quinta-feira, 26 de maio de 2016

A experimentação institucional do ABA na França: uma severa desilusão (I e II)

Jean-Claude Maleval e Michel Grollier

Vinte e oito estruturas foram criadas na França (1) com a finalidade de aplicar a medida 29 do Plano Autismo 2008-2010: "Promover uma experimentação enquadrada e avaliada de novos modelos de acompanhamento". Estas vinte e oito instituições dispuseram durante muitos anos de recursos financeiros e humanos consideráveis com o intuito de estabelecer, para o essencial, a pertinência de somente um novo modelo de acompanhamento dos autistas: o método ABA (2).

Um certo privilégio
Um tal privilégio dado a esta técnica deveria surpreender: ela é certamente "recomendada" em 2013 pelo Terceiro Plano Autismo, mas "não validada cientificamente", e sujeita à numerosas críticas, notadamente sobre o plano da ética. Dois outros métodos são também "recomendados" (TEACCH e Denver), os quais certamente não são mais "validados", mas cada um está de acordo em considerar que eles são menos intrusivos para a criança autista. Sabemos que o Autismo França, sustentado por um grupo parlamentar influente, fez da promoção do método ABA um cavalo de batalha de sua cruzada contra a psicanálise. A criação de vinte e oito estruturas, todas consagradas à experimentação do ABA, mostra o tamanho do eco de seu lobbying perto dos poderes públicos. O Terceiro Plano Autismo indica que estas instituições experimentais foram criadas "a partir da demanda dos pais" (3), omitindo precisar que uma tal demanda vem exclusivamente de certas famílias: unicamente daquelas que aderem às teses do Autismo França, e não daquelas que trabalham notadamente no RAAPH para "reunião a favor de uma aproximação dos autismos humanista e plural".

Resultados esperados: 47% de êxito?
Os resultados de uma experimentação do método ABA feita nas melhores condições durante um período aproximado de cinco anos e em vinte e oito estabelecimentos, que dão suporte à 578 crianças autistas, tomam neste contexto uma particular importância. Vão eles confirmar a surpreendente estatística obtida na época da primeira experimentação do método ABA, por Lovaas e sua equipe, a saber, a cifra constantemente apresentada, desde 1987, de 47% de crianças tendo "atingindo um desenvolvimento intelectual normal e um funcionamento educativo normal, com um QI normal e uma freqüência normal de escolas primárias públicas" (4)? Os estudos posteriores eram numerosos em colocar em dúvida a validade deste resultado. Uma pesquisa detalhada investigou sobre esta questão, publicada em 2004, nos Estados Unidos, por V.Shea, conclui: "É tempo para os adeptos do método e os profissionais de parar de citar a cifra dos 47%, bem como os conceitos tais como "desenvolvimento normal", crianças "impossíveis de distinguir crianças de crianças de sua idade no desenvolvimento normal", e o fato de ter sido "curada" do autismo. Os resultados relacionados à pesquisa inicial não estão em acordo com tais interpretações: de mais, outros estudos, realizados ao longo de três decênios que se passaram desde o início desta pesquisa, colocam sistematicamente em evidência taxas de sucesso (segundo os critérios de estudo de origem), que são significativamente inferiores à 47%" (5). Uma pesquisa mais recente, realizada por V.Cruveiller, em 2012, confirma que "as reservas emitidas por V.Shea (2004) permanecem válidas. Os dados atualmente disponíveis se encontram insuficientes para confirmar cientificamente a indicação de um tratamento comportamental intensivo de crianças com autismo" (6). A Alta Autoridade de Saúde (Haute Autorité de Santé) considerou, ela mesma, em 2013, que não existe uma "presunção" científica de eficácia relacionada ao método ABA.

A questão do sobre-custo
Em fevereiro de 2015, a Caixa Nacional de Solidariedade para a Autonomia (CNSA) tornou pública uma "Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo", realizada por organizações independentes - os escritórios Cekoïa conselho e Planeta Público. O relatório final constata que "as vinte e oito estruturas experimentais se caracterizam pela aplicação de técnicas psico-educativas do tipo comportamental ABA. Estas técnicas implicam em taxas de enquadramento e uma intensidade de acompanhamento elevadas que implicam, elas mesmas, em custos globalmente mais elevados que as estruturas tradicionais do setor médico-social". Uma das principais questões às quais os avaliadores devem responderem é: "o sobre-custo do funcionamento das estruturas experimentais" permite a obtenção de melhores resultados para o futuro das crianças autistas? (7) o que o relatório de estudo toma assim: "Um dos objetivos destas experimentações é identificar se um acompanhamento intensivo (tanto no nível do número de horas, tanto do tamanho da equipe) pode permitir realizar progressos mais rapidamente que na estrutura clássica. Estes progressos devem permitir uma saída mais rápida do setor médico-social para o ambiente comum e, minimamente, uma melhora das capacidade das crianças, que é logicamente favorável a um leve acompanhamento futuro". A fim de respeitar o tamanho da equipe técnica, um profissional para uma criança, necessário a uma boa aplicação do método ABA, os custos adicionais se revelam de fato importantes: "64000 Euros/ano em vez da média de 14000 Euros para os SESSAD (8) todos os tipos de SESSAD misturados, 32000 Euros para os IME autismo sem lugar de internação e 47000 Euros para os IME autistas com ou sem lugar de internação" (9). Graças a este financiamento generoso: o tamanho da equipe por estrutura experimental, escrevem os responsáveis pelos relatórios, varia de 0,28 ETP a 2,36 ETP para uma criança. Em média, a taxa de enquadramento global (todas as categorias de personalidade misturadas) é de 1,29ETP para uma criança. A título de informação, em 2013, no nível nacional, para as estruturas do setor médico-social não-experimentais, a taxa de enquadramento média era de 0,27 ETP para uma criança dentro das SESSAD e de 0,76 ETP para uma criança dentro dos IME autismos" (10). Uma das maiores condições de funcionamento do método ABA é respeitada como o tamanho da equipe pelo pessoal em situação direta de acompanhamento (todas as estruturas experimentais misturadas) é de 1,03 ETP (11) pela criança (12). Em tais estruturas, o autista está em permanente tratamento por um profissional. Em média, o número de horas de acompanhamento semanal pela criança é de 26 horas.

