por Paula Borsoi
A
orientação lacaniana sustentada por JAM desde muitos anos promove para
os analistas do Campo Freudiano um estilo de formação que nos coloca em
constante renovação. Esta orientação promove uma articulação entre
política e clínica, apostando no caso a caso e na singularidade da
solução sinthomática de cada um, exigindo dos analistas que estejam
preparados para enfrentar os desafios clínicos do nosso tempo, através
de um trabalho sem padronizações. Esse movimento de tomada de posição
tem na defesa da clínica psicanalítica dos autismos uma consequência
importante. Recentemente a EBP, através da Comissão Autismo, recolheu
contribuições de colegas todo o Brasil que trabalham esta clínica,
redigiu e enviou um documento ao Ministério da Saúde em reposta a uma
consulta pública, feita pela “Linha de Cuidado para Atenção Integral as
Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e seus Familiares”, no
SUS. Neste documento, tomamos uma posição clara e aberta ao debate de
como sustentamos e conduzimos nosso trabalho. Aproveito a oportunidade
para convidar a todos a ler o documento no site da EBP (clique aqui).
A
articulação com as políticas públicas é necessária e importante, pois
se estamos nos serviços de saúde mental, nas escolas e nas
universidades, é preciso que a Escola esteja participando de perto
dessas formulações. Ainda há muito trabalho a realizar. Neste campo, o
mais urgente é o trabalho com os pais e com as associações de pais de
autistas. Os pais não são nossos adversários, mesmo que algumas vezes se
coloquem assim. Com frequência a psicanálise e os psicanalistas sofrem
ataques violentos, como foi o depoimento de um pai de um jovem autista
publicado na Folha de São Paulo, semana passada, já comentado por
Marcelo Veras no Um por Um 163.
O
pai informado/mal informado, por ser jornalista e acompanhar esses
ataques à psicanálise no mundo, provavelmente muito angustiado quanto ao
tratamento de seu filho, fez um desabafo. Dizer alguma palavra em
contraponto à angústia de um pai desafogada em um jornal me parece ser
excessivo mas, ultrapassado o mal estar em relação aos ataques à
psicanálise, podemos dizer algo.
Penso
que nossa defesa deve partir de alguma aceitação de que essa
experiência, de se sentir culpado, ou culpabilizado por ter um filho com
severas dificuldades, veio de um mau encontro com a psicanálise.
Acontece, pois sabemos que culpabilizar os pais ainda hoje não é incomum
na psicanálise, mesmo que sejamos contrários a ela. Por isso, para
ultrapassar esta barreira, precisamos afirmar claramente nossa posição. A
partir de Lacan e do Campo Freudiano aberto por ele pedimos, sim, aos
pais uma implicação no que lhes acontece. Isso significa, para nós,
postular um movimento inconsciente, muitas vezes sem nenhum sentido, na
incidência da relação parental sobre o sintoma do sujeito. Esta
implicação é um percurso, que justamente promove o deslocamento da culpa
à responsabilidade. Separar culpa de responsabilidade é a condição de
possibilidade para cada um de assumir sua posição de sujeito. Encontrar o
sujeito onde não se espera me parece ser o avesso do que propõem os que
fazem da psicanálise sua adversária. Para eles já se sabe de antemão o
que é possível para o sujeito, uma vez que imputa-se à deficiência um
programa de desenvolvimento a ser alcançado.
Como
transmitir então a proposta da psicanálise de orientação lacaniana aos
pais? Essa é nossa questão e não se resume aos pais. Em nossa proposta
encontra-se a intenção de ampliar as articulações da Escola com os
diversos setores da sociedade, para contribuir com o debate com a
ciência, com a cultura e principalmente para poder dizer como a
experiência clínica singular de um sujeito e de sua relação com o
inconsciente podem se transmitir a outros. Hoje, mais do que nunca, esse
desafio é fundamental para manter a psicanálise viva no mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário