terça-feira, 26 de junho de 2018

O PROJETO DE EXPOSIÇÃO DO MUNDO NO SINGULAR

Boa tarde a todos.

Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer à organização do Congresso pela oportunidade de estar aqui e poder mostrar este projeto de exposição.

O mundo no singular nasceu em 2015 oriundo de TEAdir Aragão, uma entidade de caráter social que trabalha para melhorar a vida de pessoas diagnosticadas como TEA (Transtorno do Espectro Autista). Seu objetivo é trazer a público, de forma digna, o talento merecido de três jovens autistas: a francesa Lucile Notin-Bourdeau, os espanhóis de Zaragoza Martin Giménez e o de Granada, Carlos David Illescas Vacas.

A exposição pretendia ressaltar as capacidades destes jovens e, com isso, fazer desaparecer estereótipos muito comuns a respeito do autismo e dos autistas, como, por exemplo,o suposto isolamento em que vivem ou a incapacidade de se expressarem e de se comunicarem. Ideias e qualificativos que estigmatizam e dificultam a inclusão destas pessoas na sociedade. Suas obras evidenciam o descabido destas generalizações. Os desenhos de Lucile capturam sentimentos de uma forma delicada e poética, Martin retrata seus companheiros e a si mesmo exteriorizando seu gosto e suas crenças. Ambos trazem pessoas como protagonistas de suas criações. Por outro lado, Carlos concebe paisagens que evocam o entusiasmo pelo esporte olímpico, mundo com o qual ele gosta de se relacionar. Frente a tudo isso, nós poderíamos dizer que eles vivem fechados em si mesmos, sem interesse de se socializarem?

Nós estamos reivindicando, nestas Jornadas, que muitas pessoas com deficiência intelectual possam mostrar seu talento para as artes, lugares nos quais encontram vias de expressão e comunicação, que são um meio mais acessível e satisfatório que através da linguagem oral.

Estas pessoas criam de forma espontânea e intuitiva no terreno das artes plásticas, sem um plano ou um discurso preconcebido. Suas produções podem se inscrever naquilo que se chama Arte Bruta, Arte Marginal ou Art Outsider. Não possuem um discurso prévio, estão à margem dos modismos, das opiniões da crítica, do valor econômico e de mercado que possam ter, de tal forma que toda ênfase está posta no ato criativo em si. Por isso, certos estudiosos consideram essas obras como a verdadeira Arte. De fato, seus autores, em geral, não se dedicam mais às suas obras depois de as haverem terminado. Os artistas outsider trabalham de forma incansável, fora dos critérios estéticos convencionais, para colocar em ordem a realidade, para construir seu próprio conhecimento ou para mostrar mundos interiores.

Além de apelar para que se possam eliminar as etiquetas que limitam e estigmatizam, queríamos reivindicar, com esta exposição, a arte como linguagem universal e como um instrumento magnífico para gerar encontros. Com esta ideia nós os convidamos para participar da Escola de Arte de Zaragoza e vários de seus alunos realizaram obras inspiradas nas de Lucile, Martín e Carlos, transformando a mostra em um espaço de encontro e de reflexão em torno da arte e dos processos criativos. Nossa intenção ao entrar em contato com instituições como a Escola de Arte, era a de abrir portas e colocar em contato jovens com distintas capacidades, mas com uma inquietação similar. Um encontro que resultou, como se viu, benéfico em ambas as direções.

Temos que levar em conta que boa parte dos jovens autistas não pode aceder, uma vez terminada o ciclo da ESO, a ensinamentos artísticos, que são dados no bacharelado ou na formação profissional do segundo grau.

O mundo no singular. I Encontro Internacional de Jovens artistas com autismo foi apresentada em 6 de maio de 2015, no Centro Joaquín Roncal, de Zaragoza, onde ficou até dia 30 do mesmo mês, período em que aconteceram encontros, debates e atos culturais relacionados à arte e ao autismo, entre eles, a apresentação de documentários e de um livro. Na inauguração se apresentou também um catálogo de desenhos.

A partir de sua boa recepção em Zaragoza, a exposição percorreu muitos lugares entre 24 de outubro e 30 de novembro do mesmo ano de 2015, ocupou o Espaço Arte de Huesca, durante a Fes-Masp – Festival de Arte e Saúde Mental, dos Pireneus. No período de 02 a 16 abril de 2016 esteve no Liceo Michelangelo Guggenhein, de Veneza. Em 18 a 31 de maio no Edifício Bizkaia Aretoa da Universidade do País Basco de Bilbao. De 03 a 10 de setembro, no HELHA Commun, da cidade de Tournai, na Bélgica. De 19 a 21 de março, na Maison des Associacions, de Lille. De 24 de maio a 23 junho, no Ayuntamiento de Lille, na França. De 17 a 29 de junho, no Centro Bruegel e de 01 a 02 de julho, no PIPOL 8, em Bruxelas, na Bélgica. Em fevereiro deste ano, 2018, ficou na Bastia y Ajaccio, duas cidades da Córcega.

Este projeto de exposições tem uma particularidade: desde a sua chegada em Veneza, O mundo singular foi incluindo peças de outros jovens diagnosticados de autismo.