Condições de trabalho de acordo com o método ABA
As condições de trabalho são aparentemente muito favoráveis: um pequeno grupo de autistas (16, em média), crianças jovens (idade média: 8,5 anos), profissionais  variados, uma co-construção do projeto com pais implicados e equipes, compostas por profissionais e pais, sustentados por uma mesma militância em favor do método ABA. O relatório constata de fato que: "Um certo número de associações de gestão e de estruturas mostram o objetivo de divulgar e de fazer com que os métodos comportamentais sejam reconhecidos como fazendo parte de suas prioridades - ou que se registrou em seu projeto de estabelecimento ou em sua atividade" (13). Ele precisa que "os profissionais (psicólogos e educadores) dominem essencialmente o método ABA, e os educadores são às vezes convidados a "desaprenderem" as outras abordagens de acompanhamento do autismo a sua chegada na estrutura (em particular, as abordagens ligadas ao método psicanalítico)" (14). Em algumas instituições-piloto, esta militância engendrou algumas dificuldades "para recrutar um psiquiatra ou um pedopsiquiatra que aceite ocupar cargo dentro de uma estrutura que aplique métodos comportamentais" (15). De modo geral, os médicos estão ali pouco presentes. O que não muito parece contrariar os intervenantes. Por outro lado, uma preocupação surpreendente se impõe a respeito da  boa qualidade aparente das condições de trabalho: "problemas de turn-over, a todos os níveis hierárquicos e, particularmente, ao nível da equipe educativa" (16). Para estes últimos, observam os relatores, a característica exigente de sua função pode se explicar por vários fatores, em primeiro lugar aqueles que eles colocam provavelmente com pertinência "os métodos de acompanhamento intensivos" e "as tarefas repetitivas ligadas à implementação do protocolos ABA" (17). Várias estruturas têm, desde então , escolhido não recrutar educadores especializados "para as tarefas de execução", mas dos profissionais menos diplomados. Lembremos da constatação de M.Dawson, um autista canadense de alto nível: "os terríveis sofrimentos das primeiras semanas do ABA não se devem à extração fora de nossos supostos mundos privados. É mais plausível que os choros, os gritos estridentes e os extravasamentos sejam os de um levantamento de uma criança que é forçada, de maneira repetitiva, a abandonar seus pontos fortes" (18). É muito provável que o turn-over dos educadores resulte da confrontação repetida aos sofrimentos da criança, suscitadas pela rigidez dos protocolos. O método ABA omitindo a vida psíquica, para somente querer conhecer os comportamentos, não casa bem com os profissionais qualificados: ele se satisfaz com poucos médicos, poucos pedopsiquiatras, poucos educadores especializados e psicólogos que conhecem somente um método.

* : Apesar de ter publicado numerosos artigos sobre o autismo nas revistas científicas, as candidaturas dos dois autores do artigo não foram selecionadas para participar da elaboração das recomendações da Alta Autoridade da Saúde (Haute Autorité de Santé) para os autistas adultos. A disposição à abertura às diversas abordagens pode ser avaliada com esse parâmetro. Do mesmo modo, o RAAPH - Reunião para uma abordagem dos autismos humanista e plural (Rassemblement pour une approche des autismes humaniste et plurielle) não foi sempre admitido no Comitê Nacional seguido do Terceiro Plano Autismo, que orienta a política do autismo na França.


                                                Tradução: Ana Martha Wilson Maia (EBP/AMP)

Para mais informações:
http://blogs.mediapart.fr/blog/patrick-sadoun/251014/le-rassemblement-pour-une-approche-des-autismes-humaniste-et-pluriell e-

