domingo, 26 de outubro de 2014
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Investigar o autismo, por quê?
INVESTIGAR O AUTISMO, POR QUÊ?[1]
Bartyra Ribeiro de Castro[2]
Inicialmente,
algumas questões se apresentam: O que é o autismo? Quais as suas causas? Como
tratá-lo? Para respondê-las, há tempos, os meios científicos têm se debruçado
em estudos, sejam no campo das neurociências, da genética, das ciências do
comportamento, da biologia, e mesmo da psicanálise. Em consequência, têm-se
levantado inúmeras hipóteses, construído diversos novos projetos e proferido
diferentes especulações que não cessam de provocar polêmicas entre abordagens
que se contrapõem ou se distanciam muito umas das outras. São desacordos que
não se atêm somente ao valor dos fatores inatos, talvez, causadores do autismo,
mas a questões, muitas vezes, ligadas a uma disputa sobre o domínio de um saber,
de uma verdade que se apresente única.
O que se constata com o tempo é que não se
pode apontar uma só causa e mesmo uma só definição para o autismo. O que tem
sido considerado como autismo tem-se apresentado, pois, com inúmeras variações
ao longo da história.
Antes do séc. XIX, não há
registro de clínica psiquiátrica com crianças. Entre 1856 e 1858, alguns autores descreviam patologias ligadas
especificamente às crianças, mas
foi em 1887 que Hermann
Emminghaus dedicou sua obra Die psychism Störungen des Kindesalters
(Os distúrbios do psiquismo da infância), inteiramente às psicopatologias infantis.
Durante o séc. XIX, os
distúrbios mentais da criança foram frequentemente incluídos na noção de
idiotismo, extraída da classificação de Esquirol. Em 1924, Sante De Sanctis
criticou os psiquiatras do séc. XIX dizendo que não lhes era possível
discernirem sobre as psicoses infantis, pois tendiam a reduzir “qualquer desvio
psíquico nas crianças ao menor denominador comum do retardo ou da interrupção
do desenvolvimento”[3].
Ao longo do séc. XIX se começou a distinguir algumas formas específicas de
idiotismo. Seguin, em 1846, descreveu inicialmente a “idiotia furfurácea”.
Mais tarde, em Londres, Langdon Down a nomeou como “idiotia mongolóide”.
Atualmente se chama “síndrome de Down”. Foi Langdon Down que, em 1887,
descreveu outra forma de idiotia na infância que, paradoxalmente, comportava
capacidades intelectuais extraordinárias: a síndrome do idiota sábio. Estas
crianças com deficiência intelectual manifesta apresentavam uma combinação de
capacidades excepcionais e uma memória impressionante que se desenvolviam de
forma notável. Posteriormente, muitos autistas, hoje considerados como de alto
desempenho, foram tomados como idiotas sábios.
Nestes primeiros tempos, a
dificuldade na transmissão precisa dos conteúdos subjetivos por parte das
crianças fazia com que o chamado adulto-morfismo (uso dos parâmetros do adulto)
aproximasse a clínica da criança à psiquiatria animal.
Foi somente no começo do séc.
XX, com o desenvolvimento dos estudos da psicologia da criança, que a demência
precocíssima descrita por Sante De Sanctis se distinguiu da idiotia.
A contribuição da Psicanálise,
através da divulgação dos estudos de Bleuler e de Freud, chegou em torno de
1920. Foi a partir da noção de auto-erotismo, trazida por Freud, que Bleuler
nomeou como ‘Autismo’, o primeiro sintoma da esquizofrenia infantil, endossando
os estudos de P. Janet que considerava o quadro clínico como ‘perda do sentido
da realidade”[4].
Em 1943, sem que se
conhecessem, Leo Kanner, em Baltimore – Estados Unidos, e Hans Asperger, em
Viena – Áustria, isolaram um quadro clínico bastante semelhante e, além disto,
o nomearam com o mesmo termo: “autismo”.
Para Kanner, o autismo é uma
síndrome composta por dois sintomas fundamentais: a solidão e a imutabilidade.
Segundo Kanner, tratam-se de formas radicais de proteção contra a angústia.
Quaisquer mudanças de rotina, por mínimas que sejam, podem levar as crianças a
um tamanho estado de angústia que podem chegar ao desespero. Para estas
crianças, o mundo exterior deve permanecer imóvel. Kanner também observou que o
contato físico direto e os barulhos são tomados como ameaçadores à estabilidade
construída com o isolamento, podendo causar-lhes intensas manifestações
agressivas. Segundo as pesquisas de Kanner, elas parecem estar, desde sempre,
numa extrema solidão autística e parecendo serem completamente
‘autossuficientes’, “como dentro de uma concha”, “agindo como se ninguém
estivesse ali”, “perfeitamente esquecidos de tudo ao seu lado”, “dando a
impressão de uma silenciosa sabedoria”, “faltando desenvolver a quantidade
habitual de consciência social”, “agindo como se eles estivessem hipnotizados”
[...][5].
Jean-Claude Maleval,
psicanalista, autor de diversos livros, dentre os quais, L’autiste et sa voix
(O autista e sua voz), ressalta que o autista estudado por Kanner apresenta uma
relação muito particular com os outros: “Ele não lhes endereça qualquer olhar
interessado, ele passa por perto sem se comunicar, as relações que ele pode
estabelecer são fragmentadas; (...) não compartilha, nem faz trocas. (...) Ele
não participa de nenhum jogo coletivo com outras crianças”[6].