TEAdir Aragon coordena estes percursos itinerantes com a colaboração das associações e instituições afins como TEAdir Euskadi, La MaO (associacions La Main á l”Oreille”.) Associacions Funanbules Lille e Centre Therapeutique y de Recherche de Nonette, na França. Ainda, Fondazione Martin Egge Onlus, na Itália, Centre Le Courtil y Antenne 110, na Bélgica. Estas instituições selecionaram seus artistas e obras que foram se juntando, tendo editado catálogos em italiano e em francês.

Há alguns meses, se pode visitar a exposição via internet. Na forma de museu virtual, o catálogo em rede permite dar visibilidade a um projeto singular que tomou uma dimensão inesperada, dando a conhecer mais de 40 artistas e suas obras excepcionais. Um projeto que continua aberto e crescendo, e já temos datas para a próxima exposição. As obras viajarão para o Espaço Saint Rémi, de Burdeos, em setembro, onde incorporará novas peças.

Aqui, vocês podem ter amostras das obras que foram sendo incluídas na exposição.

Como organizadores, estamos orgulhosos de que esta proposta de exposição tenha conseguido expandir a partir de seu objetivo inicial, conseguindo um alcance internacional e um âmbito de colaboração entre profissionais e associações de famílias vinculadas ao autismo. Esta colaboração nos levou a outros encontros, como o Seminário Europeu de Boas Práticas com o Autismo, organizado na cidade de Zaragoza, em setembro de 2017, por TEAdir-Aragón, pelo Espacio Torreón e pelo Centro Infantil Patinete, juntos com a Fundação de Atenção Precoce, onde o projeto expositivo O Mundo no Singular contou com todo um aparato especial.

A mostra deu origem, por sua vez, a outros projetos, entre eles, ANDAR DE NONES, um atelier de artes plásticas dirigido a jovens com déficit intelectual,desde 2016, incentivado também por TEAdir-Aragón. Este projeto que vem sendo desenvolvido em Harinera ZGZ, em um espaço público municipal, pensado para a criação e gerido de maneira colaborativa, onde estes jovens se relacionam de igual para igual com outros artistas. A metodologia de trabalho está centrada em ateliers de artes plásticas de caráter aberto dirigido a pequenos grupos de 5\6 pessoas cuja duração é de duas horas. Em 2016, se iniciou com um grupo às quintas-feiras e, atualmente, há outro grupo, às segundas-feiras. Cada grupo é apoiado por um artista que facilita a prática e por outras duas pessoas vinculadas ao projeto desde seu inicio. Uma destas pessoas é licenciada em História da Arte e a outra, além de ser coordenadora do grupo, se encarrega do acompanhamento dos familiares dos jovens que frequentam os ateliers.

O projeto de ANDAR DE NONES se diferencia de outros ateliers de arte que se distribuem entre as instituições vinculadas à deficiência intelectual com uma finalidade terapêutica ou ocupacional. Nossa proposta é a de conceber um âmbito em que estas pessoas possam desenvolver todo seu potencial criativo de forma aberta e livre, apoiados por outros artistas ou “facilitadores” com quem compartilham inquietudes e linguagens.

Existem, na America e na Europa, vários Centros e ateliers que nos serviram de modelo e que trabalham de forma similar: O CGAC (Creative Growth Arte Center), da Califórnia, o Centro Herenplaats, em Roterdam ou o Créahm (Créativité et Handicap Mental), de Lieje (Bélgica) que, há décadas, oferecem um marco idôneo para que as pessoas com diferentes deficiências intelectuais possam desenvolver seu potencial criativo no terreno das artes. Na Espanha, trabalham com os mesmos parâmetros na associação Debajo Del Sombrero, situada em Madrid.

Aqui, mostramos algumas das imagens feitas nos ateliers de pintura que acontecem, normalmente, com o apoio de Gejo, um artista de Zaragoza de renome, e de outros ateliers que vamos organizando, que trabalham com outras técnicas como a escultura, a gravação, a colagem ou artes gráficas, com a colaboração de outros artistas.

Realizaram-se diferentes exposições com estas obras nos ateliers, em espaços como no Centro Social Libreria La Pantera Rossa ou a Cicleria, em exposição atualmente, aqui mostro alguns dos cartéis das mesmas.

Nestes dois anos, temos celebrado o dia do autismo, em Harinera ZGZ, com uma festa ímpar, com música e ateliers abertos ao público, sejam eles crianças ou mais velhos, assim como outros atos em colaboração com outros coletivos como Pares Sueltos, no pátio do Centro de Historias de Zaragoza, onde se realizou um grande mural.

Uma mostra o fazer artístico de ANDAR DE NONES pode ser vista também aqui no hall deste edifício, numa das exposições organizadas no âmbito Líneas Paralelas Del festival Diversario.