1 : Estas criações se apoiam em uma circular de 5 de janeiro de 2010, da Direção Geral de Ação Social
2 : ABA : Applied Behavior Analysis (Análise Aplicada do Comportamento), elaborada por Lovaas, nos EUA, nos anos, 1980.
3 : Terceiro Plano Autismo (2013-2017), p. 58, disponível em http://social-sante.gouv.fr/IMG/pdf/plan-autisme2013-2.pdf
4 : Lovaas O.I., «Behavioral treatment and normal educational and intellectual functioning in young autisticchildren», Journal of Consulting and Clinical Psychology, 1987, 55, (1), p. 3-9.
5 : Shea V., «A perspective on the research literature related to early intensive behavioral intervention (Lovaas) for young children with autism», in Autism, SAGE Publications and the National Autistic Society, vol 8 (4), 2004, p. 349-367; tradução francesa: « Shea V. Revue commentée des articles consacrés à la méthode ABA (EIBI : Early Intensive Behavioral Intervention) de Lovaas, appliquée aux jeunes enfants avec autisme », in Psychiatrie de lenfant, LII,I, 2009, p. 296.
6 : Cruveiller V., « Les interventions comportementales intensives et précoces auprès des enfants avec autisme: une revue critique de la littérature récente »,  Cahiers de Préaut, 2012, 1, p. 107.
7 : Cekoïa Conseil et Planète publique,Evaluation nationale des structures expérimentales Autism, CNSA, Rrlatorio Final, fevereiro/2015, p.7, disponível aqui.
8 : SESSAD - Service d’éducation spéciale et de soins à domicile (Serviço de educação especial e de cuidados à domicílio.
9 : Cekoïa Conseil et Planète publique, op. cit., p. 78.
10 : Ibid., p. 28.
11 : ETP: Equivalent Temps Plein.
12 : Cekoïa Conseil et Planète publique, op. cit., p. 29.
13 :  Ibid ., p. 45.
14 :  Ibid ., p. 78.
15 :  Ibid., p. 13.
16 :  Ibid., p. 17.
17 : Ibid. , p. 59.
18 : Dawson M., «The misbehavior of behaviorists. Ethical challenges to the autism-ABA industry
»  [2004] disponível em seu site No Autistics allowed : http://www.sentex.net/~nexus23/naa_aba.


(II)

Os autores do relatório "Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo" (1), de 2015, não poderiam ser suspeitos de ter uma abordagem crítica em relação às vinte e oito estruturas experimentais (2). Mas ao contrário, eles aderem, talvez com muita facilidade, ao discurso que se encontra ali. "Para várias estruturas, escrevem eles, as relações com as equipes hospitalares e notadamente a pedopsiquiatria são complicadas, em virtude de um desconhecimento e até às vezes de uma rejeição da parte deste setor e, notadamente, de pedopsiquiatras, dos métodos comportamentais utilizados nas estruturas" (3). Não é certamente por "desconhecimento" que a maior parte das associações representativas da psiquiatria francesa se colocaram contra as recomendações do Terceiro Plano Autismo, favorecendo abusivamente o método ABA (4). Muitos pedopsiquiatras tiveram conhecimento do trabalho de V.Shea, citado mais acima e até dos de M.Dawson, e de muitos outros. Por outro lado, os militantes do Autismo França, frequentemente à origem das estruturas experimentais, dificilmente querer se informar, repetindo sem parar que o ABA seria "validado cientificamente".

Autoavaliação e resultados efetivos
De outro lado, os avaliadores se contentam com pouco, quando se trata de mostrar alguns resultados favoráreis. "As vinte e oito estruturas experimentais, afirmam eles, em sua grande maioria, são resultados positivos em termos de integração no meio comum, implicação das famílias e evolução de crianças e jovens sobre aspectos que não foram adquiridos anteriormente (apropriação, comunicação, diminuição de comportamentos-problemas...)." Como nós o sabemos? Trata-se de uma "constatação compartilhada com os profissionais e as famílias" (5). "Todas as estruturas parecem ter bons resultados, em termos de evolução das crianças e jovens acompanhados", repetem eles, tendo, no entanto, a honestidade de precisar: "mesmo se a avaliação seja fundamentada somente sobre o ponto de vista das famílias, tão satisfeitas por terem conseguido um lugar para seu filho poder se  beneficiar estes métodos, e não sobre trabalhos de pesquisas específicos" (6). Que a autoavaliação dos militantes do método ABA seja positiva, é o mínimo esperado.

Não há dúvidas de que um apoio intensivo à crianças jovens, realizado durante vários anos, venha a produzir uma melhora dos comportamentos. Contudo, alguns dados objetivos entregues parcimoniosamente pelo relatório incitam a moderar muito em relação à auto-satisfação dos militantes ABA. Sem querer se deter aí, os avaliadores chegam eles mesmos à constatação de um fracasso: "apesar dos progressos individuais constatados por uma grande maioria de crianças e jovens, o número de saídas fica limitado ao período, enquanto que este modelo de intervenção somente pode ser sustentado financeiramente se o acompanhamento intensivo por uma mesma criança for limitado no tempo (lógica de percurso)" (7). Assim, sua conclusão é clara: "esta solução é certamente interessante em termos de nível individual de prestação de serviço, mas não é sustentável financeiramente" (8). A produção efetiva de saída de crianças do apoio institucional não é suficiente para que o modelo gere uma relação custo/resultado que seja favorável. Considerando os dados de que os avaliadores disponibilizam, afirmar que esta solução é "interessante" parece mesmo abusiva: uma tal apreciação somente teria valor para satisfazer a auto-avaliação militante.

Resultados obtidos: as cifras no abismo
Lembremos que o critério que teria permitido a Lovaas objetivar 47% de resultados positivos para ABA é aquele de uma "freqüência normal de escolástica primárias públicas" pelas crianças "impossíveis de distinguir crianças de sua idade no desenvolvimento normal" (9). Quantas das 578 jovens crianças autistas submetidas ao método ABA nas instituições-piloto francesas conseguiram "uma freqüência normal de escolas públicas"?

Embora a circular da DGAS, que presidiu a experiência, tenha relatado uma tentativa de avaliação do novo modelo de acompanhamento, os dados precisos independentes da subjetividade dos participantes permanecem parcimoniosos. No entanto, parece que entre os resultados registrados por Lovaas e aquelas estruturas experimentais francesas se revela um abismo abissal.