Hans Asperger descreveu sua
síndrome de forma bastante próxima à de Kanner, embora esta se caracterizasse
por atividades estereotipadas em crianças muito inteligentes. “Elas seguem suas
próprias preocupações, elas estão distantes das coisas comuns; elas não se deixam
desarrumar, elas não se deixam penetrar pelos outros”.[7] Elas se
comportam “como se estivessem sozinhas no mundo”, entretanto, “constatamos o
quanto elas apreendem e integram o que se passa em torno de si”. Tanto para
Kanner, quanto para Asperger, a solidão destas crianças domina o quadro clínico
e funciona como elemento diagnóstico fundamental. Kanner e Asperger também
constataram que as crianças autistas estabelecem relações muito especiais com
os objetos: podem dedicar atenção a estes por horas e, muitas vezes não admitem
destes serem separados de forma alguma.
Em 1967, Bruno Bettelheim
publicou, nos Estados Unidos, uma obra baseada em seus estudos com crianças nos
campos de concentração. Ele considerava o autismo uma reação espontânea da
criança à submissão, desde muito cedo, a um sofrimento extremo.
A Psicanálise também teve
seus representantes nos estudos sobre o autismo, no entanto, infelizmente, em
consequência destes, assistimos a uma geração inteira de analistas sustentarem,
durante anos, a hipótese absurda segundo a qual a causa do autismo seria a
falta dos pais, especialmente das mães. Para Margareth Mahler, psicanalista
vienense nos anos 1940, o autista está condicionado pela mãe. Bettelheim
afirmava que o autismo decorria das insuficiências na relação com a mãe e com o
ambiente de forma que o tratamento era fundamentado sobre a busca permanente de
um ambiente favorável para a criança. Estas conclusões tendenciosas e
equivocadas sustentaram uma terapêutica que indicava a internação de crianças em
instituições asilares, que tinham como função o afastamento das crianças de seu
meio familiar. Da mesma forma, estas conclusões causaram uma resistência
radical à Psicanálise por parte de muitos pais de crianças autistas.
Felizmente, não é como a Psicanálise se posiciona atualmente frente ao autismo.
Buscando re-medicalizar a
psiquiatria, nos anos 1970, surgiram as primeiras formulações em torno do
DSM-III (Associação Americana de Psiquiatria - APA. Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais). Contemporâneo a isto, o cognitivismo
começou a se afirmar no meio científico, colocando a subjetividade fora das
abordagens em torno do tema do autismo e valorizando o tratamento das
informações pelo cérebro. Nesta mesma época surgiram, nos Estados Unidos, as
diferentes publicações sobre os ditos “autistas sábios”, das quais decorreram
interpretações de que estes testemunhavam que as crianças autistas têm cura[8].
Em 1972, nos Estados Unidos,
uma estratégia pedagógica visava incluir os pais e transferir para a casa os
métodos utilizados em sala: o método TEACCH (Treatment and Education of
Autistic and related Communication handicapped CHildren - Tratamento e Educação
de autista relacionado
com a
Comunicação da Criança
Deficiente)[9].
Ainda
nos anos 1970, surgiram “os testemunhos da ‘emergência’ do autismo”[10]
trazendo em seu bojo uma mudança de perspectiva em relação ao tratamento deste.
Estes testemunhos mostravam que “métodos educativos improvisados pelas
famílias, poderiam resultar em melhoras espetaculares na patologia autística”[11].
Em 1978, Michael Rutter e
Eric Schopler, publicaram uma importante reavaliação dos conceitos e do
tratamento do autismo, deixando a impressão de que o autismo se apresentaria em
diferentes graus de gravidade.
Com o lançamento, em 1980, do
DSM-III, o autismo foi inserido entre os “distúrbios globais do
desenvolvimento” e, em 1987, o DSM-III-R, o descreveu como “distúrbio invasivo
do desenvolvimento”. Dentre as principais características estão uma dificuldade
na aquisição de aptidões cognitivas, linguísticas, motoras e sociais.
“Invasivo” significa que a pessoa é atingida da forma mais profunda. Estas
mudanças sugerem que o autismo dependa mais da educação especializada que da
psiquiatria. Isto nos possibilita considerar o autismo como fora do campo das
psicoses.
Em 1986, Temple Grandin,
publicou sua autobiografia nos Estados Unidos. Nesta obra emblemática, ela fala
sobre sua autoterapia baseada na construção de uma ‘máquina do abraço’. Ela
mesma se refere a isto como uma nova clínica do autismo. Tamanha foi a
importância desta publicação que acabou nas telas de cinema com o título que
leva seu nome próprio. Outros autistas seguiram Grandin na publicação de seus
relatos autobiográficos: em 1992, Sean Barron publicou, em Nova York, There’s
a Boy in Here[12] (Há um Menino Aqui); e a
jovem australiana Donna Williams, publicou Nobody, Nowhere (Ninguém,
lugar nenhum), onde afirmava poder regrar seu pensamento através das regras da
linguagem isoladas de toda relação com seu corpo, reduzindo, desta forma, os
equívocos trazidos pela linguagem que tanto a angustiavam. Em 1993, Jim
Sinclair lança “Ne nous pleurez pas (Não chorem por nós).
