálise é aquela difundida por um
filme de propaganda que a caricaturiza. Sobre esta, ela se encontra no filme
artificialmente unificada pelos preconceitos da diretora, refletidos por sua
montagem, de modo que a diversidade das correntes que a atravessam é totalmente
desconhecida.
A Affinity
Therapy « não é nada de novo », dizem eles nos blogs, e a prova que isso
não tem nada a ver com a psicanálise é que a Affinity Therapy « nós
sempre a fizemos». Entretanto, aquela que eles acreditavam fazer não é aquela
que nós preconizamos. Ela não consiste em adaptar o método de aprendizagem
utilizando como reforço tal ou tal afinidade; ela implica a invenção de um
tratamento novo para cada um: com desenhos animados para um, com carrilhões
para o outro, com os trens para um terceiro, às vezes com um animal, etc. A Affinity
Therapy não é um planejamento
de percursos já balizados, ela é a criação de um percurso sob medida para cada
autista. No método «ABA», o mais advogado pelos detratores do colóquio, as
invenções da criança são apreendidas como « obsessões », que obstaculizam a
aprendizagem, elas são comparadas a comportamentos de adição, muitas vezes
tratadas como manipulações, elas devem claramente ser combatidas. Como é que os
apoiadores do método ABA teriam tratado a paixão de Owen pelos filmes de Walt
Disney ?
Por outro
lado, desde os anos 70, a « prática feita por vários », que representa o
cotidiano do trabalho de numerosas instituições orientadas pelo ensino de
Lacan, e que é colocada em prática por interventores de formações diversas
(psicólogos, educadores, professores das escolas, fonoaudiólogos,
psicomotricistas, artistas, etc.) tem como princípio principal o de se fazer
parceiro da criança, o que implica uma individualização radical do tratamento,
e o que situa sua fonte principal nas invenções da criança autista, ainda que
elas sejam mínimas. Ninguém por exemplo lhe ensinou a sacudir um barbante
diante de seus olhos, se ele o faz tão frequentemente é, supomos, porque esse
achado possui para ele uma função importante. Os autistas de alto nível
confirmam isto em seus escritos. Fazer-se parceiro da criança é o princípio que
orienta a prática do «Courtil» sobre o qual testemunha o filme de Mariana Otero
— A céu aberto — que foi projetado durante o Colóquio.
Em seus
fundamentos, os métodos psicodinâmicos (Affinity Therapy, psicanálise,
terapia pelo jogo…) se opõem radicalmente aos métodos de aprendizagem; os
primeiros visam construir o sujeito se apoiando sobre suas invenções, os
segundos buscam formatar os comportamentos tomando o saber do educador como
princípio motor.
Certamente,
desde então, a oposição se atenuou um pouco. As paixões do autista tomam um
lugar nas atividades de aprendizagem sendo utilizadas como reforçadores das
tarefas; por outro lado os psicanalistas introduzem em sua prática técnicas
iniciadas pelos cognitivistas, notadamente estruturando o espaço e o tempo. O
fosso se enche parcialmente, mas ainda é difícil de ser transposto.
É, no
entanto, incontestável que para além dos debates apaixonados, talvez até mesmo
graças a eles, se produz uma evolução e até mesmo alguns esboços de
convergências na abordagem atual do autismo, já que como conclusão do Colóquio
algumas afirmações de um dos especialistas principais da abordagem cognitivista
do autismo, o professor Laurent Mottron, pesquisador canadense, foram retomadas
palavra por palavra. Suas conclusões se fundam em pesquisas totalmente
estrangeiras à abordagem psicodinâmica, mas elas são apoiadas na experiência
dos autistas de alto nível.
« É uma anarquia, os
packages », ele afirma. Ele considera que para cada autista convém proceder a
um encaminhamento em função de suas capacidades especiais. Ele constata, como
tantos outros, que é a partir dos interesses específicos, o que chamamos de
afinidades, que se desenvolvem as competências cognitivas. « Quando se passa um
tempo enorme com alguma coisa, ele sublinha, passa-se menos tempo com
outra coisa. Isso foi considerado como uma espécie de falha do autista: falta
de generalização, capacidades inúteis, etc. De fato, ele insiste, é preciso
tomar isto como um fato: « é assim que funciona o autismo ». Ele advoga como
Ron Suskind, Dan Griffin e nós mesmos em favor de se apoiar sobre o interesse
específico a fim de desenvolver as capacidades. Ele incita dessa maneira a se respeitar
a alteridade do autista.
