terça-feira, 17 de setembro de 2013

3 Plano autismo - Carta aberta de Laurence VOLLIN - La main à l'oreille

3º plano autismo
Carta aberta de Laurence VOLLIN,
membro da associação La main à l’oreille,
à Sra. Carlotti,
ministra encarregada das relações sociais e da saúde,
à propósito do terceiro plano autismo

Sra. Ministra
Eu sou mãe de uma jovem de quinze anos. São diversas as suas manifestações da síndrome do autismo que dão origem a uma situação de dependência e de incapacidades severas.
Desde que ela bateu, pela primeira vez, sua cabeça contra o armário, aos 2 anos de idade, à aquisição de uma capacidade de comunicação com os outros que facilita seu bem-estar, nossa filha passou por fases de intensa violência (automutilação, defenestração).
Se hoje eu me permito lhe escrever é por causa da proposta do terceiro plano autismo que nos ameaça gravemente por contradizer tudo o que pudemos construir em nossa família e nas diferentes instituições que cuidaram de minha filha.
Ao longo de quinze anos, constatamos que não existia nenhum método que pudesse adaptá-la. Graças à benevolência dos educadores que asseguraram seus cuidados, nós exploramos, transpusemos, compusemos as diferentes ferramentas que tínhamos, favorecendo, assim, um dispositivo sob medida que permitiu que nossa filha evoluísse com uma relativa serenidade.
Nos períodos de grande dificuldade ligada a angústias instransponíveis, a  abordagem psicanalítica nos encorajou a adotar atitudes próprias a ela, a desenvolver outra linguagem, abrindo espaços sem constrangimento algum; não lhe impúnhamos nada. Permanecendo apenas na escuta do que ela nos propunha, esta postura favoreceu um apaziguamento importante. Em alguns momentos, ela se mostrava disponível aos procedimentos educativos que favoreciam a aquisição de alguns conteúdos que lhe auxiliavam em sua autonomia ligada a algumas demandas. São todas estas abordagens, métodos, a riqueza de uma escolha que nós desejamos as mais variados, que dinamizam nosso cotidiano.
Nada foi perfeitamente adquirido. A extrema complexidade e a diversidade dos sintomas autísticos ligados à singularidade de nossa filha fazem o que se aplica hoje, com alegria, e serão revistos em um mês, um ano, como saberemos? Nós precisamos estar à escuta do surgimento destas manifestações radicais, prontos para recolher o inesperado e o inacreditável. Cada passo, cada proposição de solução, cada chegada de uma nova maneira de fazer com seus sintomas é uma aposta, uma aposta de um encontro único que não pode ser medido.
A Senhora compreende facilmente que a rigidez de um método, o apoio de uma formação de educadores imposta sem alternativa nos levaria a um caminho sem saída colocando, imediatamente em risco o frágil equilíbrio de nossa filha e de nossa família.
Faz quinze anos que minha filha demonstra sua diferença. Meu trabalho psicanalítico me ajudou a aceitar, a me livrar deste desejo de normalidade que me sobrecarregava e me alegro com suas invenções, à escuta destas proposições. Este trabalho me permite liberar um espaço para criar, inventar, ajustar a minha posição de mãe, mãe de minha filha autista, mas também de seu irmão e de sua irmã. Posição de uma mulher em parte inteira, que me dá hoje esta disponibilidade de me dirigir à Sra.
Eu não reivindico um método, uma abordagem, e sim a liberdade de escolher o que mais convém à minha filha.

23 mai 2013
Laurence Vollin é autora do Quando a deficiência se mistura. Diário de uma vida deslocada (L’Harmattan, 2010) (cf. LQ n°203).


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Abertura ao singular. Por Silvia Sato.

