segunda-feira, 29 de junho de 2015

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL PIPA (e rabiola)

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL PIPA (e rabiola)

Tema:   FUNDAMENTOS PARA A ABORDAGEM DA CRIANÇA AUTISTA

Convidado: GUSTAVO STIGLITZ (AME/EOL) Responsável pela Nova Rede CEREDA Argentina

Data:  02 de setembro de 2015 (quarta-feira)

Horários: De 10h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00

Local: Aliança Francesa (Rua Alaor Queiros de Araújo, 200 – Enseada do Suá – Vitória)

Valores:  até 30 de junho – R$ 60,00 (profissionais) / R$ 30,00 (estudantes com comprovação)
de 01 a 30 de julho – R$ 80,00 (profissionais) / R$ 40,00 (estudantes com comprovação)
de 01 a 31 de agosto – R$ 100,00 (profissionais) / R$ 50,00 (estudantes com comprovação)
no local: – R$ 150,00 (profissionais) / R$75,00 (estudantes com comprovação)

Inscrições: Sede da Delegação ES da EBP – Tel 3345 8133, de segunda a sexta-feira, de 14h:30 às 20h:30, com Sra. Ângela Bastos

VAGAS LIMITADAS
Haverá entrega de certificados
Realização:
Núcleo de Referência
Apoio:
Escola Brasileira de Psicanálise – Delegação ES

LACAN QUOTIDIEN. Autisme. Lettre ouverte à Madame Ségolène Neuville.

31 de maio de 2015
LACAN QUOTIDIEN. Autisme. Lettre ouverte à Madame Ségolène Neuville. 
                     
Ao Secretário de Estado encarregado de Pessoas com deficiência e da Luta contra a exclusão, junto ao Ministro dos Assuntos Sociais.