De fato, sobre 578 crianças, é constatado com surpresa que um número ínfimo teria evoluído, até uma saída permanente de integrar um circuito escolar comum. Somente 19 crianças "saíram para um meio comum", ainda deveria ele, entre eles, subtrair aqueles que saíram em CLIS (10) e que continuaram a se beneficiar de uma AVS (11) (classes de acompanhamento especializadas, destinadas a estudantes em situação de deficiência ) - em que o número não é especificado.

A taxa de sucesso do ABA de 47% segundo Lovaas, apreciada por uma amostra muito mais representativa, aproxima então na França os 3%! Comparando com as afirmações triunfante de Leaf et McEachin, garantindo  em seu best-seller Autismo e ABA: uma pedagogia do progresso: "em 1994, Harris e Handleman analisaram vários estudos mostrando que 50% das crianças autistas, tendo seguido programas pré-escolares utilizando o ABA, estavam integradas com sucesso em classes normais e que numerosos entre eles somente necessitavam de um acompanhamento muito leve" (12).

Apesar da escassez de dados estatísticos, os avaliadores não deixam de constatar que "o número de saídas [...] é relativamente baixo". As taxas de rotação entre os efetivos (número de saídas/número de crianças acolhidas) se mostra medíocre: em média 18% (13). Ainda é preciso ressaltar que as saídas não são todas testemunhos de acompanhamentos com êxito. É esclarecido que entre as 96 crianças que deixaram as estruturas experimentais desde a sua criação, "19 (seja perto de 20%) saíram por meio comum (incluindo aí CLIS e  AVS), 18 para uma estrutura médico-social e 5 estão em domicílio sem solução. A orientação para a saída não é conhecida (não informada nas grades de acolhimento de dados das estruturas) para 54 crianças" (14). É pouquíssimo provável que as fichas não mostradas pelos profissionais militantes escondem sucessos brilhantes. Desde então, as saídas verdadeiramente positivas depois de cinco anos de aplicação do método ABA, nas condições particularmente favoráveis, se apresentam inferiores à 19 sobre 578 (15). Nada a ver com a hipótese de 50% de sucesso que estava no princípio da criação destas estruturas, destinadas a se tornarem "centros especializados".

Qual orientação depois do ABA? ABA não responde.
A pobreza dos resultados talvez dê conta de um paradoxo observado pelos avaliadores: a adesão sem reserva dos pais e dos profissionais ao método ABA é acompanhada frequentemente de pouca esperança em seus poderes. Na maioria das instituições-piloto, a saída das crianças dificilmente pode ser considerada. "Sobre 3/4 das estruturas, observam eles, há uma reflexão limitada ou não estão de jeito nenhum envolvidos na reflexão sobre as modalidades de saída das crianças. Esta constatação é particularmente problemática porque implica que a saída das crianças e sua orientação para um outro dispositivo no aval da estrutura não são ainda suficientemente antecipados e pensados de maneira global. Por outro lado, de fato, o avanço em idade das crianças implica que a questão da saída da estrutura vai se colocar mais e mais" (16).
 
A intensidade ABA é sinônimo de eficácia?
As diversas estruturas experimentais apresentam disparidades importantes quanto a seus funcionamentos, enquanto que os serviços prestados aparecem comparáveis, constatação que os avaliadores, os profissionais e os próprios pais questionaram muito. O relatório conclui que os "resultados interrogam o relatório custo-eficácia de algumas abordagens beneficiando meios (em termos de equipe técnica, número de horas de acompanhamento e investimento dos pais notadamente) bem superiores aos outros, sem por isso obter resultados significativamente superiores em termos de saída e notadamente de integração no meio comum" (18). Quando o método ABA é aplicado em todo o seu rigor, o que estava mais afirmado em algumas estruturas experimentais, o custo é mais elevado, mas os resultados não são maiores.

Vários estudos anteriores, relatados por V.Cruveiller, já colocaram este fenômeno em evidência. Eles constatam, apoiados sobre aqueles, que "o número de horas de intervenção poderia ser menos importante que o tipo de intervenção" e que a eficácia da intervenção parece depender "mais de suas características (e, antes de tudo, aquelas da criança) que do caráter intensivo da atendimento". Se trataria, portanto, de ir segundo os dados mais recentes "no sentido das intervenções terapêuticas menos intensivas, mas mais homogêneas e específicas, adaptadas às necessidades próprias a cada criança" (19).

A exclusividade ABA em questão
O relatório constata que se apoiar exclusivamente sobre o método ABA para o acompanhamento dos autistas é uma hipótese que "não é simplesmente defensável financeiramente". Contudo, ela preconiza utilizar as estruturas experimentais como "um acompanhamento especializado" para serem usadas pelos profissionais para a divulgação e o desenvolvimento dos métodos educativos, comportamentais e desenvolvimentistas (20). No entanto, ele insiste sobre a necessidade de uma melhor consideração das estruturas "de "continuidade ".

Novas recomendações conclusivas
De posse dos dados deste relatório, fundamentalmente condenáveis para o método ABA, embora se mantivesse moderada em suas conclusões, quais recomendações damos? De início, reconduzir por cinco anos a maior parte das estruturas experimentais dedicadas a este método. Em seguida, trabalhar para que se tornem "centros especializados" para garantir uma melhor divulgação dos métodos comportamentais. E, sobretudo, acrescentamos, continuar a manter no ostracismo as abordagens psicodinâmicas do autismo e a Terapia por Afinidade (Affinity Therapy) (21). Tais são sempre as orientações atuais da política francesa da gerenciamento do autismo.

                                               Tradução: Ana Martha Wilson Maia (EBP/AMP)


1 : Cekoïa Conseil et Planète publique, « Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo», CNSA, Relatório final, fevereiro de 2015, p.7, disponível aqui.
2 : Cf. Parte I deste artigo: « Vinte e oito estruturas experimentais criadas na França com a finalidade de implementar a medida 29 do Plano Autismo 2008-2010: « Promover uma experimentação com ume equipe técnica  e avaliar novos modelos de acompanhamento» (...) , para o essencial, a pertinência de somente um novo modelo de acompanhamento dos autistas: o método ABA », Lacan Quotidien n°568, 29 de fevereiro de 2016.
3 : « Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo », op. cit., p. 63.
4 : Cf Laurent É., La Bataille de l’autisme. De la clinique à la politique, Paris, Navarin/LeChamp freudien, 2012, p. 141- 153.
5 : «Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo », op. cit., p. 82.
6 : Ibid., p. 85.
7 : Ibid., p. 82.
8 : Ibid., p. 86.
9 : De fato, entre as 19 crianças acompanhadas por Lovaas, um dos nove «tendo a melhor evolução» finalmente integrou uma instituição de educação  especializada, relata McEachin, em 1993, em um estudo do futuro destas, de  modo que não podia mais ser considerada como « se desenvolvendo normalmente ».
10 : CLIS (Classes pour l’inclusion scolaire): « Classes para inclusão escolar» para crianças em situação de deficiência.
11 : AVS : « Auxiliaire de vie scolaire » para alunos em situação de deficiência. (Nota da tradutora: no Brasil, Mediação Escolar).
12 : Leaf R. McEachin J., Autisme et A.B.A. : une pédagogie du progrès [1999], Pearson Education, 2006, p. 13.
13 : « Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo », op. cit., p. 34.
14 : Ibid., p. 34.
15 : 482 crianças acolhidas em 31 de dezembro de 2013, mais 96 crianças que saíram da estrutura de experimentação.
16 : « Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo », op. cit., p. 66.
17 : Ibid., p. 88.
18 : Ibid., p. 84.
19 : Cruveiller V., « Les interventions comportementales intensives et précoces auprès des enfants avec autisme : une revue critique de la littérature récente », Cahiers de Préaut, 2012, 1, p. 104.
20 : « Avaliação nacional das estruturas experimentais Autismo », op. cit., p. 86.
21 : Cf. Perrin M. (sob a direção de), Affnity therapy. Nouvelles recherches sur l’autisme, Presses Universitaires de Rennes, 2015.




Publicado por A.A.delaR. el domingo, mayo 08, 2016




quinta-feira, 12 de maio de 2016

EVIDENCIA CIENTÍFICA, PSICANÁLISE E AUTISMO

Em resposta à campanha da Aprenem

Dr. Arseni Maxímov

Recentemente, a associação Aprenem de pais de crianças com autismo lançou uma campanha para denunciar a psicanálise como um método pretensamente não corroborado pela evidência científica e promover intervenções comportamentais “cientificamente aprovadas”, especialmente as baseadas no método ABA [1].
Além de atacar a liberdade dos pais de escolher o tipo de terapia de seus filhos, que já parece inaceitável em uma sociedade democrática, Aprenem parte de um mal entendido sobre o que é a psicanálise contemporânea, e baseiam seus argumentos em publicações que, na realidade, não demonstram tão univocamente a suposta superioridade dos métodos comportamentais.
Os autores da campanha passam longe das considerações éticas e, aparentemente, negam o direito de existir aos modos de entender a natureza do ser humano e de tratar seu mal-estar que não venham do campo científico. Cabe dizer que, ainda que os psicanalistas não dediquem seus maiores esforços a demonstrar a evidência científica de seu método, é possível encontrar muitos estudos que a demonstram. A eles nos referiremos mais adiante.
Para contribuir com um debate mais rigoroso, no presente artigo nos proporemos a interrogar algumas ideias comuns sobre a psicanálise e a evidência científica, e revisar os argumentos que Aprenem utiliza para defender sua causa.

Não existe evidência de eficácia da psicanálise? 

Hoje é um lugar comum dizer que a psicanálise é um método obsoleto não baseado em nenhum tipo de evidência cientifica. É certo que os psicanalistas tem pouca crença, e não sem razão, na avaliação estatística, mas isso não significa que não existam evidências do poder de seu método.  
Em sua revisão dos estudos sobre a psicanálise, o investigador americano Dr. Jonathan Shedler (2010) escreve: “Há uma crença que aos conceitos e tratamentos psicodinâmicos [2] lhes falta corroboração empírica ou que outras formas de tratamento são mais eficazes. Esta crença já parece andar por si só. Os acadêmicos a repetem uns a outros, assim como os médicos ou os políticos responsáveis pela saúde. Com cada reiteração sua credibilidade aumenta. Chega a um ponto em que parece pouco necessário interrogá-la ou revisá-la porque ‘todo mundo sabe que é assim’. A evidência científica diz outra coisa: um número considerável de estudos sustenta a eficácia da terapia psicodinâmica”.  
O Dr, Glen Gabbard, investigador e professor de psiquiatria do Baylor College of Medicine, afirma também que “existe um tipo de preconceito contra a terapia dinâmica, como se não houvessem provas controladas aleatorizadas que demonstrem sua eficácia” (Kaplan, 2011).
Então, se queremos falar em termos de evidência, não é preciso ir muito longe para encontrar uma quantidade de estudos que demonstrem que os métodos orientados pela psicanálise são eficazes tanto para adultos [3], como crianças com vários diagnósticos [4], incluindo o autismo [5].
Também existem estudos que comprovam que em muitos casos os benefícios da psicanálise e da terapia psicodinâmica são iguais ou superiores aos das terapias cognitivo-comportamentais [6]. Em particular, há estudos que concluíram que em certo grupo de pacientes o efeito alcançado na terapia psicodinâmica é mais duradouro e inclusive aumenta um tempo depois de acabar o curso da terapia [7], enquanto o efeito de outras terapias vai diminuindo [8]. Uma revisão recente (Gaskin, 2012) corrobora que “os efeitos da terapia psicodinâmica se mantém depois da finalização do tratamento” e que “a terapia psicodinâmica é tão eficaz quanto outras”.
Além disso, Levy et al. (2006) e Clarkin et al. (2007) demonstraram que só a terapia psicodinâmica, e não a comportamental dialética, produz mudanças em “subjacentes mecanismos psicológicos”, ou “processos intrapsíquicos, que “exercem a mudança dos sintomas”. Shedler (2010) sugere, por sua parte, que estas mudanças mais profundas podem contribuir para a longa duração dos efeitos produzidos pela terapia psicanalítica.
Também é muito curioso que, segundo o mesmo autor, “os ingredientes ativos [os que produzem o efeito benéfico] de uma terapia não são necessariamente os que supõem a teoria ou o modelo terapêutico” (Shedler, 2010). Em outras palavras, quando se demonstra que uma terapia tem êxito, frequentemente não se sabe se o tem pelo específico e novo que aportam seus criadores ou por algum outro elemento que pode ser emprestado de outro método.
As análises dos “ingredientes ativos” de várias terapias trouxeram muitas surpresas. Num estudo das terapias cognitivas se demonstrou que o componente que lhes brindava eficácia não era, como pensavam deus defensores, o componente propriamente cognitivo (Kazdin, 2007). Vários autores comprovaram que o que contribuía significantemente ao efeito benéfico tanto das terapias cognitivas como das psicodinâmicas era a aplicação por parte do terapeuta dos métodos psicodinâmicos, enquanto o componente cognitivo contribuía pouco, nada ou inclusive diminuía a probabilidade de êxito [9]. 

Mais argumentos errôneos?

Outros mal-entendidos sobre a psicanálise, dos quais a campanha de Aprenem faz uso, são, por um lado, que os psicanalistas consideram que as causas do autismo são unicamente psíquicas e, por outro, que culpam os pais pelo mal-estar de seus filhos. Ainda que faça mais de meio século que alguns autores pensavam que a causa do autismo se encontrava na relação entre mãe e filho, a psicanálise contemporânea sustenta ideias muito distintas (Álvarez, 1992).
Por um lado, os psicanalistas hoje não afirmam com clareza conhecer a causa do autismo. Não se sabe com certeza se as causas são psíquicas ou não. Mas sabemos que não existe evidência sólida que assegure que sejam hereditárias ou biológicas, e que, por tanto, que não são psíquicas. Ao contrário do que se crê, os estudos genéticos dizem que a causa do autismo é fundamentalmente desconhecida (Ansermet & Giacobino, 2012). Nenhuma mutação (Neale et al., 2012) nem “nenhuma perturbação de um gene individual nem de um conjunto de genes pode com fiabilidade predizer a condição [o autismo](State & Levitt, 2011). 
O curioso é que Aprenem assevera que se a causa do autismo é genética, então deve ser tratado com métodos comportamentais. A conexão entre a premissa e a conclusão desta frase nos parece verdadeiramente enigmática. Com o mesmo fundamento lógico se pode defender que se a causa é genética, então o melhor tratamento é a massagem ayurvédica.
Seja qual for a causa, não faz falta sabê-la para tratar os sintomas das crianças com autismo. Os psicanalistas o fazem, assim como comportamentais e outros profissionais, sem que nenhum deles saiba com certeza a causa dos sintomas que trata. Nessas circunstâncias, qualquer pretensão de ser mais científico que outros cai no autoengano.
Por outro lado, é possível ler em diversos lugares [10] que os analistas não culpabilizam os pais senão que lhes ajudam a descartar a culpa com a qual muitos chegam à primeira consulta. E, é claro, nada acredita na teoria das “mães geladeira”, que, ao contrário do que se costuma dizer, não foi criada por psicanalistas.
A propósito de outros argumentos da campanha, cabe dizer que são igualmente questionáveis. Sem ir mais longe, a afirmação de que “a psicanálise é o modelo preferível e mais dotado economicamente do sistema de saúde pública na atenção precoce e assistência infanto-juvenil das pessoas com TEA” na Catalunha, e que as praticas comportamentais “são minoritárias”, é no mínimo um exagero.
Entretanto, não existem estatísticas oficiais sobre a formação dos profissionais que trabalham nos centros mencionados. Assim, não entendemos por que Aprenem sustenta que 80% desses profissionais se orientariam pela psicanálise. Segundo nossas informações, só há dois ou três centros de atenção precoce unicamente psicanalíticos, e outros tantos comportamentais. O resto não se inclina, segundo parece, a nenhum dos dois lados, incorporando abordagens muito diversas. Não é assim, diga-se de passagem, quando se trata dos centros hospitalares de referência, nos quais a abordagem de suas equipes psiquiátricas, por exemplo, é fundamentalmente cognitiva-comportamental. 
Finalmente, um erro comum é pensar que a psicanálise com crianças é igual a dos adultos. Há inclusive pessoas que acreditam que um psicanalista deita a criança no divã e lhe faz associar livremente e contar seus sonhos. Em realidade, muitas vezes o trabalho analítico com crianças, individual ou em grupo, consiste na brincadeira ou outras atividades que o pequeno paciente aporta. Certamente, diversos estudos comprovam que o brincar terapêutico promove o desenvolvimento da linguagem, a simbolização e a capacidade de se relacionar e se comunicar com o outro fora da brincadeira [11].  