Ainda nos anos 1980, uma
australiana, Rosemary Crossley, inventou uma técnica de comunicação facilitada
que possibilitava, através do uso do computador, que as crianças consideradas
deficientes mentais, se expressassem de forma assistida. Muitos foram os
autistas que fizeram deste recurso a forma de expressão mais eficiente para
dizerem sobre o seu mundo próprio e suas formas de lidarem com o entorno. Em
1993, aos dezessete anos, Birger Sellin publicou, na Alemanha a sua primeira
obra – Je ne veux plus être enferme en moi. Missive venant d’une prison
autistique (Eu não quero mais estar fechado em mim. Missiva vinda de uma
prisão autística) onde ele dizia: “Na idade de quase cinco anos eu já sabia
escrever e até calcular mas ninguém percebeu isto porque eu estava totalmente
caótico por causa do medo dos seres humanos precisamente porque eu era incapaz
de falar eu não tinha nenhuma dificuldade de ler é por esta razão que eu
procurava nos livros ditos importantes tudo o que eu podia encontrar...”[13]. As
revelações de Sellin jogaram por terra todas as formulações anteriores sobre o
autismo. Sobre a angústia, ele não a reduz à cognição, no entanto, a mantém no
campo dos distúrbios psicopatológicos. Muitas foram as reações do meio
científico aos textos de Sellin. Muitos estudiosos criticaram veementemente a
comunicação assistida alegando que o “facilitador” interviria na produção e no
resultado final. No entanto, isto não se tornou uma verdade comprovada, visto
que, por exemplo, havia um padrão de escrita em Sellin, embora fossem alguns,
os “facilitadores”.
As revelações trazidas pelos
textos de Temple Grandin, Donna Williams, Sean Baron, Birgen Sellin, Jim
Sinclair e outros endossam as afirmações de Asperger sobre a riqueza do mundo
interior dos autistas, sobre a constância de traços que podem ser reconhecidos
desde a mais tenra idade e que permanecem por toda a vida, e sobre um
“essencial que permanece invariável” [14]. Eles,
por mais adaptados que estejam, por mais que possam suportar de um laço social,
todos continuam a se considerar autistas. Todos reconhecem que algo de seu modo
de funcionamento perdura na idade adulta. Nas palavras de Temple Grandin: “Se
eu pudesse, num estalar de dedos, parar de ser autista, eu não o faria, porque
eu não seria mais eu mesma. Meu autismo integra o que sou.”[15] E nas
palavras de Jim Sinclair: “o autismo não é alguma coisa que uma pessoa tem, ou
uma concha na qual uma pessoa está fechada. Não existe criança normal atrás do
autismo. O autismo é uma maneira de ser. Ele é invasivo, ele tinge toda a
experiência, toda a sensação, a percepção, o pensamento, a emoção, todos os
aspectos da vida. Não é possível separar o autismo da pessoa... e se isto fosse
possível, a pessoa que ficaria não seria mais a mesma do início”[16].
Depois destes relatos, as
bases dos debates sobre o autismo jamais foram as mesmas.
Sobre a causa do autismo e o
essencial que perdura, muitas também foram as pesquisas psicanalíticas. Os
psicanalistas Rosine e Robert Lefort começaram seus estudos com o tratamento de
Marie-Françoise, criança autista que tinha 30 meses, nos anos 1950[17]. A
partir de 1996, eles consideraram as novidades trazidas pelos autistas de alto
nível constatando que existem “graus no autismo”. Rosine e Robert Lefort, após
mais de 40 anos de intensos estudos e a publicação de diversos livros e artigos
clínicos sobre o autismo e a psicose, propõem, para o autismo, uma estrutura
psíquica diferenciada da neurose, da perversão e da psicose.
O séc. XXI encontra a
pesquisa genética com força total. No que diz respeito ao autismo, estas
consideram os autistas de alto nível como tendo saído do autismo. A abordagem
genética faz obstáculo às considerações subjetivas em relação aos autistas
impondo limites arbitrários entre autismo “verdadeiro” e “personalidades
pós-autísticas”, contrapondo-se aos relatos dos próprios autistas que insistem
em afirmarem-se como tais, mesmo socializados e estabilizados.
Como
vemos, são muitas as hipóteses diagnósticas sobre o autismo, suas causas e
tratamentos. Dependendo da variação dos critérios diagnósticos, se nos
ativermos aos dados estatísticos neles baseados encontraremos uma verdadeira
epidemia de autismo, pois algumas pesquisas indicam um aumento em até 600% de
casos de autismo no mundo. Isto nos coloca diretamente diante de um impasse: há
realmente uma epidemia de autismo ou de diagnósticos de autismo?
Se
autismo se fala no plural, assim como o seu tratamento, a Psicanálise propõe
tomar cada autista no singular. Tanto para as crianças, como para seus pais, é
crucial que possamos manter uma pluralidade de abordagens na equipe orientada
por uma mesma base teórico-clínica. São interlocutores vindos de áreas
diferentes que, com sua diversidade, abrem um leque de leituras que viabiliza a
elaboração de um caminho fecundo para cada tratamento.
