terça-feira, 2 de abril de 2013

A EBP e o Autismo: Notas atuais

por Paula Borsoi

A orientação lacaniana sustentada por JAM desde muitos anos promove para os analistas do Campo Freudiano um estilo de formação que nos coloca em constante renovação. Esta orientação promove uma articulação entre política e clínica, apostando no caso a caso e na singularidade da solução sinthomática de cada um, exigindo dos analistas que estejam preparados para enfrentar os desafios clínicos do nosso tempo, através de um trabalho sem padronizações. Esse movimento de tomada de posição tem na defesa da clínica psicanalítica dos autismos uma consequência importante. Recentemente a EBP, através da Comissão Autismo, recolheu contribuições de colegas todo o Brasil que trabalham esta clínica, redigiu e enviou um documento ao Ministério da Saúde em reposta a uma consulta pública, feita pela “Linha de Cuidado para Atenção Integral as Pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo e seus Familiares”, no SUS. Neste documento, tomamos uma posição clara e aberta ao debate de como sustentamos e conduzimos nosso trabalho. Aproveito a oportunidade para convidar a todos a ler o documento no site da EBP (clique aqui).
A articulação com as políticas públicas é necessária e importante, pois se estamos nos serviços de saúde mental, nas escolas e nas universidades, é preciso que a Escola esteja participando de perto dessas formulações. Ainda há muito trabalho a realizar. Neste campo, o mais urgente é o trabalho com os pais e com as associações de pais de autistas. Os pais não são nossos adversários, mesmo que algumas vezes se coloquem assim. Com frequência a psicanálise e os psicanalistas sofrem ataques violentos, como foi o depoimento de um pai de um jovem autista publicado na Folha de São Paulo, semana passada, já comentado por Marcelo Veras no Um por Um 163.
O pai informado/mal informado, por ser jornalista e acompanhar esses ataques à psicanálise no mundo, provavelmente muito angustiado quanto ao tratamento de seu filho, fez um desabafo. Dizer alguma palavra em contraponto à angústia de um pai desafogada em um jornal me parece ser excessivo mas, ultrapassado o mal estar em relação aos ataques à psicanálise, podemos dizer algo.
Penso que nossa defesa deve partir de alguma aceitação de que essa experiência, de se sentir culpado, ou culpabilizado por ter um filho com severas dificuldades, veio de um mau encontro com a psicanálise. Acontece, pois sabemos que culpabilizar os pais ainda hoje não é incomum na psicanálise, mesmo que sejamos contrários a ela. Por isso, para ultrapassar esta barreira, precisamos afirmar claramente nossa posição. A partir de Lacan e do Campo Freudiano aberto por ele pedimos, sim, aos pais uma implicação no que lhes acontece. Isso significa, para nós, postular um movimento inconsciente, muitas vezes sem nenhum sentido, na incidência da relação parental sobre o sintoma do sujeito. Esta implicação é um percurso, que justamente promove o deslocamento da culpa à responsabilidade. Separar culpa de responsabilidade é a condição de possibilidade para cada um de assumir sua posição de sujeito. Encontrar o sujeito onde não se espera me parece ser o avesso do que propõem os que fazem da psicanálise sua adversária. Para eles já se sabe de antemão o que é possível para o sujeito, uma vez que imputa-se à deficiência um programa de desenvolvimento a ser alcançado.
Como transmitir então a proposta da psicanálise de orientação lacaniana aos pais? Essa é nossa questão e não se resume aos pais. Em nossa proposta encontra-se a intenção de ampliar as articulações da Escola com os diversos setores da sociedade, para contribuir com o debate com a ciência, com a cultura e principalmente para poder dizer como a experiência clínica singular de um sujeito e de sua relação com o inconsciente podem se transmitir a outros. Hoje, mais do que nunca, esse desafio é fundamental para manter a psicanálise viva no mundo.

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