Vocês podem conhecer mais sobre o projeto do Facebook, Instagram, em Andar de Nones.wordpress.com



Tradução: Rachel Amin

Revisão: Bartyra Ribeiro de Castro

A especificidade do Autismos - o que a clínica nos ensina


quinta-feira, 21 de junho de 2018

UM DIA DEDICADO AO AUTISMO NA EBP- SEÇÃO PE

No Recife, Seção Pernambuco da Escola Brasileira de Psicanálise, o dia 16 de junho foi um dia dedicado ao autismo.

Pela manhã, tivemos a transmissão do curso: A especificidade do autismo : o que a clínica nos ensina, com a preciosa participação de nossas colegas Paula Pimenta e Tânia Abreu. Elas apresentaram um seminário intitulado: “O que pensa a psicanálise sobre protocolos e medicamentos para o autismo”. Paula Pimenta com uma pesquisa consistente sobre os protocolos, falou sobre os principais protocolos de avaliação utilizados para detecção do autismo, colocando a posição da psicanálise frente a eles, ou seja, destacando que “a psicanálise se mostra atenta e cautelosa quanto aos efeitos de nomeações sobre o sujeito. No caso do autismo também sobre os pais. A psicanálise aposta em uma construção de sentido dessa nomeação com os mesmos, sem perder de vista o filho diante deles, que é sempre mais que a nomeação recebida”. Tânia Abreu sustentada na clínica, falou sobre a diferença entre a medicação e medicalização das crianças, esclarecendo que a psicanálise não se opõe à medicação mas ao uso indiscriminado da mesma. O uso abusivo da medicação patologiza a infância e atende interesses da indústria farmacêutica. A medicação para a psicanálise precisa ser pensada para cada criança quando assim se fizer necessário. A oposição da psicanálise é ao uso indiscriminado da medicação para todas as crianças mesmo quando os remédios não se fazem necessários, estando apenas a serviço de calar o sujeito que poderá por seu sintoma se manifestar. Ressalta Tânia Abreu: “No tocante aos quadros de Autismo, não há uma medicação única para tratar os autismos, e sim medicamentos para as comorbidades, muitas vezes necessários, como nos recorda Temple Grandin, ao falar sobre o Tofranil em seu livro Uma menina Estranha. Concluiu advertindo que a cada um sua medicação que não funciona sem a presença de pessoas amorosas”.

No período da tarde, contamos com a presença de Sérgio Laia, psicanalista , AE, Analista da Escola no período 2017 - 2020 e AME, Analista Membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. Ele fez uma conferência cujo título foi: Sexualidade e autismo : o que nos ensina Jerry Newport. Sérgio falou da sua pesquisa realizada a partir de autobiografias de 20 autistas, e que têm lhe permitido localizar aquilo que cada um encontra para ajudá-lo definitivamente na vida. Trabalhou especialmente, os livros de Jerry Newport que mostra que não é qualquer competência que sustenta o autista, porque apesar da sua grande competência na área da matemática, é sua identificação como autista ( a partir do filme Rain Man) e o encontro com o sexual que o estabilizam e o permitem uma vida mais tranquila e satisfatória ao lado da sua mulher. Sérgio, em sua conferência, também apresentou a discussão do termo autismo nas cartas entre Bleuler e Freud. Essas cartas revelam o quanto o interesse de Bleuler pela psicanálise era ambivalente pois havia de sua parte recusa em considerar o erótico no autismo, enquanto que esse era exatamente o grande interesse de Freud. Posteriormente, Sérgio também faz referência à história do autismo como diagnóstico, abordando os pioneiros Kanner e Asperger, bem como Freud, para discutir o tema do afeto para os autistas: enquanto Kanner e Asperger enfatizavam o deficit em suas concepções do autismo, a noção de afeto em Freud como fator quantitativo que toca o corpo é bem mais próxima do que os autistas abordam sobre o que passa em seus corpos. Nesse contexto, Sérgio cita Jerry Newport que não se considera um “desabilitado” mas como alguém “habilitado de modo diferente”. Em seguida, diferencia autoerotismo e narcisismo, definindo o que é o autismo hoje, para a Psicanálise de Orientação Lacaniana. Conclui então abordando o efeito sujeito em cada autista.

No final da tarde de sábado, Sérgio autografou o livro O que é o autismo hoje? , organizado por ele e Elisa Alvarenga. Fomos de fato presenteados com sua presença na Seção Pernambuco. Um brinde: Tchim! Tchim!


Anamaria Vasconcelos

Membro da EBP/AMP

sexta-feira, 2 de março de 2018

Fórum Internacional sobre o Autismo


Apresentação

A presença social do autismo coloca hoje uma questão em diferentes níveis: falamos de autismo para nos referirmos quase que exclusivamente à infância; os sinais que descrevem o tão difundido TEA são tão vastos que a definição de suas fronteiras na infância torna-se difícil; além disso, quanto mais o debate se amplia a respeito da terapêutica que teria mais sucesso, maior é também a invisibilidade dos casos que não melhoram como previsto.

Não existe, portanto, nem um discurso, nem um método para tratar hoje os adolescentes e os adultos com autismo. Esses métodos de reeducação que alardeiam suas “evidências científicas” para a infância, tampouco se preocuparam em realizar um acompanhamento do destino dessas crianças tratadas com suas técnicas, que corroborariam assim os índices de sucesso que eles proclamam.

O real da puberdade faz então irrupção para colocar à prova a docilidade do autista educado. Alguns deles apresentam verdadeiras crises subjetivas, intratáveis para a família e sem uma resposta eficaz por parte da administração. Esses autistas, que não encontraram a estabilidade que lhes permitiria habitar o mundo, são considerados como casos graves, irrecuperáveis e se encontram segregados em instituições mais ou menos coercitivas, submetidos a uma única resposta institucional: a contenção física e medicamentosa. Com a adolescência e a idade adulta, coloca-se um fim na questão do autismo.

Mas, quais são os destinos desse autismo diagnosticado durante a primeira infância? São muito conhecidos os casos que responderam bem às propostas terapêuticas oferecidas. E são igualmente conhecidos aqueles que inventaram, por seus próprios meios, um modo de inscrever seus sintomas no laço social. Entretanto, onde estão os autistas para os quais a estabilidade de que precisam coloca em questão todo o modelo de assistencialismo existente? Esse autismo, esse que é resistente a qualquer abordagem terapêutica ou reeducacional é, de fato, a resposta à questão: “o que é o autismo? ” E a excepcionalidade de cada um desses casos é a única abordagem possível que nós, psicanalistas, levamos a sério.

Uma prova disso são as diversas instituições criadas durante as últimas décadas por psicanalistas de orientação lacaniana, que demostram, a cada vez, que a instituição pode se tornar, para o adulto com autismo, um Outro permeável a seu sintoma. O valor de invenção dessas instituições merece, na fase atual, ser elaborado e transmitido à luz tanto dos guias de “boas práticas” quanto das recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre as “medidas integrais baseadas na pessoa” e da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência.

Encontramo-nos diante de uma questão política fundamental à qual a Escuela Lacaniana de Psicoanálisis responde com a organização deste novo fórum internacional, que tem como título “Depois da infância. Autismo e Política”, que acontecerá em Barcelona no dia 7 de abril de 2018.

Sob os auspícios da Associação Mundial de Psicanalise, convocamos os políticos implicados no tema, assim como os cidadãos em geral, a esse fórum de debates que contará com a presença internacional de psicanalistas de orientação lacaniana, de associações de pais de pessoas com autismo, de diversos profissionais que dão testemunho, a seu modo, do real com o qual se acham confrontados.

Comité asesor: Miquel Bassols (AMP), Domenico Cosenza (EFP), Flory Kruger (FAPOL), Enric Berenguer (ELP)

Comité científico: Agnès Aflalo, Lizbeth Ahumada, Christiane Alberti, François Ansermet, Luisa Aragón, Paola Bolgiani, Vilma Coccoz, Mariana Alba de Luna, Bruno D'Halleux, Antonio Di Ciaccia, Elizabeth Escayola, Dominique Hovoet, Éric Laurent, Jean-Claude Maleval, Chiara Mangiarotti, Marita Manzotti, Nicola Purgato, Jean-Robert Rabanel, Jean-Pierre Rouillon, Daniel Roy, Jesús Sebastián, Bernard Seynhaeve, Alexander Stevens, Silvia Elena Tendlarz, Yves Vanderveken, Gracia Viscasillas.

Comisión de organización: Soledad Bertrán, Lucía D’Angelo, Eduard Fernández, Erick González, Marta Gutiérrez, Marta Maside, Regina Menéndez, Jorge Sosa.

Neus Carbonell, Iván Ruiz (directores)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Uma homenagem a Donna Williams

Bartyra Ribeiro de Castro[1]

O saber extraído das autobiografias de autistas é objeto de teorização de grupos de pesquisa e de autores internacionalmente renomados, como Rosine e Robert Lefort, Eric Laurent, Jean-Claude Maleval, dentre muitos outros. 

Os relatos autobiográficos começam com Donna Williams, uma jovem australiana, autista de alto rendimento, que pôde, através da escrita, encontrar uma forma muito singular de estar no mundo, de falar sobre o autismo e de ajudar a muitos autistas a compreenderem melhor o que se passa dentro de si. Compreender um pouco o funcionamento autístico, em alguns casos, possibilita um apaziguamento frente às estranhezas vividas e aos rechaços tão presentes nas relações sociais. Compreender, saber-se singular, mas não único, pode ajudar a minimizar o isolamento autístico e, talvez, a diminuir a distância protetora estabelecida entre o sujeito autista e o meio social. Donna Williams ajudou realmente a inúmeros. E segue, mesmo depois de sua partida, contribuindo muitíssimo.

Seu primeiro livro é Nobody Nowhere – The remarkable autobiography of an autist girl (publicado no Brasil com o título Meu Mundo Misterioso). Outras autobiografias vieram em seguida e continuam sendo publicadas. Atualmente, são inúmeras. Igualmente, os pais, resolveram se debruçar sobre as letras e contar sobre o cotidiano com um filho autista, o impacto do diagnóstico, os medos, as angústias e os desafios. 