Senhora Secretária de Estado,

O Institut Psychanalytique de l’Enfant  (Instituto Psicanalítico da Criança) é uma rede científica que reúne numerosos profissionais – psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, educadores, enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas em psicomotricidade – além de professores e instituições de saúde e médico-sociais, acolhendo, entre outros, crianças e adolescentes autistas. Como atual Secretário deste Instituto, eu recolho numerosos testemunhos que evidenciam mudanças significativas e importantes em relação ao modo como foi recebida a questão do autismo e em relação às soluções buscadas desde o lançamento do 3e Plan Autisme  (3º Plano Autismo), em 2013. Parece-me que em 2015, essas mudanças esboçadas mas efetivas foram capazes de aliviar as tensões que surgiram em torno desta questão e, por ocasião da reunião do Conselho Nacional Autismo, que acontecerá nesta quinta-feira, eu gostaria de lhe informar estas observações.
Para as pessoas que sofrem de autismo, as coisas mudaram. Filmes, documentários, dão a palavra às pessoas autistas ou àqueles que as acompanham. Eles foram difundidos em inúmeros meios de comunicação, testemunhando de maneira clara e documentada o sofrimento suportado, as possibilidades oferecidas ou esperadas, a dedicação mobilizada, a escuta necessária. Obras de pais, de sujeitos autistas ditos de "alto nível", de profissionais comprometidos, têm surgido, fornecendo frequentemente um esclarecimento altamente pertinente sobre o que é designado pelo termo "mundo do autismo", a saber, a grande dificuldade de fazer contato com outras pessoas e as diversas defesas implementadas pelo sujeito para se proteger de toda demanda demasiadamente direta.
Instituições de acolhimento fundadas sobre as bases da reeducação do tipo comportamental foram criadas. Eu não cheguei a conhecer os resultados dessas ações privilegiadas pelo Plano Autismo, mas são elas de ordem tão diferente daquelas há muito tempo reconhecidas, pelos profissionais nas Instituições de tratamento já existentes?  Ou melhor, uma diminuição do limiar de angústia desses sujeitos pelo fato de encontrarem um lugar reconhecido; uma melhoria rápida dos sintomas; seguida da instalação de uma zona de defesa que, por vezes, surpreende aqueles que os acolhem; uma nova sensibilidade em relação aos acontecimentos da vida; a necessidade de um acompanhamento de longo prazo.
Entretanto, você o sabe, há ainda muitas crianças, adolescentes e adultos com autismo que não encontram lugares de acolhimento personalizado e que não se beneficiam de projetos educativos e terapêuticos que considerem suas singularidades e suas afinidades. Devemos pôr em risco o que está funcionando atualmente e apontar como mal formados os profissionais envolvidos nas Instituições já existentes?
Para os pais de crianças autistas, as coisas mudaram. Eles podem fazer suas vozes serem ouvidas, diversas, e fazer valer suas dificuldades e suas expectativas nos vários meios de comunicação e junto a numerosas instâncias, a começar pelo Comitê Nacional de Autismo. Suas associações são escutadas e têm lugar dentro dessas mesmas instâncias. Elas exercem um lobby ativo e incessante junto aos parlamentares, aos tomadores de decisão nas empresas e aos grandes meios de comunicação nacionais. A ação deles foi a ferramenta das mudanças atuais concernentes à aceitação da “Deficiência” pelo grande público e parece introduzir grandes mudanças nas políticas de saúde pública na psiquiatria infantil. Esta reconfiguração em curso veio incontestavelmente se deparar com outros interesses: promover as neurociências como portadoras de grandes esperanças na etiologia das principais patologias ditas "mentais", de agora em diante promovidas como "disfunções cerebrais"; promoção de redes de atendimentos particulares em detrimento das estruturas públicas (CAMPS, CMP, IMP); promoção de centros especializados em detrimento de estruturas polivalentes; promoção do controle e de avaliação administrativas em detrimento da conversação entre pares.
Apesar das melhorias reconhecidas na identificação precoce, na redução do prazo de acolhimento, na abertura de ofertas de tratamentos, o anúncio do diagnóstico de autismo continua a ser um momento doloroso para famílias e é sempre difícil para o profissional que assumiu a responsabilidade desta notícia, independente dos testes e métodos de apoio ao diagnóstico utilizados.