Abertura ao singular

Silvia Sato[1]

            A experiência de supervisão numa Ama em Ribeirão Preto, cidade do interior de SP, tem me possibilitado construir um saber na Clínica do Autismo. Começo pela abertura da Instituição, através de alguns de seus profissionais, que demandaram supervisão com um desejo claro de saber sobre o fazer no dia-a-dia com seus alunos. A cada supervisão um encontro com o silencio ou barulho de cada autista através do que é contado pelos profissionais, onde se pode extrair de seus atos algo de seu gozo solitário.
            A abertura para a surpresa e a disponibilidade para o inesperado do lado dos profissionais, abre gradativamente para a escuta e leitura de um modo singular do aluno se colocar na relação com o outro na instituição. De modo diferente em cada profissional, seja psicopedagoga, diretora, psicóloga, educador, terapeuta ocupacional, assistente social, algumas situações vão sendo descobertas como presença de um ser que se satisfaz de maneira ímpar.
            No esconder atrás de uma vassoura quando brinca de esconde- esconde; no sorriso que diz bom dia, enquanto outro profissional por não ler em seu rosto, demanda e afirma que ele não deu bom dia; no aperto forte da mão do professor nos momentos em que não quer ir embora da Ama e que se surpreende com o aperto que o profissional dá de volta, fazendo- o soltar e ir; na introdução dos dinossauros na história coletiva que fala sobre a chapeuzinho vermelho; na atenção ao objeto autístico que um aluno carrega consigo em seu tempo na instituição como meio de apaziguar sua angústia. Entendo que é no "espaço de um lapso" que algo da criação do autista pode ser recolhido como algo que diga da forma como vai poder estar no mundo.
            O que encontro nessa instituição são crianças, adolescentes e adultos autistas ou não, que convivem numa rotina coletiva, que permite o espaço do um a um. O que escuto nas supervisões me fez supor que são "Autistas educados", já que experimentam um convívio nessa clínica- escola que se contrapõe ao isolamento que encontrávamos em tempos passados. Autistas que sofreram o efeito de estar no coletivo, diante sim de algumas demandas, mas ao mesmo tempo diante de um espaço que tenta permitir a distância necessária a cada um.
            Acolhidos por alguns profissionais que buscam rever seus conceitos e que sustentam uma prática atravessados pela psicanálise, que prezam pelo modo como cada um inventa seu estar no mundo, não sem considerar o laço social, mas sem estar fixado no ideal de educação ou de saúde mental. Apresentando uma disponibilidade para o novo e uma reconstrução do que é o autismo e do fazer com cada um.
            Entre uma prática pré- estabelecida e com uma orientação precisa, mas que exclui o falasser em seu modo singular de satisfação, e com a inclusão da psicanálise como orientador de uma prática, percebe- se uma tentativa de incluir algo desse vivo e inventivo que é a apropriação de um autista em seu mundo. Assim, acompanho profissionais que se agradam em localizar nas referências lacanianas, possibilidades de construir algum saber que favoreça um fazer que não apague o sujeito, o falasser. Prática que indica um certo desapego ao diagnostico pois o acento se encontra na construção do que fazer com o autista, incluindo- o na rotina da Ama, mas ao mesmo tempo, sem excluí-lo da possibilidade de inventar como se inserir nessa rotina...
            A escolha por oferecer a possibilidade de escolha por parte do autista, parece se sustentar numa escuta que considera além da fala o ato e que ao manter uma distância dentro do convívio, acolhe a defesa de cada um ao se manter afastado dentro do que é a sua medida. Como escutei num relato onde uma menina autista afirma: "Faço parte da escola, mas não faço parte do grupo"
            Acolher a distância necessária a cada um e a forma de inserção possível a cada um considera que assim como as mulheres, o autista não faz grupo, mas sim nos apresenta o ápice do um a um. Assim, penso a clinica do autismo como o ápice da singularidade, onde o laço possível com o Outro e o uso da linguagem permite numa apropriação singular um colocar- se no mundo a seu modo, com seu gozo que dificulta o laço social e com o qual se pode inventar ou talvez no caso do autismo caiba melhor dizer, criar uma maneira de fazer.
            Essa experiência tem me feito pensar que a psicanálise nos coloca a questão de como o autista pode se colocar menos defendido no mundo, na medida em que com o outro vai criando um "menos no real"[2]




[1] Psicanalista, membro da EBP/AMP, supervisora da AMA-RP
[2] Barros, MRCR: A questão do autismo, in Autismo(s) e atualidade: uma leitura lacaniana, EBP, Scriptum Livros, BH, 2012.