Para François Ansermet,
psicanalista, professor da Universidade de Genebra, na Suíça, “O autismo não é
uma doença e deve sair do campo da medicina. O autismo é um estado, uma forma
de estar no mundo”[18]. Para a
Psicanálise, o autismo é uma questão que diz respeito à estrutura subjetiva,
isto é, às possibilidades de respostas do sujeito na sua relação com o mundo.
Trata-se
de um espectro no qual encontramos diversos graus que variam entre leve,
moderado e grave. É preciso considerar que os autistas têm dificuldades
importantes em lidarem com o mundo, e que suas famílias estão completamente
envolvidas nestas dificuldades, sobretudo em lidar com esta criança que se
apresenta tão distante de suas expectativas e ideais. São crianças que precisam
de ajuda para saírem de seus mundos fechados e encontrarem soluções próprias
para estabelecerem algum nível de relação com o exterior.
A questão do autismo não é
que lhe falte, mas, ao contrário, que lhe exceda. Daí o cuidado também com o
excesso de oferta de todas as formas: de atenção, de palavras, de
tratamentos... O autismo é uma recusa extrema ao que excede. E a proposta da
Psicanálise é a de tratar este excesso. Um tratamento onde o psicanalista se
coloca como um guia que vai atrás. Um guia que segue os caminhos sinalizados
pela criança. Pelo que a criança autista norteia, pois o saber está ali. Nela!
O trabalho do psicanalista
com os autistas visa a criar falhas e servir-se delas. Visa a falha criadora.
Este “criar” permite que o autista busque saídas próprias aos seus impasses.
A Psicanálise recusa a ideia de normalidade e
considera o homem normal “uma ficção estatística”[19]. A
especificidade da abordagem psicanalítica consiste em considerar que o sujeito
possua um saber essencial sobre seu modo de funcionamento e, por isto, é
preciso considerar seriamente o que os próprios autistas dizem. É preciso
escutá-los, pois cada autista porta em si, um ensinamento. Um ensinamento do um
a um. Tomar o autista no singular é partir do detalhe fundamental que cada um
traz consigo. E é permitir, por conseguinte, a experiência da surpresa que toca
a singularidade enquanto tal. A orientação da Psicanálise é a de que “saibamos
ignorar o que sabemos”[20] e
compreendamos que há tudo a descobrir.
Investigar o autismo é,
sobretudo, criar um espaço “(...) onde cada um é convocado a refazer por sua
conta e risco um encadeamento demonstrativo e, a cada caso, invalidar ou
prosseguir ao invés de se deixar tomar apenas pelas evidências”[21].
Investigar o autismo é, em homenagem a Temple Grandin, abrir uma porta para que
o novo surja.
Referências Bibliográficas
- S.
De Sanctis, Neuropsichiatria infantile. Patologia e diagnostica, Roma,
Stock, 1924, citado por V. Baio, “Sante De Sanctis et la dementia
praecocissima”, Quarto, 1983, IX.
- F. Bleuler, Dementia praecox ou groupe des
esquizophrenies [1911], EPEL, Paris, 1993.
- L. Kanner, “Autistic disturbances of affective
contact”, Nervous Child, 1942-1943, 3, 2, p.217-230, Tradução
francesa em G. Berquez, L’autisme infantile, PUF, Paris, 1983.
- Jean-Claude Maleval, L’autist et sa voix, Ed.
Seuil,
Paris, 2009.
5.
–, Escuchen
a los autistas, grama Ed. Buenos Aires, Argentina, 2012.
- F. Ansermet, Autisme et emergence du sujet,
in Conversation clinique - À l’écoute des autistes – Des concepts et
des cas, vol I.
- H. Asperger, «Die autistischen Psychopathen im
Kindesalter », Archiv für Psychiatrie und Nervenkrankheitten,
1944, 117, p.76-136. Tradução francesa : Les Psychopathes
autistiques pendant l’enfance.
8.
F. Tustin, Autisme
et psychose de l’enfant [1972], Seuil, Paris, 1977.
9.
M. Lansing
& E. Schopler, « L’éducation individualisée: une école publique
pilote », em M. Rutter & E. Schopler, L’Autisme.
10.
J. e S. Barron,
Moi, l’enfant autist [1992], Plon, Paris, 1993.
- B. Sellin, Une âme prisonnière.
12.
Temple Grandin,
Penser en images, O. Jacob, Paris, 1997.
13. Jim Sinclair, Ne nous pleurez pas. “Autism Network International”, “Our voice” vol. I, nº 3,
1993.
- R.
e R.Lefort, O Nascimento do Outro.
- – , La distinction de l’autisme, Seuil,
Paris.
16.
F. Ansermet, Autisme
et emergence du sujet, in Conversation clinique - À l’écoute des
autistes – Des concepts et des cas, vol I.
17. Jacques-Alain
Miller - Os signos do gozo. Paidos. Buenos Aires, Argentina.
[1] Palestra proferida no Seminário Municipal sobre
Autismo – Para cuidar, é preciso conhecer! Promovido pela Prefeitura Municipal
de Vila Velha, em 26 de setembro de 2014.
[2] Psicanalista, membro da Escola Brasileira de
Psicanálise/Associação Mundial de Psicanálise, Diretora-Presidente do Núcleo de
Referência e coordenadora da equipe Vitória do Projeto de Investigação
Psicanalítica do Autismo – PIPA (e rabiola).