A lista de livros, hoje, é imensa. O legado deixado por Donna Williams é incalculável, sobretudo, para os que precisam se afastar das hipóteses sobre o autismo baseadas em evidências comportamentais, neurológicas, genéticas, etc, para mergulharem num universo de não saber e de a descobrir, trazido à luz pelos relatos que se seguiram aos dela. 

Tendo podido me dedicar mais recentemente à sequencia Nobody Nowhere – The remarkable autobiography of an autist girl e Somebody Somewhere – Breaking free from the world of autism, trago aqui uma pequena introdução ao mundo de Donna Williams como uma forma de homenageá-la pela sua passagem em 2017.

Você vai ler Donna Williams. Se é o primeiro contato com ela, saiba: Donna Williams se abre em seus textos, e revela a sua angústia em fazê-lo. Se já leu Nobody Nowhere, deve ter se impactado com a forma contundente com que ela nos expõe seu “o mundo” cru e violento, que exigiu dela recursos de defesa autística para sobreviver, fechando-se no que ela criou com “meu mundo”. Ela nos conta detalhadamente no segundo livro - Somebody Somewhere, sobre como foi, para ela, ter escrito o primeiro, e você se surpreenderá com a mudança que aconteceu em Donna Williams e em sua vida após a publicação deste.

Somebody Somewhere foi escrito como um testemunho dos efeitos causados pela publicação de Nobody Nowhere. O real da perda do controle sobre seu mundo interior, suas palavras e suas garantias, fizeram com que Donna Williams, ao saber da publicação, tivesse querido poder queimar cada livro, antes que tudo se tornasse irremediavelmente público.

Nobody Nowhere é apresentado como a estória de duas batalhas: a batalha para ficar fora de ‘o mundo’ e a batalha para juntar-se a este; e é dedicado aos que a ajudaram a “dominar as sutilezas da comunicação”. Em Somebody Somewhere, desde a nota introdutória, ela deixa claro que se trata da “estória de alguém que recolheu os pedaços após a guerra”. Um verdadeiro “desarmamento” que, para um autista, representa uma ameaça real de estilhaçamento de suas defesas estrategicamente estruturadas para se proteger da invasão do mundo exterior. Donna Williams relata, em Somebody Somewhere, o desespero de ver exposto ao inimigo o seu mundo interior e os efeitos desta “contaminação por sua exposição”. Ela considera seu primeiro livro, um epitáfio, e o segundo, uma conquista de um sentido de vida, pois “funcionar não era mais uma boa troca para ‘viver’”. 

Em Somebody Somewhere, fica evidente a conquista do sentimento de pertencimento que Donna Williams registra, também como efeito do real da publicação de Nobody Nowhere. Isto possibilitou a ela, buscar e ter bastante sucesso em diminuir o hiato entre sentimentos, sentido e pensamento. 

Observem: Donna Williams distingue claramente “meu mundo” de “o mundo”, buscando, exaustivamente, uma forma de transitar entre estes, e aponta, num determinado momento do texto, “um mundo”, como uma forma singular de se colocar em “o mundo”, e um vislumbre de “nosso mundo”, alcançando o “simplesmente ser”. Donna Williams se empenha em adentrar o mundo dos sentidos, percorrendo um caminho desde o chamado “meu mundo”, para penetrar, embora temerosamente de início e decididamente ao final, “o mundo”, e tentando suportar o custo subjetivo que implica, para ela, envolver sentidos, sentimentos e afetos. A linguagem com sentidos é algo que frustra a catalogação e a sistematização, embora permanentemente buscadas por ela, num recuo ao isolamento autístico. 

Donna Williams é especialista no idioma Inglês, estrutura e fonética, embora declare que, apesar disto, tenha “dificuldades com o uso da linguagem”. Tem um texto muitíssimo bem escrito dentro das regras gramaticais. Isto lhe permite fazer uso de diversos recursos semânticos – onomatopéias, comparações, como se a linguagem houvesse sido, por ela, incorporada. Olhando atentamente, o que poderia parecer metáfora, é comparação - uma figura de linguagem semelhante à metáfora, mas sem produzir o vazio de sentido substitutivo, característico desta. A comparação é possível pela descrição do pensar em imagens, que Donna Williams faz com perfeição (assim como o faz Temple Grandin e alguns outros autistas, por causa da relação estrutural com os signos). A impossibilidade de metaforizar nos é exemplificada na frase: “Se eu aprendesse algo enquanto eu estivesse de pé com uma mulher em uma cozinha e fosse verão, durante o dia, a lição não seria lembrada em uma situação semelhante se eu estivesse de pé com um homem em outra sala e fosse inverno e à noite”. A metáfora é uma figura de linguagem que exige um hiato de significação que só é permitido à articulação significante, pelo vazio de sentido que se instala entre um significante e outro, provocando, nesta figura, um efeito substitutivo. Isto me permite dizer: “Você vai ler Donna Williams”.