Para os profissionais encarregados de pessoas autistas, as coisas mudaram. Até então cada um exercia sua função de acordo o que ele considerava o melhor de suas conquistas em sua formação, sua experiência, seus intercâmbios com seus pares e com a valorização de suas responsabilidades em relação aos pacientes e suas famílias. Por muitos anos, o trabalho em equipe multidisciplinar, igualmente se impôs a todos, obtendo um consenso a respeito do autismo, indispensável tanto para o diagnóstico quanto para o estabelecimento de um projeto personalizado: instituição de tratamento, educação inclusiva, acompanhamentos, tratamentos especializados, aconselhamento às famílias. Essas ações, impulsionadas - lembremo-nos - pelos sucessivos planos de saúde pública, não puderam responder às necessidades crescentes e não foram acompanhadas da criação de unidades de acolhimento específicas. Além disso, como mencionado anteriormente, o próprio autismo se viu contestado em seu estatuto preliminar de "doença mental". O paradigma médico e psiquiátrico, embora "alimentado" por uma tradição humanista da psiquiatria infantil na França, apareceu como obsoleto ou mesmo escandaloso por algumas famílias e alguns dos próprios autistas. Contudo, de modo paradoxal, a noção de "deficiência", reivindicada por essas mesmas famílias ou associações, só valem na França no reconhecimento de sua dependência causal a uma doença identificada ou a um acidente, dando direitos de ajuda financeira e financiamento de assistência médica relacionados a esta afecção.
Apesar de tudo, os profissionais puderam extrair consequências desses questionamentos, vividos por eles por vezes como injustos pois, para alguns, eles foram os primeiros a tirar o autismo e as pessoas autistas do estatuto asilar em que há muito tempo tinham sido confinados.
Essas consequências são as seguintes:
- O autismo permanece até hoje, apesar de alguns exageros da mídia, um problema singular de origem desconhecida, que afeta as principais funções de relacionamento, gera numerosas hipóteses etiológicas e funcionais, nenhuma validada até agora;
- deste fato, inúmeras possibilidades de tratamento, de acompanhamento, de acolhimento, de cuidado, são agora conhecidos e disponíveis para as pessoas com autismo e suas famílias; a maioria respeita a singularidade da pessoa autista, leva em conta o nível de angústia causada pelo encontro e pela demanda, adapta esta demanda - educacional, pedagógica - ao que é suportável, utiliza os métodos disponíveis, sem denegrir outros métodos. Este nível de tolerância respeitosa precisa definitivamente ser restaurado, entre outros, pela ação do poder público.
- Mas, mais radicalmente, os profissionais são levados a mudar seu olhar sobre o autismo e sobre a pessoa autista, e a mudar seu modo de presença junto a eles: eles agora são chamados a ser "acompanhantes", "passadores", "tradutores", "facilitadores", entre o sujeito autista com sua lógica rigorosa, por vezes implacável, e o mundo comum compartilhado, feito de som e fúria. Nesse papel, eles são parceiros das famílias e, contudo, devem agir de acordo com os princípios que regem suas ações - educativa, pedagógica, médica, psicológica ...
Os poderes públicos dirão quais são as instituições que parecem hoje mais adequadas ao acolhimento e acompanhamento de pessoas com autismo e suas famílias. Eles podem optar por afastá-los do atendimento da psiquiatria pública atual, e atualmente isso, ao que parece, é a tendência dominante. Eles podem solicitar massivamente à escola para dar um novo lugar aos autistas, que respeite seus ritmos e sua intolerância à mudança. Eles podem tentar reconfigurar a área chamada "médico-social" para adaptá-la às novas categorias de "deficientes" saídas da nova nosografia psiquiátrica americana. Estas são escolhas políticas difíceis, que não são sem consequências, portanto será necessário a cada um  levar tudo isso em consideração.
Os poderes públicos, também podem ser tentados a promover determinados métodos em detrimento de outros no cuidado de pessoas com autismo. Estas "recomendações", que alguns querem fazer valer em seguida como “obrigatórias”, produzem inevitavelmente conflitos entre partidários de uns e de outros, cada um com uma boa razão para fazer valer aquilo que permitiu a seu filho encontrar um apaziguamento e sair de seu confinamento.
De nossa parte, a partir do lugar que é o nosso, tendo a oportunidade de recolher os testemunhos de muitos pais, muitos profissionais, e de acompanhar muitos sujeitos autistas, só poderíamos "recomendar" aos poderes públicos evitar tomar partido, sob o risco de reavivar conflitos que felizmente diminuíram, cada um se confrontando doravante com um certo "longo prazo" necessário a um acompanhamento de qualidade.
Senhora Secretária de Estado, eu me permiti trazer a seu conhecimento essas avaliações compartilhadas pelos meus colegas e pelas famílias de crianças e adolescentes que nos encarregamos de cuidar e tratar, na esperança de que eles encontrarão junto a você a atenção que nós acreditamos que eles merecem. Permanecendo à sua disposição, peço-lhe que aceite a expressão da minha mais elevada consideração.