[3] S. De Sanctis, Neuropsichiatria infantile. Patologia
e diagnostica, Roma, Stock, 1924, citado por V. Baio, “Sante De Sanctis
et la dementia praecocissima”, Quarto, 1983, IX, p. 51.
[5] L. Kanner, “Autistic
disturbances of affective contact”, Nervous Child, 1942-1943, 3, 2,
p.217-230, Tradução francesa em G. Berquez, L’autisme infantile, PUF,
Paris, 1983.
[7] H. Asperger, «Die autistischen
Psychopathen im Kindesalter », Archiv für Psychiatrie und
Nervenkrankheitten, 1944, 117, p.76-136. Tradução francesa : Les
Psychopathes autistiques pendant l’enfance, p. 119.
[9] M. Lansing & E. Schopler,
« L’éducation individualisée: une école publique pilote », em
M. Rutter & E. Schopler, L’Autisme, p. 542-559.
[16] Jim Sinclair, Ne nous pleurez
pas. “Autism Network International”, “Our voice” vol. I, nº 3, 1993.
[20] F. Ansermet, Autisme et
emergence du sujet, in Conversation clinique - À l’écoute des autistes –
Des concepts et des cas, vol I, p. 12.
[21] Jacques-Alain Miller - Os signos do
gozo.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
terça-feira, 9 de setembro de 2014
Encontro do Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública
Encontro do Movimento
Psicanálise, Autismo e Saúde Pública reúne profissionais de todo o Brasil em
São Paulo
O Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública (MPASP) organizou
em São Paulo, no último dia 30, um encontro com membros de todo o Brasil. Durante
o evento, realizado na Faculdade de Educação da USP, os integrantes debateram o
tema da patologização do sofrimento psíquico – especialmente na infância – e
também discutiram as propostas de ação do MPASP até o final de 2015.
O encontro foi iniciado com a projeção do filme francês “A infância
sob controle” (Marie-Pierre Jaury), que mostra a tendência crescente da
sociedade contemporânea a patologizar as manifestações infantis e
classificá-las como distúrbios de etiologia orgânica, tratadas, na maioria das
vezes, com medicação psiquiátrica.
Para o MPASP, o tratamento e a compreensão de qualquer forma
de sofrimento apresentado por uma criança devem levar em consideração,
necessariamente, o seu contexto social, sua história familiar, sua
singularidade e suas determinações subjetivas.
Após a exibição, o psicanalista Paulo Schiller comentou o
filme e abriu um debate sobre o tema. Em seguida, os participantes se dividiram
em grupos para discutir com mais profundidade alguns temas elencados como
prioritários para o MPASP: autismo, deficiência e psicose; contribuição da
Psicanálise para as políticas públicas da infância; sofrimento psíquico na primeira
infância - detecção e intervenção; patologização e medicalização da infância;
sustentabilidade de instituições de saúde mental; depoimentos de pais de
crianças e adolescentes com autismo em tratamento psicanalítico; interdisciplinaridade
na clínica; e inclusão escolar.
O Movimento foi criado há um ano e meio e, embora tenha se
articulado em torno da questão do autismo, sua atuação não se restringe a este
campo. Por conta disso, possui como principal desafio em seu planejamento
estratégico, também apresentado no encontro, consolidar-se como interlocutor
efetivo na elaboração de políticas públicas para a infância que questionem a
patologização do sofrimento psíquico e a medicalização da condição humana.
No evento, os membros do MPASP também se reuniram em plenária
para debater as principais conquistas, desafios e próximos passos do Movimento,
especialmente nos eixos político e científico, assim como a disseminação da
causa e a expansão do MPASP por meio de núcleos em diversos estados. O próximo
encontro nacional está previsto para março de 2015.
O encontro foi organizado pelo Grupo Gestor 2014/2015,
composto por Ana Elizabeth Cavalcanti, Cassia Gimenes Pereira, Denise Maria
Cardoso Cardellini, Juliana Mori, Marizilda Pugliesi, Maria Lúcia Gomes de
Amorim e Tania Rezende.
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Hacer Lugar – Fundación para la Asistencia
Investigación y Docencia en Autismo y Psicosis Infantil
Marita Manzotti (EOL/AMP) é
Presidente do Hacer Lugar – Fundación para la Asistencia,
Investigación y Docencia en Autismo y Psicosis Infantil (Buenos Aires, Argentina). Em entrevista com
Ana Martha Maia (EBP/AMP), ela conta a proposta deste belíssimo trabalho e nos
apresenta a proposta do “dispositivo suporte” na direção dos tratamentos com o
sujeito autista.
1- "Clínica del
autismo - el dispositivo soporte" é um testemunho do trabalho que tem
sido realizado pelo Hacer Lugar - Fundação para Assistência,
Investigação e Docência do Autismo e Psicose Infantil, desde 1992. Gostaria que
você apresentasse para nosso Blog o que é o Hacer Lugar, desde a
escolha deste nome para esta instituição que você dirige.
2- Na clínica ou na vida
cotidiana, em determinados momentos, o sujeito autista apresenta comportamentos
que são considerados como estranhos, inadequados e surpreendentes. O terceiro
capítulo do livro é intitulado "Clínica del detalle". Como o
efeito surpresa é tomado nesta proposta clínica do Hacer Lugar, tendo
em vista a posição e a técnica das propostas científicas?