A onomatopeia (Tinkle, Toc, toc, Zzzz, Slap, Crunch, etc) muito presente no texto, é um exemplo muito claro de seu gozo verbal com os signos sonoros e do “eco do fato de que há um dizer”, que nos fala Lacan, quando conceitua pulsão, em seu Seminário sobre Joyce. Ela maneja escrita e espaços. Ela faz parágrafos, recua, sinaliza, acentua. É um texto pleno de símbolos e de ícones. Nobody Nowhere já trazia alguns, mas, em Somebody Somewhere, a profusão de signos é enorme. 

O espelho segue sendo um fator importante como elemento de suporte à angústia frente a “o mundo” – “provavelmente, passei muitos anos na frente do espelho”. Ele atravessa a obra passando de “uma porta para o lugar do outro lado” onde encontra Carol, num mundo previsível e familiar, uma companhia e um refúgio; até chegar a ser um elemento do qual Donna Williams consegue alguma distância para entrar em “o mundo”. É fundamental observar o destino dado a seus duplos, Carol e Willie – em Nobody Nowhere figuram como formas de proteção e de adaptação social a “o mundo”; o recurso aos objetos Urso Orsi e Cão Viajante; e o que representa para ela o Grande Negro Nada – angústia gerada frente ao impossível encontro entre palavra e sentido. 

As participações do Dr. Marek (e esposa) e dos Millers em auxiliá-la frente ao desafio de abrir-se para os sentidos e os sentimentos consequentes são cruciais para que Donna Williams chegue a exclamar: “Oh, meu Deus, eu ganhei um corpo!”. Outro ponto destacável é o que ela nos conta a respeito de sua relação com o corpo, com o semelhante, e as suas afirmações sobre a (as)sexualidade e o incurável no autismo – “o sistema”, que poderíamos traduzir como a necessidade permanente de inventar formas de se proteger contra a angústia, com o primado do signo. “A impenetrabilidade é a máxima segurança” – desta, não se pode abrir mão totalmente. “É tudo muito difícil lá fora”.

Somebody Somewhere é um testemunho fiel de como Donna Williams conseguiu “as chaves da porta de ‘o mundo’”.

Em 2017, aos 53 anos, Donna Williams ainda jovem, faleceu de câncer. Agradecemos a ela, por tudo o que pôde, com sua coragem ímpar em revelar seu mundo, nos ensinar sobre o autismo. Tudo o que hoje se pode saber e seguir pesquisando sobre o autismo se deve às revelações impressionantes que nos surgem em cada obra escrita por autores geniais como ela. A estes, nosso eterno reconhecimento.

Não é mais possível seguir uma linha de investigação sobre o tema do autismo sem o aprofundamento na leitura dos relatos autobiográficos, ou mesmo, relatos de pais e cuidadores de crianças autistas, sempre lembrando que a clínica se faz no caso a caso.

Janeiro de 2018




[1] Membro da Escola Brasileira de Psicanálise / Associação Mundial de Psicanálise, Coordenadora do PIPA (e rabiola) Vitória.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Depois da infância. Autismo e Política

Fórum Internacional sobre Autismo. Sábado, 7 de abril de 2018. De 10h às 17h. Barcelona

A presença social do autismo coloca hoje um problema em diversos níveis: fala-se do autismo para referir-se quase que exclusivamente à infância; os signos que descrevem o difundido TEA já são tão amplos que se torna difícil definir suas fronteiras na infância, mas também depois dela; quanto maior é o debate sobre a melhor terapêutica, maior é a invisibilidade daqueles casos que não melhoram como estava previsto.

Não existe, então, nem um discurso, nem um método, que se ocupe, nos dias de hoje, dos adolescentes e dos adultos com autismo. Tampouco esses métodos reeducativos que vociferam para a infância suas “evidências científicas” se ocuparam de realizar um acompanhamento do destino das crianças tratadas com suas técnicas, que corroborariam, assim, as cifras de êxito que proclamam.

O real da puberdade irrompe, então, para por à prova a docilidade do autista educado. Ocorrem, para alguns deles, verdadeiras crises subjetivas, intratáveis para a família e sem respostas eficazes por parte da administração. Aqueles autistas que não encontraram a estabilidade que permite habitar o mundo são considerados, assim, casos graves, irrecuperáveis e são segregados em instituições mais ou menos coercitivas, submetidos a uma única resposta institucional: a contenção física e medicamentosa. Com a adolescência e a idade adulta finaliza-se, então, a pergunta sobre o autismo.

Mas, que destinos toma aquele autismo que foi diagnosticado na primeira infância? São conhecidos aqueles casos que responderam bem às propostas terapêuticas oferecidas. E são conhecidos, também, aqueles que encontraram, por seus próprios meios, um modo de inscrever seu sintoma no vínculo social. Entretanto, onde se encontram os autistas para os quais a estabilidade que necessitam questiona todo tipo de modelo assistencial existente? Esse autismo, aquele que é resistente a qualquer abordagem terapêutica ou reeducativa é, de fato, a resposta à pergunta “O que é o autismo?” E é a excepcionalidade de cada um desses casos a única aproximação possível que os psicanalistas tomamos seriamente.

