Investigación y Docencia en Autismo y Psicosis Infantil
Marita Manzotti (EOL/AMP) é
Presidente do Hacer Lugar – Fundación para la Asistencia,
Investigación y Docencia en Autismo y Psicosis Infantil (Buenos Aires, Argentina). Em entrevista com
Ana Martha Maia (EBP/AMP), ela conta a proposta deste belíssimo trabalho e nos
apresenta a proposta do “dispositivo suporte” na direção dos tratamentos com o
sujeito autista.
1- "Clínica del
autismo - el dispositivo soporte" é um testemunho do trabalho que tem
sido realizado pelo Hacer Lugar - Fundação para Assistência,
Investigação e Docência do Autismo e Psicose Infantil, desde 1992. Gostaria que
você apresentasse para nosso Blog o que é o Hacer Lugar, desde a
escolha deste nome para esta instituição que você dirige.
2- Na clínica ou na vida
cotidiana, em determinados momentos, o sujeito autista apresenta comportamentos
que são considerados como estranhos, inadequados e surpreendentes. O terceiro
capítulo do livro é intitulado "Clínica del detalle". Como o
efeito surpresa é tomado nesta proposta clínica do Hacer Lugar, tendo
em vista a posição e a técnica das propostas científicas?
3- Com
relação à loucura na infância, como foi elaborado o "dispositivo soporte"?
Que oferta é sustentada, na proposta deste dispositivo, para a
criança/adolescente autista, para os pais, para os espaços possíveis em que ela
estabeleça laços e para a própria instituição, o Hacer Lugar?
Autismo Infantil. Hacer Lugar
No
começo não está a origem, está o lugar. Este que serve para se orientar na
medida em que permite dispor e ter uma ideia de como está construído o suporte,
sobre o qual se inscreve o que está em jogo.
Lacan
nos diz que o lugar tem um sentindo muito diferente do lugar da topologia, e
que se trata simplesmente do lugar ao qual se chegou. “Ocupa-se o lugar a que
um ato nos empurra, e desde esse lugar se vai à direita ou à esquerda, até aqui
ou até lá”. Há circunstâncias nas quais é preciso tomar as rédeas de alguma
coisa, e essa posição, Lacan nos adverte, se consegue aos empurrões.
Fazer
“Lugar” tem sido marcado por este suporte significante desde sua criação, há
mais de vinte anos, quando foi fundado em Buenos Aires com o objetivo de levar
adiante um trabalho de investigação clínica com
crianças com Patologias graves
na subjetivação (PGS),
que permitisse verificar
a eficácia da psicanálise com eles.
Da orientação: uma leitura
Desde
o início, as leituras de Freud e Lacan foram a bússola que nos permitiu deixar
do lado a leituras das deficiências, as falhas, o “que não há” ou “não fazem”
estas crianças, para nos deixar tomar pela operatória, a produção que eles
levam adiante para habitar o mundo. Esta direção se constituiu na via oposta do
que, na atualidade, se reconhece com o nome de Trastorno Autista, Transtorno
Generalizado do Desenvolvimento (TGD) e,
na ultimíssima versão, Espectro Autista, e cujos indicadores
diagnósticos são a ausência ou as
alterações das conquistas no desenvolvimento previstas
para cada idade.
O que nos possibilitou pensar o autismo no
sentido inverso foi o peso que Freud dá ao trabalho psíquico, à atividade
psíquica. Freud considera que as perturbações, alterações, exigências que se
apresentam ao aparelho psíquico da criança, impõem uma atividade, um trabalho
em sua apropriação do mundo, dos objetos e de seu corpo ao diferenciar o mundo
da realidade do mundo da satisfação alucinatória. E ele precisa que é trabalho
o que permite à criança tolerar a frustração, discriminando e articulando o
valor do que afirma e do que existe para ele. O que nos impediria de ler como
trabalho o que as crianças autistas realizam? Crianças que, sem déficit
orgânico, possuem olhos que não olham, ouvidos que não escutam e corpos
desabitados de prazer e dor. Então: Que consequências teria esta leitura? Em oposição às típicas noções de “desconexão autista”,
“desinteresse”, “isolamento”, “crianças encapsuladas ou trancadas em uma fortaleza
vazia”, a orientação freudiana nos levava a resistir a essa descrição
generalizada da apresentação dessas crianças e nos interrogar sobre como não
cair nesse caminho tão pouco preciso e confuso.