3- Com
relação à loucura na infância, como foi elaborado o "dispositivo soporte"?
Que oferta é sustentada, na proposta deste dispositivo, para a
criança/adolescente autista, para os pais, para os espaços possíveis em que ela
estabeleça laços e para a própria instituição, o Hacer Lugar?
Autismo Infantil. Hacer Lugar
No
começo não está a origem, está o lugar. Este que serve para se orientar na
medida em que permite dispor e ter uma ideia de como está construído o suporte,
sobre o qual se inscreve o que está em jogo.
Lacan
nos diz que o lugar tem um sentindo muito diferente do lugar da topologia, e
que se trata simplesmente do lugar ao qual se chegou. “Ocupa-se o lugar a que
um ato nos empurra, e desde esse lugar se vai à direita ou à esquerda, até aqui
ou até lá”. Há circunstâncias nas quais é preciso tomar as rédeas de alguma
coisa, e essa posição, Lacan nos adverte, se consegue aos empurrões.
Fazer
“Lugar” tem sido marcado por este suporte significante desde sua criação, há
mais de vinte anos, quando foi fundado em Buenos Aires com o objetivo de levar
adiante um trabalho de investigação clínica com
crianças com Patologias graves
na subjetivação (PGS),
que permitisse verificar
a eficácia da psicanálise com eles.
Da orientação: uma leitura
Desde
o início, as leituras de Freud e Lacan foram a bússola que nos permitiu deixar
do lado a leituras das deficiências, as falhas, o “que não há” ou “não fazem”
estas crianças, para nos deixar tomar pela operatória, a produção que eles
levam adiante para habitar o mundo. Esta direção se constituiu na via oposta do
que, na atualidade, se reconhece com o nome de Trastorno Autista, Transtorno
Generalizado do Desenvolvimento (TGD) e,
na ultimíssima versão, Espectro Autista, e cujos indicadores
diagnósticos são a ausência ou as
alterações das conquistas no desenvolvimento previstas
para cada idade.
O que nos possibilitou pensar o autismo no
sentido inverso foi o peso que Freud dá ao trabalho psíquico, à atividade
psíquica. Freud considera que as perturbações, alterações, exigências que se
apresentam ao aparelho psíquico da criança, impõem uma atividade, um trabalho
em sua apropriação do mundo, dos objetos e de seu corpo ao diferenciar o mundo
da realidade do mundo da satisfação alucinatória. E ele precisa que é trabalho
o que permite à criança tolerar a frustração, discriminando e articulando o
valor do que afirma e do que existe para ele. O que nos impediria de ler como
trabalho o que as crianças autistas realizam? Crianças que, sem déficit
orgânico, possuem olhos que não olham, ouvidos que não escutam e corpos
desabitados de prazer e dor. Então: Que consequências teria esta leitura? Em oposição às típicas noções de “desconexão autista”,
“desinteresse”, “isolamento”, “crianças encapsuladas ou trancadas em uma fortaleza
vazia”, a orientação freudiana nos levava a resistir a essa descrição
generalizada da apresentação dessas crianças e nos interrogar sobre como não
cair nesse caminho tão pouco preciso e confuso.
Para isso foi preciso, então,
deixar de utilizar o modelo que o Diagnóstico Psiquiátrico (DSM ou CIE) propõe
e construir uma caracterização, uma descrição, que nos orientasse desde o
geral, no reconhecimento dos traços próprios da posição dessas crianças, sem
anular o recurso, o trabalho e a presença.
Foi assim que pudemos, a partir de
observações muito precisas, isolar cinco características presentes:
a) Um esforço por manter o Outro à margem:
sua disposição é variável, pode rejeitar ou consentir aos requerimentos que são
feitos sem que nos resultem compreensíveis os motivos, mas se apoia numa clara
decisão de não consentimento à implicação
b) Não é indiferente à presença do
outro: são distinguíveis seus comportamentos segundo o observemos ou
intervenhamos de maneira manifesta ou discreta
c) Está alojado na linguagem:
compreende nosso código ainda que não se disponha a fazê-lo seu, deixando-nos à
espera das manifestações que singularizem sua presença no dito
d) Não está disposto a ser requerido:
se insistimos ou forçamos se isolam ou desencadeiam ataques de violência e
mortificação contra si mesmo ou os outros
e) Trabalha decididamente para
conseguir contornar o encontro com o Outro: sabe fazer com esse corpo que porta
na direção do desencontro. Há cálculo e antecipação em suas respostas, que lhe
permitem evitar o confronto com a implicação, e, para isso, articula manobras
que desorientam e nos dividem
Pensar a oferta terapêutica
implicava, necessariamente, articular a localização do sujeito a quem
realizá-la e sustentar a lógica do caso que permitisse traçar os cálculos, as manobras
e as estratégias que permitirão dirigir a cura e sistematizar a experiência.
Acho necessário, neste ponto,
insistir na divergência radical existente entre o modus operandi das terapias
cognitivo-comportamentais e a psicanálise, pois, enquanto as primeiras tentam
realizar um formato cultural da mente e uma aprendizagem automática de
condutas, a direção da cura para o praticante de psicanálise se desenrola numa
dimensão de resposta do real.