Uma prova disso são as diversas instituições criadas nas últimas décadas por psicanalistas de orientação lacaniana, que demonstram, a cada vez, que a instituição pode converter-se para o adulto com autismo em um outro permeável a seu sintoma. O valor de invenção dessas instituições merece, nesses momentos, elaborar-se e se transmitir à luz, tanto das instruções de “boas práticas”, como das recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre as “medidas integrais baseadas na pessoa”, e a Convenção sobre os direitos das pessoas com discapacidade.

Encontramo-nos ante uma questão fundamentalmente política à qual a Escola Lacaniana de Psicanálise responde com a organização deste novo Fórum internacional, que tem por título “Depois da infância. Autismo e política” e que terá lugar em Barcelona, em 7 de abril de 2018.

Sob os auspícios da Associação Mundial de Psicanálise, convocamos os políticos concernidos pelo tema e os cidadãos em geral a este fórum de debate, que contará com a presença internacional de psicanalistas de orientação lacaniana, de associações de pais de pessoas com autismo, de profissionais diversos que sustentam sua prática e investigação a partir da pergunta sobre o autismo mais além da infância, e de sujeitos que dão testemunho, a seu modo, do real a que se encontram confrontados.

Conversações sobre o Forum e sua política. Por Neus Carbonell e Iván Ruíz

IVÁN: Para o 3° Forum sobre autismo que a Escola Lacaniana de Psicanálise está organizando, escolhemos um tema fundamentalmente político : o que acontece com o autismo mais além da infância, na adolescência e na idade adulta ?

NEUS: De fato, se trata de um tema fundamentalmente político, mesmo que possa parecer de outra natureza. É politico, em primeiro lugar, porque põe os processos de segregação, no coração de nossa sociedade, em destaque . Assim, é frequente encontrar programas e recursos destinados a crianças que foram diagnosticadas como autistas, realmente somos testemunhas de que o interesse no autismo durante a infância não para de crescer. Sem dúvida, quando estes sujeitos chegam a adolescência e logo depois à idade adulta, não existe para eles um discurso que os acolha. O que implica que o que a sociedade pode oferecer a estes sujeitos e a suas famílias é francamente limitado.

O autismo é um diagnóstico que se refere fundamentalmente à infância. Os programas que existem, os recursos, a presença social, tudo isso faz referência quase que exclusivamente à infância. Sem dúvida, quando e onde se fala do autismo na vida adulta? Por tudo isso, nosso Fórum quer abordar exatamente a pergunta que você coloca: o que acontece com o autismo mais além da infância? Nós temos algumas ideias a partir das quais vamos elaborar nosso programa, mas esperamos que este Encontro nos permita responder a esta pergunta desde múltiplas perspectivas. Por exemplo, a partir da perspectiva do diagnóstico, da medicação, da clínica, dos recursos sociais, enfim, dos projetos de vida que a sociedade é capaz de oferecer a estes sujeitos e a suas famílias. Todas estas questões são políticas porque trazem em primeiro plano o modelo de sociedade que queremos. Têm a ver com a ética, com a lei, com a distribuição de recursos.

NEUS: Nós colocamos uma primeira questão : O autismo infantil é definido na Psiquiatria, que segue os manuais mais usuais como o DSM a partir de alguns itens, de maneira que se diagnostica a partir de testes. Entretanto, não estou certa que os testes possam ser implementados a partir da puberdade. Qual sua opinião ? Que mudanças a puberdade introduz que modificam a definição de autismo da infância ?

IVÁN: É verdade, a puberdade explode as melhores intenções daqueles que queriam enquadrar dentro de um teste confiável de TEA os que foram crianças com autismo. Diria mais, a puberdade no autismo presentifica muitas vezes, para os profissionais, mas sobretudo para as famílias, que o que se tinha preparado para ajudar a esta criança, se funcionou em seu momento, já não servirá. A insistência do adulto fracassa, há que se inventar outras coisas.

Os testes de diagnósticos foram elaborados a partir de uma idéia de normalidade do que é uma criança, mas uma criança que, se espera, chegue a ser um adulto de pleno direito.

É verdade que alguns adolescentes com autismo conquistaram uma estabilidade que lhes permite arranjar-se, por exemplo, com as mudanças em seu corpo, em sua imagem e em seus modos de obtenção de satisfação. Mas para outros, ao contrário, tudo isto fracassa uma e outra vez, seu modo de se virar sem a identificação a alguma imagem da adolescência torna-se insuportável para os adultos que estão com eles.

NEUS: Jean-Pierre Rouillon, em uma conferência que deu este ano em Barcelona, assinalou muito acertadamente que a sexualidade é a forma como alguns humanos tratam a irrupção do gozo que invade seus corpos a partir da puberdade. Os autistas são sujeitos que não contam com a sexualidade para enfrentar este gozo e devem então recorrer a outras formas de tratamento. Esta forma de colocar a questão é francamente interessante. Para começar, tomar a perspectiva do gozo supõe, em primeiro lugar, partir da noção de que não existem formas de gozo melhores que outras. Portanto o autista não está em déficit frente a uma suposta normalidade. Em todo caso , as coisas são mais difíceis posto que não pode recorrer às soluções prêt-à-porter e deve construir uma à sua medida. Colocar o que ocorre ao sujeito a partir da puberdade desde as dificuldades para viver em um corpo que exige a satisfação, supõe entender que não há maneira de chegar à vida adulta com certa estabilidade se o autista não encontrou um modo de funcionar no mundo suficientemente consistente que lhe permita ter onde apoiar-se. Por isso, nesta etapa podem ocorrer crises subjetivas realmente devastadoras. Aqui também podemos ver porque essas crianças que foram mais ou menos dóceis às técnicas reeducativas da infância podem entrar em severas crises, já que essas técnicas não lhes servem para tratar o que lhes sucede no corpo.