Para isso foi preciso, então,
deixar de utilizar o modelo que o Diagnóstico Psiquiátrico (DSM ou CIE) propõe
e construir uma caracterização, uma descrição, que nos orientasse desde o
geral, no reconhecimento dos traços próprios da posição dessas crianças, sem
anular o recurso, o trabalho e a presença.
Foi assim que pudemos, a partir de
observações muito precisas, isolar cinco características presentes:
a) Um esforço por manter o Outro à margem:
sua disposição é variável, pode rejeitar ou consentir aos requerimentos que são
feitos sem que nos resultem compreensíveis os motivos, mas se apoia numa clara
decisão de não consentimento à implicação
b) Não é indiferente à presença do
outro: são distinguíveis seus comportamentos segundo o observemos ou
intervenhamos de maneira manifesta ou discreta
c) Está alojado na linguagem:
compreende nosso código ainda que não se disponha a fazê-lo seu, deixando-nos à
espera das manifestações que singularizem sua presença no dito
d) Não está disposto a ser requerido:
se insistimos ou forçamos se isolam ou desencadeiam ataques de violência e
mortificação contra si mesmo ou os outros
e) Trabalha decididamente para
conseguir contornar o encontro com o Outro: sabe fazer com esse corpo que porta
na direção do desencontro. Há cálculo e antecipação em suas respostas, que lhe
permitem evitar o confronto com a implicação, e, para isso, articula manobras
que desorientam e nos dividem
Pensar a oferta terapêutica
implicava, necessariamente, articular a localização do sujeito a quem
realizá-la e sustentar a lógica do caso que permitisse traçar os cálculos, as manobras
e as estratégias que permitirão dirigir a cura e sistematizar a experiência.
Acho necessário, neste ponto,
insistir na divergência radical existente entre o modus operandi das terapias
cognitivo-comportamentais e a psicanálise, pois, enquanto as primeiras tentam
realizar um formato cultural da mente e uma aprendizagem automática de
condutas, a direção da cura para o praticante de psicanálise se desenrola numa
dimensão de resposta do real.
A oferta que viemos sustentando no Hacer
Lugar é de implicação ao trabalho psíquico, ao consentimento, à tolerância ao
encontro. Um trabalho apoiado numa direção de localização da modalidade própria
de cada criança de habitar seu corpo, o mundo e a linguagem, ou seja, um
trabalho que não descarta a inespecificidade do sujeito, senão que
fundamentalmente a aloja.
Os Obstáculos
Para quem?
Para
quem oferecer o trabalho psíquico? Como realizar a oferta se ninguém demanda?
Miller
localizava no seu texto: Produzir ao sujeito? A posição de resistência a consentir
a falta em ser à maneira – diz – do Bartleby de Melville, que diz “preferiria
não fazê-lo”, ou no modo da criança de Diderot que recusa dizer a pela simples razão de que, depois,
será obrigado a dizer b; introduz o sério do assunto, enquanto a falta em ser
que entranha na linguagem implica um fato de gozo.
A maleabilidade da posição que encarna o psicanalista deveria
possibilitar, não deixar de fora, a particular modalidade que tem cada criança
de se sustentar desentendido dos encontros com o Outro, nessa particular
posição em que, Lacan sustenta com precisão, há um ponto de insondável decisão
do ser em jogo.
Esta insondável decisão do ser, introduzida por Lacan no texto Sobre a
causalidade psíquica, introduz a dimensão da causa, a etiologia desde uma
perspectiva absolutamente diferente das que atualmente a ciência descreve no
autismo. Nos confrontamos com que a incalculável decisão põe em jogo a
particularidade que apresentam no seu modo de lidar com ela, com o que chamamos
o “desentendimento do trauma de lalangue”.