A oferta que viemos sustentando no Hacer
Lugar é de implicação ao trabalho psíquico, ao consentimento, à tolerância ao
encontro. Um trabalho apoiado numa direção de localização da modalidade própria
de cada criança de habitar seu corpo, o mundo e a linguagem, ou seja, um
trabalho que não descarta a inespecificidade do sujeito, senão que
fundamentalmente a aloja.
Os Obstáculos
Para quem?
Para
quem oferecer o trabalho psíquico? Como realizar a oferta se ninguém demanda?
Miller
localizava no seu texto: Produzir ao sujeito? A posição de resistência a consentir
a falta em ser à maneira – diz – do Bartleby de Melville, que diz “preferiria
não fazê-lo”, ou no modo da criança de Diderot que recusa dizer a pela simples razão de que, depois,
será obrigado a dizer b; introduz o sério do assunto, enquanto a falta em ser
que entranha na linguagem implica um fato de gozo.
A maleabilidade da posição que encarna o psicanalista deveria
possibilitar, não deixar de fora, a particular modalidade que tem cada criança
de se sustentar desentendido dos encontros com o Outro, nessa particular
posição em que, Lacan sustenta com precisão, há um ponto de insondável decisão
do ser em jogo.
Esta insondável decisão do ser, introduzida por Lacan no texto Sobre a
causalidade psíquica, introduz a dimensão da causa, a etiologia desde uma
perspectiva absolutamente diferente das que atualmente a ciência descreve no
autismo. Nos confrontamos com que a incalculável decisão põe em jogo a
particularidade que apresentam no seu modo de lidar com ela, com o que chamamos
o “desentendimento do trauma de lalangue”.
Assim como os neuróticos se sustentam afirmando sua crença em ser um eu,
com um nome que os nomeia, na medida em que desconhecem sua relação com o gozo,
o que essas crianças sustentam é a abstenção de tomar partido pela afirmação,
permanecendo na indeterminação, evitando o confronto com a resposta frente a escolha
de “a bolsa ou a vida”, e suportam a difícil e reiterada reprodução do mesmo: contornar
os efeitos do trauma de lalangue. Esta posição tão original, sem ceder, tem
consequências no corpo, na linguagem e em relação
ao Outro. Em suas
infinitas manobras, desconcerta
pela ausência de cumplicidade com o Outro, o corpo não é afetado e a
linguagem não articula um valor de enunciação.
A partir dessa caracterização, tento evidenciar, novamente, o valor que
a psicanálise e sua prática cobram na abordagem clínica dessas crianças, na medida
em que colocam em jogo o valor do semblante na posição do analista, por uma
parte, e o de sustentar o buraco enquanto causa.
Foi, então, de fundamental
importância gerar as condições que favoreceram, na prática, dita
presença, obstaculizando a posição do amo (em suas vertentes
pedagógicas ou maternas), e
delineando a relevância
de sustentar a clínica em um trabalho de descompletar os praticantes.
O Como
A condição humana supõe,
infalivelmente, a dimensão do vazio. Algo se perde da completude e regularidade
próprias da natureza, e é o trauma de lalangue sobre o corpo, sua incidência,
do que tenta se abster a criança com transtornos precoces na subjetivação (a
chamada criança autista).
Essa falta de consentimento o deixa
coagulado em uma reiteração infinita do mesmo, sua solução é repetir, voltar a
responder sempre a mesma coisa, ficando assim marginalizado de qualquer laço.
“O mais que um”
Os
praticantes, “sempre mais
que um” a partir de uma
posição analisante, sustentam
a produção de
cada criança articulando
manobras de encontro, transformação no
oposto ou volta
contra si mesmo,
seguindo a via pulsional das crianças, evitando tampar,
com a ordem do sentido, o mal-estar que o sem sentido da produção deles gera.
Manter a disponibilidade do “desejo
bem concedido, para evitar o risco de pôr em jogo um quantum de angústia que
não seria oportuno, nem bem-vindo”,
é fundamental para Lacan, conforme
indicado no Seminário A Transferência, para acalmar a
emergência de angústia que o tratamento do real sem véu produz nos neuróticos.
“O dispositivo-suporte”
Tratando de colocar a prova a
aplicação possível da psicanálise, foi que tivemos que desenhar um dispositivo
que permitisse cumprir a dupla função de um topos (um espaço com alguma ordem
que possibilite que as coisas encontrem a maneira de cumprir sua função), por
uma parte, e de suporte (mecanismo disposto a manter
um eixo em
movimento), que não
travasse nem fosse obstáculo para
o singular trabalho que realizam essas crianças.
Um dispositivo que não só dê aval e
respeite a criança e sua escolha, senão que, também, permita que continue desdobrando
sua própria produção, ao mesmo tempo que possa habilitar uma oferta calculada
de implicação ao trabalho, ao consentimento, por uma via diferente do
forçamento, da modulação para aquilo que é esperado.
· Não é um Hospital Dia, nem um
Centro Educativo Terapêutico
· Todos os praticantes são
analisantes
· As inter-consultas e intervenções
de outros profissionais são feitas
fora da instituição.