É tão certa a evidência dos métodos comportamentais? 

Vamos agora à evidência na que se baseia a afirmação da Aprenem, segundo a qual o único método cientificamente aprovado para o tratamento de crianças com autismo são “intervenções comportamentais baseadas no modelo de análise aplicada do comportamento”.
Revisamos os guias de boas práxis a que se refere Aprenem no texto de sua campanha e gostaríamos de citar aqui o que uma delas [12] diz sobre a evidência da análise aplicada do comportamento, mais conhecido como método ABA, de Lovaas:
- “Todos os estudos” revisados [13] deste método tinham “defeitos metodológicos consideráveis”;
- “A revisão concluiu que não se pode estabelecer uma relação causal entre nenhum programa particular de intervenção comportamental intensiva e o alcance de um de um funcionamento normal”;

- “O programa de Lovaas não deve ser apresentado como uma intervenção que conduz ao funcionamento normal”;
- “Uma investigação compreensiva de literatura não encontrou nenhuma evidência de boa qualidade para outras intervenções comportamentais intensivas”.
Assim, segundo este mesmo guia, a evidência do método ABA e de outras intervenções comportamentais é claramente duvidosa. Resulta difícil acreditar, mas é a mesma Aprenem quem aporta este guia com o qual se desacreditam seus próprios argumentos. 
Pode-se agregar que os críticos dos estudos do método ABA afirmam que estes “não são um experimento verdadeiro”, que “é impossível determinar o efeito” da intervenção em questão (Schopler et al., 1989) e que é preciso abordar esses estudos com “um ceticismo são” (Gresham, MacMillan, 1998).
Também se pode pontuar que o método ABA implica entre 20 e 40 horas semanais de intervenções de especialistas com participação dos pais. Com uma dedicação tão excepcional, que método não daria um resultado significante!
Em definitiva, pode-se dizer que enquanto as terapias comportamentais se consideram mais ou menos eficazes para modificar sintomas específicos de maneira muito pontual e localizada [14], elas não podem se sustentar como um método integral nem único para tratar uma criança com autismo.

Evidência versus ética

“Que obra prima é o homem...”
W. Shakespeare.

Gostaríamos de, finalmente, interrogar a ideia mesma da evidência científica em sua aplicação à psicoterapia e explicar por que os analistas desconfiam dela. A razão é bem simples: não existe nenhuma forma satisfatória de quantificar ou medir o mais próprio do ser humano e sua experiência. São coisas que não se deixam avaliar por meio da cifra, evitam qualquer tentativa de generalização.
É algo muito característico de nossa época esperar que a ciência dê uma medida de tudo. Entretanto se supõe, para nossa surpresa, que algumas coisas não podem ser medidas. Não ocorrerá a ninguém, por exemplo, estabelecer um critério científico para distinguir entre uma obra de arte genial e uma medíocre. Tampouco conseguiram criar um método científico para escrever poesia ou gerar, por mais matemáticas que sejam, cantatas de Bach. Encontramo-nos, então, diante de um paradoxo: se assume que as criações da psique humana estão fora do alcance do método científico, mas a psique mesma e suas outras manifestações não. 
Nós sustentamos, ao contrário, que a psique também está deste lado – do lado do inefável, do enigmático, do singular. De certo modo, todo sintoma é uma criação e toda criação é sintoma. Assim, tratar de investigar a psique com questionários, provas e estatísticas é o mesmo que aplicar as leis de Newton e a lógica linear a um problema de física quântica.   
O mesmo acontece quando alguém se põe a medir os efeitos da psicoterapia: às vezes se capta algo, claro, mas o mais importante escapa. Aqui a resposta dos comportamentais é fácil: o que não se capta por avaliação científica, não existe. Limitam desta forma seu trabalho ao que se pode captar. Uma intervenção comportamental pode ter por fim ensinar à criança autista uma coisa muito concreta, como dizer “Olá” e “Adeus” quando corresponde. O resultado será nem mais nem menos este, que, talvez, sem dirigir-se realmente ao outro, a criança dirá “Olá” e “Adeus” como lhe ensinaram. Com certeza, um resultado assim poderá ser avaliado e será possível demonstrar que a intervenção alcançou o que pretendia, seja qual for o valor deste alcance para a criança.
Pelo contrário, a psicanálise trabalha, em primeiro lugar, precisamente com o que escapa à quantificação. Seu objetivo consiste em mudanças subjetivas profundas, o que torna quase impossível avaliar por meio de métodos científicos o alcance de seus efeitos. Isso não impede que algumas destas mudanças profundas produzam também efeitos visíveis que, de alguma maneira, poderão também ser avaliadas por aqueles que sustentam este empenho. A criança tratada por um psicanalista também pode chegar a dizer “Olá”, mas neste caso é muito mais provável que o faça porque quer dizê-lo. Para um comportamentalista, dizer “Olá” seria um fim em si mesmo, para um analista é um efeito colateral de mudanças mais significativas.
Para dizer de outro modo, a terapia comportamental só trata os sintomas superficiais, cuja desaparição ou modificação é fácil registrar como “êxito” da intervenção. O que não se registra em um estudo é que no lugar do sintoma eliminado virá outro novo, que pode ser ainda pior. Porque eliminar um sintoma não significa solucionar o conflito que nele se manifesta – isto seria mais como tirar de uma pessoa inválida as muletas crendo que é por culpa delas que não pode caminhar. Pois os psicanalistas pretendem tratar não tanto os sintomas separadamente como o conflito subjacente. É verdade que não sabemos a causa do autismo, mas a psicanálise ensina sobre os mecanismos e a lógica de formação de seus sintomas. E é neste nível mais profundo onde atua.
Alguém pode perguntar: Se os psicanalistas não se orientam pela evidência científica, como se orientam então? Orientam-se pela ética. Os critérios éticos são muito mais importantes que outros. Importa o respeito pelo sujeito, por sua dignidade, sua liberdade de escolha e de resposta, e a não imposição. Pontuamos que precisamente esses critérios éticos são, com frequência, deixados de lado na busca de evidências. 
O método ABA, com suas aspirações de evidência, parece tratar as crianças autistas como se fossem pouco diferentes de animais para domesticar. Não é surpreendente, por outro lado, pois as técnicas comportamentais proveem de experimentos com animais. Tratando de alcançar uma “norma” imposta pelo método, forçam a criança a fazer coisas que não quer fazer, dão prêmios se faz o que lhe demandam, castigam se não, ou impedem sem reservas “os comportamentos aberrantes”, que em muitos casos são as soluções – as muletas – que a criança encontrou, e não o problema mesmo. Aliás, algo parecido afirma o mesmo guia que usa Aprenem: “os profissionais devem saber que alguns comportamentos aberrantes podem representar a estratégia da criança para lidar com suas dificuldades e circunstâncias individuais” [15].  