IVÁN: Este é um tema fundamental, uma vez que para muitos adolescentes as técnicas reeducativas não podem ser aplicadas a não ser com coação, com uma vontade férrea de substituir as condutas que o garoto tem por aquelas que o adulto quer que ele tenha. Então, não é possível pensar que o sujeito possa fazer seus os recursos que o adulto lhe oferece se ele se vê obrigado a defender-se desta opressão. Mas, há algo mais. Reduzindo-se a imposição do adulto sobre o sujeito, desapareceria imediatamente sua posição defensiva e, assim, poderia aceitar o adulto como lugar de referência – tudo seria mais fácil.

O problema é que o autista incorpora esta resposta defensiva, infligindo dor ao próprio corpo, por exemplo, e a generaliza mediante qualquer imposição que venha das pessoas que o rodeiam (o anúncio da finalização de uma atividade), do entorno (o pôr-do-sol) ou de seu próprio corpo (a sensação de fome ou uma dor de barriga) – para mencionar algumas situações comuns. Mediante isto, nossa margem para ajudá-los fica reduzida; e o que é fato é que quanto mais imposição do adulto mais imposição do autista sobre seu corpo.

NEUS: Quero, ainda, acrescentar algo mais. Mesmo que as invenções que o sujeito possa alcançar sejam fundamentais, não podemos esquecer que estas soluções podem ser, aos olhos dos outros, bastante modestas e, inclusive, das mais incompreensíveis ao sentido comum. Devemos ter sempre presente que quando propomos a invenção não podemos nos referir unicamente àquelas que gozam de prestígio social - por exemplo, o autista que consegue converter-se em um bom músico.

Às vezes, são as mais estranhas: o menino que se sustenta por meio de perguntas insistentes e sem respostas; o menino que se faz acompanhar das máscaras e da música dos filmes da Disney. Além disto, as soluções encontradas nunca são definitivas, nunca chegam a ter o valor de uma metáfora do corpo que experimenta. Por isto, repetem-se várias vezes, o que implica que aqueles que acompanham o autista devem estar dispostos à repetição incansável e nunca definitiva da solução, por vezes extremamente frágil.

IVÁN: Não é pouca coisa isto que você diz.

NEUS: Realmente. E implica que para estes sujeitos devem existir alguns outros dispostos a isto. O que somente se consegue a partir de um trabalho clínico muito consistente. Não é nada certo que isto esteja garantido para eles. Por esta razão, muito frequentemente o tratamento medicamentoso vem no lugar de um fracasso e a agressividade dos adultos em direção a estes sujeitos – que se escuta em algumas instituições, sobretudo residenciais – é a resposta frente ao que não podem suportar, nem eles nem a direção clínica da instituição.

IVÁN: Trataremos, neste Fórum, da questão da agressividade. Por isto, acreditamos que é um fórum fundamentalmente político. A idade adulta coloca algumas dificuldades no que está disposto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006. Nela, se reconheceu a importância de dar a estas pessoas “a oportunidade de participar ativamente nos processos de adoção de decisões sobre políticas e programas, incluídos os que lhes afetam diretamente”. Nos casos de sujeitos em que o seu autismo os mantém distantes de fazer valer este direito, como medimos o que mais convém a um autista adulto se seus modos de resposta não são, muitas vezes, os que somos capazes de escutar?

NEUS: O que esperamos deste Fórum?

IVÁN: Com este Fórum, procuraremos tornar visível uma realidade que desespera as famílias, coloca contra a parede as instituições e os profissionais que nelas trabalham, e que politicamente não está atendida. Queremos dar a palavra à angústia que hoje não dispõe de vias para ser tratada e convocar nossos políticos a dimensionar o que está em jogo e o que temos, todavia, de fazer.

Os psicanalistas estamos em condições de elaborar um discurso sobre o que ocorre com o autismo mais além do diagnóstico usado atualmente, uma vez que os sujeitos atravessam a puberdade ou chegam à idade adulta com um autismo que adquire diversas formas no autismo decidido – como escutei você assim nomear em determinada ocasião -, na Síndrome de Asperger, na esquizofrenia, na debilidade cognitiva, enfim, no modo de estabilização de cada sujeito.

Contaremos com a presença de psicanalistas de todo o mundo, membros da Associação Mundial de Psicanálise, assim como de profissionais que sustentam seu trabalho no campo da educação, da saúde mental, das instituições dia e residenciais, instituições de familiares, que conhecem de primeira mão os limites que o adolescente ou o adulto com autismo encontra.

Neus Carbonell e Iván Ruíz