Assim como os neuróticos se sustentam afirmando sua crença em ser um eu,
com um nome que os nomeia, na medida em que desconhecem sua relação com o gozo,
o que essas crianças sustentam é a abstenção de tomar partido pela afirmação,
permanecendo na indeterminação, evitando o confronto com a resposta frente a escolha
de “a bolsa ou a vida”, e suportam a difícil e reiterada reprodução do mesmo: contornar
os efeitos do trauma de lalangue. Esta posição tão original, sem ceder, tem
consequências no corpo, na linguagem e em relação
ao Outro. Em suas
infinitas manobras, desconcerta
pela ausência de cumplicidade com o Outro, o corpo não é afetado e a
linguagem não articula um valor de enunciação.
A partir dessa caracterização, tento evidenciar, novamente, o valor que
a psicanálise e sua prática cobram na abordagem clínica dessas crianças, na medida
em que colocam em jogo o valor do semblante na posição do analista, por uma
parte, e o de sustentar o buraco enquanto causa.
Foi, então, de fundamental
importância gerar as condições que favoreceram, na prática, dita
presença, obstaculizando a posição do amo (em suas vertentes
pedagógicas ou maternas), e
delineando a relevância
de sustentar a clínica em um trabalho de descompletar os praticantes.
O Como
A condição humana supõe,
infalivelmente, a dimensão do vazio. Algo se perde da completude e regularidade
próprias da natureza, e é o trauma de lalangue sobre o corpo, sua incidência,
do que tenta se abster a criança com transtornos precoces na subjetivação (a
chamada criança autista).
Essa falta de consentimento o deixa
coagulado em uma reiteração infinita do mesmo, sua solução é repetir, voltar a
responder sempre a mesma coisa, ficando assim marginalizado de qualquer laço.
“O mais que um”
Os
praticantes, “sempre mais
que um” a partir de uma
posição analisante, sustentam
a produção de
cada criança articulando
manobras de encontro, transformação no
oposto ou volta
contra si mesmo,
seguindo a via pulsional das crianças, evitando tampar,
com a ordem do sentido, o mal-estar que o sem sentido da produção deles gera.
Manter a disponibilidade do “desejo
bem concedido, para evitar o risco de pôr em jogo um quantum de angústia que
não seria oportuno, nem bem-vindo”,
é fundamental para Lacan, conforme
indicado no Seminário A Transferência, para acalmar a
emergência de angústia que o tratamento do real sem véu produz nos neuróticos.
“O dispositivo-suporte”
Tratando de colocar a prova a
aplicação possível da psicanálise, foi que tivemos que desenhar um dispositivo
que permitisse cumprir a dupla função de um topos (um espaço com alguma ordem
que possibilite que as coisas encontrem a maneira de cumprir sua função), por
uma parte, e de suporte (mecanismo disposto a manter
um eixo em
movimento), que não
travasse nem fosse obstáculo para
o singular trabalho que realizam essas crianças.
Um dispositivo que não só dê aval e
respeite a criança e sua escolha, senão que, também, permita que continue desdobrando
sua própria produção, ao mesmo tempo que possa habilitar uma oferta calculada
de implicação ao trabalho, ao consentimento, por uma via diferente do
forçamento, da modulação para aquilo que é esperado.
· Não é um Hospital Dia, nem um
Centro Educativo Terapêutico
· Todos os praticantes são
analisantes
· As inter-consultas e intervenções
de outros profissionais são feitas
fora da instituição.
Não há oficinas,
nem atividades propostas
· A frequência do trabalho de cada
criança está determinada em função da estratégia de trabalho traçada pela
equipe e em função da tolerância a dito
trabalho, mas não
excede três horas semanais
· Sempre há “mais que um” (praticante)
no trabalho com a criança
· Os
pais podem falar
quando quiserem, mas
são periodicamente chamados para
que sejam comunicados das hipóteses que conduzirão o trabalho. Podem participar
das sessões
· Este mesmo
critério se mantém
em relação aos
outros profissionais ou professores que possuem algum espaço de
trabalho, sejam os derivados por nós
ou os que a
criança já tinha quando chegou ao dispositivo
· Todos os terapeutas participam do
desenho das hipóteses que regerão a estratégia do trabalho com cada criança, ou
seja, todos estão informados sobre a direção da cura
· Se produz caso a caso uma
sistematização conceitual da estratégia que dirige o trabalho, articulado à
localização subjetiva em um detalhe
que sustenta a modalidade
própria de cada criança. Se realiza uma nomeação, de
dito detalhe que habita a espera antecipada dos praticantes. A partir da mesma,
registra-se se há verificação clínica dos efeitos produzidos a partir disso
· O dispositivo mantém a lógica do
Acerto de certeza antecipada:
Instante de
ver,
Tempo de
compreender e
Momento de
concluir.