Convidamos a
tomar conhecimento dos desenvolvimentos que virão da Affinity Therapy e
dos métodos psicodinâmicos de tratamento do autismo consultando os seguintes
sites, o de Ron Suskind: « Lifeanimated.net », e o site universitário: «affinitytherapy.sciencesconf.org »
Coletivo dos
praticantes com autistas
— A prática institucional de
tratamento dos autistas orientada pelo ensino de Lacan não usa nem o packing,
nem a piscina terapêutica, nem a violência. Sobre esse último ponto, não se
pode dizer o mesmo do método ABA — contra o qual se insurgem vários autistas de
alto nível. A justiça acaba de confirmar que os maltratos — denunciados por Médiapart
no local oficial francês da ABA —, não são difamações (Dufau S. Autisme : Vinca
Rivière e a Associação « Pas à Pas » perdem seu processo contra Mediapart. http://goo.gl/cEbNig)
— Se o coletivo dos praticantes e dos organizadores do Colóquio
advogassem a favor de uma culpabilização dos pais, é pouco provável que cinco
associações de pais de crianças autistas, no entanto bem informados sobre as
querelas atuais, (uma delas é presidida por um professor de medicina), tivessem
intervindo no Colóquio, para relatar experiências comprovadoras da Affinity
Therapy e para preconizar uma aproximação plural do autismo não excluindo
os modelos psicodinâmicos.
— As raras referências à « mãe
crocodilo » feitas por Lacan não concernem de modo algum ao autismo. As teses
de Bettelheim relativas à implicação dos pais na etiologia do autismo nunca
foram unanimidade entre os psicanalistas: desde 1965, Tustin se opunha a isso
fortemente e ela não deixou de fazê-lo. Sua influência no que concerne à
abordagem psicanalítica do autismo não foi menor do que aquela de Bettelheim.
— Nós consideramos o autismo
como um funcionamento subjetivo específico e não como uma psicose. O professor
Jean-Claude Maleval explica o porquê em seus trabalhos.
— Não é evidente para todos
que a prática psicanalítica não utiliza a convulsoterapia (às vezes prescrita
pela psiquiatria), e não advoga a favor dos choques elétricos. Por outro lado,
a sra. Vinca Rivière, apoiadora do método ABA, vangloria as virtudes dessas
últimos; (Dufau S. Autismo: uma correspondência embaraçosa para um centro
sempre citado como exemplo, Médiapart, 3 de abril de 2012. www. mediapart.fr )
— Parece ainda necessário
precisar que a psicanálise não se confunde com a psiquiatria. Há meio século a
psiquiatria francesa tinha uma tendência predominantemente psicanalítica; hoje
as neurociências constituem sua referência privilegiada. A psicanálise leva ao
diálogo com o paciente: as neurociências levam a exames de seu sistema nervoso.
Observadores independentes sustentam que a perda da referência psicanalítica na
psiquiatria contribuiu enormemente para sua desumanização. (Coupechoux P. Um
mundo de loucos. Como nossa sociedade maltrata seus doentes mentais. Seuil.
Paris. 2006)
— « A » psicanálise não
existe: ela é atravessada por correntes diversas, estas, no que diz respeito ao
autismo, sustentam às vezes teses contraditórias. Isso também é verdade no que
diz respeito às diversas terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais
(todas não advogam a favor dos eletrochoques). Isso é ainda verdade para as
recomendações da Alta Autoridade de Saúde cujos preconizações científicas
entram às vezes em conflito com suas próprias recomendações éticas: ela incita a levar em conta « os gostos, os
ritmos, as capacidades » e mesmo « os desejos » próprios da criança autista! E,
no entanto, ela não desaconselha o método ABA!
— A Alta Autoridade de Saúde
(HAS) em 2012 recomenda,
para tratar das crianças autistas, ABA, TEACCH e Denver, não em nome de uma
ciência triunfal, mas na falta de algo melhor, já que ela constata ao mesmo
tempo que nenhum desses métodos é validado cientificamente (não é mais que uma
« pretensão de eficácia », ou um « frágil nível de prova »). A HAS observa que
todos esses métodos conhecem mais fracassos do que sucessos. Isso deveria
incitar à modéstia das preconizações.
— A HAS não recusou a
psicanálise e a psicoterapia institucional para o tratamento das crianças autistas:
ela não tomou partido. Essa é a diferença entre a qualificação « não consensual
», que lhes é dada, e a não recomendação. A se notar que associações que, em
nome da ciência, fazem a caça aos métodos não consensuais, ao mesmo tempo não
hesitam em sustentar formações em métodos não recomendados, tais como Makaton
ou PECS, sem o menor embaraço.
— A qualificação « não
consensual » concernindo à psicanálise e à psicoterapia institucional se
justifica pela ausência de estudos respondendo à metodologia da HAS (que recusa
aquela advogada pelos psicanalistas). Ora, um estudo recente do INSERM (2014),
favorável aos tratamentos psicodinâmicos, vem agora preencher essa lacuna:
Thurin J-M. Thurin M. Cohen D. Falissard B. Abordagens psicoterapeuticas do
autismo. Resultados preliminares a partir de 50 estudos intensivos de caso. Neuropsiquiatria
da infância e da adolescências 62 (2014) 102-118.
Seria apreciado que os
desacordos em relação ao que precede sejam expressos por argumentações fundamentadas
e não pelas calúnias habituais que de início buscam eliminar a troca.
Tradução: Cristina Drummond.
[1] Suskind, R, Life Animated : A story of Sidekicks, Heroes and Autism. Kingswell.
California. 2014.
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