Não há oficinas,
nem atividades propostas
· A frequência do trabalho de cada
criança está determinada em função da estratégia de trabalho traçada pela
equipe e em função da tolerância a dito
trabalho, mas não
excede três horas semanais
· Sempre há “mais que um” (praticante)
no trabalho com a criança
· Os
pais podem falar
quando quiserem, mas
são periodicamente chamados para
que sejam comunicados das hipóteses que conduzirão o trabalho. Podem participar
das sessões
· Este mesmo
critério se mantém
em relação aos
outros profissionais ou professores que possuem algum espaço de
trabalho, sejam os derivados por nós
ou os que a
criança já tinha quando chegou ao dispositivo
· Todos os terapeutas participam do
desenho das hipóteses que regerão a estratégia do trabalho com cada criança, ou
seja, todos estão informados sobre a direção da cura
· Se produz caso a caso uma
sistematização conceitual da estratégia que dirige o trabalho, articulado à
localização subjetiva em um detalhe
que sustenta a modalidade
própria de cada criança. Se realiza uma nomeação, de
dito detalhe que habita a espera antecipada dos praticantes. A partir da mesma,
registra-se se há verificação clínica dos efeitos produzidos a partir disso
· O dispositivo mantém a lógica do
Acerto de certeza antecipada:
Instante de
ver,
Tempo de
compreender e
Momento de
concluir.
A investigação clínica e a
formalização teórica nos permitiu estabelecer como direção, a partir da
implementação do dispositivo-suporte,
alojar o inesperado, enquanto cálculo que produz antecipadamente um lugar de
espera para a produção do acontecimento: encontro surpreendente que alcança
pegar desprevenida a criança em seu próprio cálculo de eludir ao Outro.
Trata-se de uma criança
de poucos anos
que apresentava sérias
dificuldades desde pequeno, e
limitava sua produção à repetição de certos percursos, que caracterizamos:
· no corpo (pulando e
correndo, de maneira torpe, deformando
a mandíbula, gesticulando risadas
ou choro, batendo em si mesmo com diferentes objetos),
· no olhar (esquivo e em permanente desvio, até ficando vesgo),
· na voz (repetindo frases com ecos, mudando os tons das mesmas frases,
reproduzindo canções, desapegado do sentido),
· com os objetos (usando-os apenas como caixa acústica para aproximá-los do
ouvido e alterar os ritmos producidos) e
· com os outros (ignorando-os, salvo se lhe davam ordens ou imperativos com
tons de voz forte, e então respondia corporalmente).
A que nos confronta uma criança com
esta apresentação, quando da cura psicanalítica se trata?
Seguindo o que Jacques Lacan
ressalta “algo na criança autista se ‘congela’, que se, por um lado, é
tentativa de uma operação de auto-defesa de tudo o que é do registro do Outro,
por outro lado, com sua pantomima, já é uma tentativa de uma operação de
autoconstrução”; podemos dizer que nos confrontamos, em princípio, com questões
fundamentais para investigar na relação entre o efeito terapêutico e seu
mais além: a função da corporização e a dialética do sujeito e o Outro.
Desde esta
posição, que se
diferencia radicalmente da
tão estendida “terapêutica
cognitivo comportamental” (adestramento de condutas), é que nos vemos
conduzidos a manter, a partir prática da psicanálise, dispositivos de
investigação clínica que permitam fazer lugar à produção de cada criança. Dispositivos
que alojem seu saber para poder captar o detalhe (a ser lido) que faz signo da
singularidade em jogo.
Localizar e
nomear o modo
único que cada criança
mantém no seu tratamento do corpo, do gozo e do Outro,
sua “autoconstrução”, habilita a via da intervenção. Essa intervenção opera um
vazio que aponta ao real na surpresa e dá lugar à novas respostas, à invenções
que habilitam novas formas de ser ali.
“O desviador” foi a
nomeação que permitiu a intervenção no caso dessa criança. Esse traço
próprio de Juan, enquanto hipótese, permitiu uma espera antecipada regida pela
introdução de desvios. Operar com seu modo de solução, manter
seus rodeios, foi a via
que os diversos
participantes utilizaram no dispositivo.
Desviar o percurso de mensagens
verbais, objetos e olhares, produziu uma parada em seus percursos, ficou
olhando o que acontecia e no ato começou a intervir com o corpo e as palavras,
organizando o destino do desviado.
O efeito de surpresa já implica um
encontro com algo não calculado, que perturba a estratégia defensiva no mesmo
território em que surge.
No ato, Juan consentiu ao trabalho
diante do imprevisto, do não calculado, do que escapa às suas previsões. Na
surpresa, surgiu um código comum.
Diante de um obstáculo suportável,
a invenção ficará novamente do seu lado. A intervenção analítica em si mesma
pode produzir um encontro tal que funde este acontecimento, o que autoriza a
conceber o analista e sua posição, situada
no lugar do
trauma, enquanto que
sua intervenção “sirva”
à afetação corporal, que implica certo consentimento ao lugar do Outro,
e uma nova resposta frente ao gozo que não seja o estrago da irrupção massiva
no corpo. Inclusive ali onde a criança terá que sustentar a decisão que tomou
de entrada.
Marita Manzotti
Tradução: Ishtar Rincon
Revisão: Anna Carolina Nogueira
Tradução: Ishtar Rincon
Revisão: Anna Carolina Nogueira
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