A investigação clínica e a
formalização teórica nos permitiu estabelecer como direção, a partir da
implementação do dispositivo-suporte,
alojar o inesperado, enquanto cálculo que produz antecipadamente um lugar de
espera para a produção do acontecimento: encontro surpreendente que alcança
pegar desprevenida a criança em seu próprio cálculo de eludir ao Outro.
Trata-se de uma criança
de poucos anos
que apresentava sérias
dificuldades desde pequeno, e
limitava sua produção à repetição de certos percursos, que caracterizamos:
· no corpo (pulando e
correndo, de maneira torpe, deformando
a mandíbula, gesticulando risadas
ou choro, batendo em si mesmo com diferentes objetos),
· no olhar (esquivo e em permanente desvio, até ficando vesgo),
· na voz (repetindo frases com ecos, mudando os tons das mesmas frases,
reproduzindo canções, desapegado do sentido),
· com os objetos (usando-os apenas como caixa acústica para aproximá-los do
ouvido e alterar os ritmos producidos) e
· com os outros (ignorando-os, salvo se lhe davam ordens ou imperativos com
tons de voz forte, e então respondia corporalmente).
A que nos confronta uma criança com
esta apresentação, quando da cura psicanalítica se trata?
Seguindo o que Jacques Lacan
ressalta “algo na criança autista se ‘congela’, que se, por um lado, é
tentativa de uma operação de auto-defesa de tudo o que é do registro do Outro,
por outro lado, com sua pantomima, já é uma tentativa de uma operação de
autoconstrução”; podemos dizer que nos confrontamos, em princípio, com questões
fundamentais para investigar na relação entre o efeito terapêutico e seu
mais além: a função da corporização e a dialética do sujeito e o Outro.
Desde esta
posição, que se
diferencia radicalmente da
tão estendida “terapêutica
cognitivo comportamental” (adestramento de condutas), é que nos vemos
conduzidos a manter, a partir prática da psicanálise, dispositivos de
investigação clínica que permitam fazer lugar à produção de cada criança. Dispositivos
que alojem seu saber para poder captar o detalhe (a ser lido) que faz signo da
singularidade em jogo.
Localizar e
nomear o modo
único que cada criança
mantém no seu tratamento do corpo, do gozo e do Outro,
sua “autoconstrução”, habilita a via da intervenção. Essa intervenção opera um
vazio que aponta ao real na surpresa e dá lugar à novas respostas, à invenções
que habilitam novas formas de ser ali.
“O desviador” foi a
nomeação que permitiu a intervenção no caso dessa criança. Esse traço
próprio de Juan, enquanto hipótese, permitiu uma espera antecipada regida pela
introdução de desvios. Operar com seu modo de solução, manter
seus rodeios, foi a via
que os diversos
participantes utilizaram no dispositivo.
Desviar o percurso de mensagens
verbais, objetos e olhares, produziu uma parada em seus percursos, ficou
olhando o que acontecia e no ato começou a intervir com o corpo e as palavras,
organizando o destino do desviado.
O efeito de surpresa já implica um
encontro com algo não calculado, que perturba a estratégia defensiva no mesmo
território em que surge.
No ato, Juan consentiu ao trabalho
diante do imprevisto, do não calculado, do que escapa às suas previsões. Na
surpresa, surgiu um código comum.
Diante de um obstáculo suportável,
a invenção ficará novamente do seu lado. A intervenção analítica em si mesma
pode produzir um encontro tal que funde este acontecimento, o que autoriza a
conceber o analista e sua posição, situada
no lugar do
trauma, enquanto que
sua intervenção “sirva”
à afetação corporal, que implica certo consentimento ao lugar do Outro,
e uma nova resposta frente ao gozo que não seja o estrago da irrupção massiva
no corpo. Inclusive ali onde a criança terá que sustentar a decisão que tomou
de entrada.
Marita Manzotti
Tradução: Ishtar Rincon
Revisão: Anna Carolina Nogueira
Tradução: Ishtar Rincon
Revisão: Anna Carolina Nogueira
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