“À ciel ouvert” e os 30 anos do Courtil
Ana Martha Maia (EBP/AMP)
Sábado, 14 de setembro de 2013. Na pequena e
bucólica cidade de Tournai (Bélgica), o lançamento de um documentário reuniu
mais de 500 pessoas. No hall, certa
alegria no ar, durante o tempo de espera para a entrada. A grande sala do
cinema Imagix estava cheia. Crianças, famílias,
profissionais e amigos do Courtil foram convidados para esta primeira projeção de
À ciel ouvert, de Mariana Otero, filmado
em 2012. Seguida de um debate e um cocktail,
foi um dia de dupla comemoração, pelo fascinante resultado do trabalho de
Mariana e os 30 anos do Courtil!
Foi
uma curiosidade sobre o enigma da loucura que levou Mariana a pensar este filme
e escolher realizá-lo no Courtil, embora tivesse constatado, desde a primeira
reunião com os coordenadores da instituição, que ali nada encontraria com este
nome. Surpreendeu-se com o fato de que ao invés de um déficit, eles se referem a diferentes estruturas, como se cada um
tivesse uma língua própria, enquanto a maioria das pessoas, uma língua comum. No
início, Mariana não entendia nada do que diziam, sequer o que faziam neste
lugar, tanto as crianças e jovens, quantos os intervenientes. No entanto, com o
tempo, há uma mudança em seu olhar. E À ciel ouvert é o
resultado disso, um filme que captura o olhar do espectador.
Durante
esta exibição privada do documentário, eu literalmente não tirei os olhos da
tela. Através do olhar-câmara de Mariana, eu me senti participando do dia-a-dia
da instituição. A cozinha, as portas, as paredes, o jardim, a minhoca na mão da
menina, o trabalho no Ateliê do semblante, a música, o que se diz no silêncio
das palavras não ditas, o invisível do olhar... Mariana consegue estar intimamente
com as crianças e intervenientes em uma presença que, longe de ser invasora, ao
mesmo tempo mantém a distância necessária que a possibilita escolher, entre as
180 horas de gravação, as cenas do cotidiano que deseja compartilhar com o
espectador. Atenta ao modo singular com que o sujeito lida com o próprio corpo
e o outro no autismo e na psicose, mesmo sem nada saber sobre isso, ela decide
não trabalhar com seu engenheiro de som e amarra uma câmera em seu corpo, com
um sistema leve e flexível que jamais havia utilizado. Com um “corpo-câmera”,
Mariana se torna uma interveniente entre os outros, e o que mais me surpreende
em seu documentário é que ela consegue transmitir o que é impossível de
mostrar: o que é da ordem da contingência, do imprevisto, do encontro, da
invenção singular que surge de forma inesperada. Através de
Jean-Hugues, Alysson, Evanne e Amina, assim como todos os que trabalham no
Courtil, seu filme testemunha viva e poeticamente os efeitos da
psicanálise de orientação lacaniana no tratamento do autismo.
Após a exibição, Alexandre
Stevens animou um debate muito especial, aberto à plateia, em que participaram
Dominique Holvoet, Bernard Seynhaeve, Véronique Mariage, Bruno de Halleux, Philippe Hellebois, entre tantos outros, momento também do impactante
testemunho de uma mãe sobre os efeitos recolhidos do trabalho que o filho tem
realizado no Courtil. Depois do cocktail em uma das salas do cinema, a
comemoração pelos 30 anos da instituição prosseguiu com um delicioso jantar e a
festa no Collège Notre-Dame, com direito a um grande bolo flamejante,
discursos, muitas palmas e boa música para dançar.
Para completar, no final do ano, a publicação de “À ciel ouvert, entretiens – Le Courtil,
l’invention au quotidien” (Édition Buddy Movies, 2013). O filme, a festa e
o livro marcam, assim, o tempo de trabalho desta prática original da
psicanálise aplicada que tem muito a nos transmitir.
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