Por Bruna Brito
No encontro de Julho do Seminário por conta e risco “Autismo e Psicose Infantil- da clínica à política, e retorno”, coordenado por Ana Martha Maia, recebemos a convidada Samyra Assad (EBP/AMP), coordenadora das Lições Introdutórias no Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais e Diretora da Clínica d’ISS em Belo Horizonte/Minas Gerais. Samyra nos apresenta um caso de um sujeito esquizofrênico, comentado por Jacques-Alain Miller em seu texto “A invenção psicótica”[i], além de apresentado por quatro vezes em eventos da EBP, com tradução em outras línguas[ii].
Mas, o que nos ensina um caso, apresentado há quase 20 anos atrás? Samyra nos coloca esta questão de partida. Sem dar resposta a esta instigante pergunta, provoca-nos ao afirmar que se trata do “bem dizer da psicose” e, junto com ele, o paradigma clínico da esquizofrenia. É um paradigma a respeito do “não ser dono de seu corpo”, nos lembra. Trata-se do corpo como parceiro como algo elementar nesta clínica. E a invenção vem então como a possibilidade de se ligar a esse corpo.
“Sou uma central telefônica sem telefone”, diz o sujeito a sua analista. Com esta fala, ele afirma a possibilidade de receber a mensagem ao mesmo tempo em que denuncia a impossibilidade de transmiti-la. Mas, sabe “bem-dizer” desta sua condição. Esse bem-dizer tem seu lugar na analise que ele a procura, como ele mesmo diz “por necessidade”. Aqui retomamos a indicação de Samyra: “o psicótico conduz o tratamento”. É ele quem diz o que pode dizer ou não, até onde se pode caminhar ou não. Cabe ao analista seguir , e sobretudo respeitar, tais pistas.
Ser a “central telefônica sem telefone” é uma das invenções dentre tantas outras que este sujeito constrói em tratamento. Uma delas diz respeito a encher o quarto, que ele habita, com diversos eletrodomésticos, restando apenas um pequeno espaço para dormir no chão. É esta invenção que possibilita o sujeito condensar o seu gozo fora do corpo, inventando um modo de estabilização.
É nesta postura ética frente ao bem-dizer da psicose na experiência analítica que as palavras vão adquirindo a possibilidade de mensagem. A função do endereçamento ao analista, insiste Samyra, é uma das mais importantes na clinica das psicoses. E este lugar de endereçamento, só é possível ocupa-lo a partir da postura de não saber, essencial para o analista na clinica das psicoses, na qual o sujeito suposto saber não tem função.
O que tem de atual neste caso? Responderei esta questão a partir do encontro com o texto de Miller sobre a invenção que me conduz ao relato do caso de Samyra[iii]. Há alguns anos, deparo-me com este caso para auxiliar em uma pesquisa sobre a transferência na psicose. Porém, frente à aposta da analista nas invenções, percebo que este caso extrapola o âmbito da mera busca de saber. Seus relatos deste caso, assim como os comentários de Miller, auxiliam-me, de forma fundamental, na prática como supervisora em um estágio de saúde mental. Frente aos impasses da prática da supervisão, o texto de Samyra me auxilia a apostar nas invenções em casos de psicose.
Retomar a leitura de “A central telefônica sem telefone”, a partir deste recente relato, confirma novamente a sua riqueza clinica e o quanto este caso ainda nos ensina. Em um momento em que a EBP-Rio nos convida ao retorno do estudo da psicose ordinária, tema do encontro da AMP em 2018, debruçar sobre este caso, mais uma vez, nos elucida e nos provoca no fazer clínico e o que se inventa em casa analise. Samyra Assad nos dá testemunho do bem-dizer da psicose, mas também da postura ética em uma transmissão comprometida com a orientação lacaniana.
[i] MILLER, J.-A. A invenção Psicotica. São Paulo: Opção Lacaniana, 36, Maio/2003, p. 6-16.
[ii] ASSAD, S. La logique des coulisses. Paris : L’essai – Revue Clinique Annuelle, n. 3, 2000, p. 53-57.
[iii] ASSAD, S. Central telefônica sem telefone., n. 11, Belo Horizonte: Revista Curinga, 1998, p. 102-107.
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