Para Concluir 

Toda eleição de método é, em primeiro lugar uma escolha ética. Aprenem nos vende um método, mas o método não vai sozinho. Junto dele vem os valores e as escolhas éticas implícitas que eles nos fazer aceitar como padrão. Apresentam sua causa como algo natural, evidente: Supõe-se que todo mundo está de acordo que o melhor critério para sustentar uma prática terapêutica é a evidência empírica e o único enfoque aceitável sobre o ser humano é o científico. Quais são as escolhas que comporta o método e das que Aprenem evita falar?  
Escolhem a evidência à custa da ética; escolhem um enfoque que reduz o ser humano ao visível, ao facilmente avaliável, ou seja, aos comportamentos, e ignoram o complexo, o profundo, o invisível; escolhem o generalizável, o “objetivo” no lugar do subjetivo e singular de cada um; escolhem o paradigma médico que afirma a existência da norma e a patologia e a necessidade da “correção” do “anormal”, que muitas outras abordagens questionam; escolhem aplicar nos seres humanos técnicas utilizadas no treinamento de animais; escolhem se apoiar nas ciências naturais e não nas humanas; escolhem a filosofia positivista e pragmática como se não existisse nenhuma outra.
Essas são só algumas das escolhas que Aprenem e seus defensores fazem, talvez inclusive sem dar-se conta. Se querem fazê-las, bem, que as façam, mas que sejam conscientes das consequências de sua eleição e que respeitem o direito de fazer outro tipo de escolha.
Barcelona, 3 de Abril de 2016  

Tradução: Anna Carolina Nogueira.


[1]
 Applied Behavioural Analysis (análise comportamental aplicada).
[2] As terapias psicodinâmicas são terapias baseadas na psicanálise.
[3] Bateman & Fonagy, 2008; Cogan & Porcerelli, 2005; Knekt et al., 2008; Leichsenring & Rabung, 2008; Leichsenring, Rabung & Leibing, 2004; Milrod et al., 2007; Roseborough, 2006.
[4] Fonagy & Target, 1996; Midgley & Kennedy, 2011; Schachter & Target, 2009; Windaus, 2006; Winkelmann et al., 2000
[5] Alonim, 2004; Haag et al., 2005
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[9] Ablon & Jones, 1998; Castonguay et al., 1996; Hayes, Castonguay, & Goldfried, 1996; Jones & Pulos, 1993
[10] La batalla del autismo. De la clínica a la política. E. Laurent, Grama-Navarin, 2013; El autista y su voz. J.-C. Maleval, Gredos, 2011; El tratamiento del niño autista. M. Egge, Gredos, 2008; No todo sobre el autismo. N. Carbonell e I. Ruíz. Gredos, 2013.
[11] Atlas, 1990; Josefi & Ryan, 2004; Wolfberg & Schuler, 1993
[12] Assessment, diagnosis and clinical interventions for children and young people with autism spectrum disorders. A national clinical guideline. Scottish Intercollegiate Guidelines Network (SIGN, 2007), página 18.
[13] Bassett K, Green CJ, Kazanjian A. Autism and Lovaas treatment: A systematic review of effectiveness evidence. Vancouver (BC): BC Office of Health Technology Assessment, Centre for Health Services and Policy Research (BCOHTA); 2000. Disponible en: http://www.chspr.ubc.ca/node/351.
[14] Ver nota 12.
[15] Ver nota 12.

 

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