Pelo Institut de l’Enfant (Instituto da Criança),
Dr. Daniel Roy, Secretário
16 de abril de 2015
Publicado por A.A.delaR, domingo, 31 de maio de 2015

Tradução: Cristina Vidigal
Revisão: Ana Martha Maia


quinta-feira, 25 de junho de 2015

Terapia da Afinidade para os autistas?

Terapia da Afinidade para os autistas?[1]

pelo Coletivo de Praticantes com autistas

A Terapia da Afinidade inventada por Ron Suskind e Dan Griffin em 2014 possui muitas propriedades notáveis que levaram nosso coletivo de praticantes com autistas a divulgá-la na França e na Europa sustentando a organização, na Universidade de Rennes 2, do primeiro colóquio universitário a ela consagrado. Nos dias 5 e 6 de março de 2015, universitários e praticantes vindos do mundo inteiro puderam trocar ideias com Ron Suskind, jornalista americano de renome, laureado com o Prêmio Pulitzer em 1995, bem como com seu filho e com Owen Suskind. A audiência era tão grande que foi necessário abrir um segundo anfiteatro para o público. No outro, cinco associações de pais de crianças autistas vieram manifestar  a sua adesão a uma abordagem plural do autismo, justificada pelas incertezas atuais da ciência: a etiologia do autismo permanece desconhecida;  sua definição flutua, os métodos de tratamento, mesmo quando recomendados pela Alta Autoridade de Saúde não estão “validados pela ciência”. 
A Terapia da Afinidade tem como foco a escolha criativa do sujeito, incitando-o a desenvolver a sua paixão: os filmes de Walt Disney, para Owen Suskind, que deles falou longamente; as plantas carnívoras, das quais Alain Ripaud se referiu; Kiriku e a feiticeira, em primeiro lugar, e depois Minecraft, para Théo, cujo percurso foi relatado por sua mãe, Valérie Gay, etc. Esta terapia parte de uma decisão e de um saber do autista – com isso, ela se opõe aos métodos preconizados atualmente, que priorizam superar as deficiências  através de técnicas de aprendizagem.  
Como a paixão de um autista é sempre singular, deduz-se daí que essa terapia não se faz a não ser no caso a caso. Ela está para ser inventada com cada um. Nisso, ela se diferencia claramente dos métodos atualmente propostos e julgados como tendo validade para todos, através de pequenas adaptações.
Esses dois princípios maiores, a proximidade do caso a caso e o apoio sobre uma invenção do sujeito, convergem de maneira impressionante com a psicanálise que orienta a coletividade, daí o nosso entusiasmo em estabelecer uma parceria com um colóquio desse tipo.
Nessa ocasião, descobrimos uma terceira propriedade notável da Terapia da Afinidade. Ali, onde não esperávamos, encontramos alguns blogs que exprimiam um ódio cego contra a própria realização do colóquio. O que deve ser ressaltado, é que neles não se criticava a própria Terapia da Afinidade. No estado atual das disputas concernentes ao autismo, é impressionante que haja uma unanimidade em relação a ela. Todos reconhecem os méritos da Terapia da Afinidade; a maior parte até mesmo afirma que já faz. O que é denunciado é a aproximação entre a Terapia da Afinidade e a psicanálise. É verdade que isso pode parecer totalmente obscuro aos que escrevem nesses blogs, porque a concepção de psicanálise que eles endossam mais parece um filme de propaganda que a caricatura; ela se encontra unificada artificialmente pelos preconceitos da organizadora refletidos por sua montagem, de maneira que a diversidade das correntes que a atravessam é completamente desconhecida.
 A Terapia da Afinidade "não é nova", dizem eles nesses blogs, e a prova de que ela não tem nada a ver com a psicanálise é que a Terapia da Afinidade “nós sempre fizemos”. No entanto, o que eles acreditam fazer não é o que nós defendemos. Ela não consiste em adaptar o método de aprendizagem utilizando como um reforçador tal ou qual afinidade; ela envolve a invenção de uma nova cura para cada um: com desenhos animados para um, com sinos para o outro, com trens para um terceiro, por vezes com um animal, etc. A Terapia da Afinidade não é o desenvolvimento de um caminho já traçado; é a criação de um percurso sob medida para cada autista. No método "ABA", o mais elogiado pelos críticos do simpósio, as invenções das crianças são percebidos como "obsessões" que dificultam o aprendizado; elas são comparadas com comportamentos aditivos; às vezes consideradas como manipulação, devem ser claramente combatidas. Como os defensores do método ABA teriam tratado a paixão de Owen por filmes de Walt Disney?
No entanto, na década de 1970, a "pratica entre vários", que é o trabalho cotidiano de muitas instituições orientadas pelo ensino de Lacan, e que é executado por praticantes de diversas origens (psicólogos, educadores, professores de escolas, fonoaudiólogos, profissionais da psicomotricidade, artistas, etc.), tomam como seu princípio maior tornarem-se parceiros da criança, o que implica uma individualização radical do tratamento, e que situa a sua fonte principal nas invenções da criança autista, por menores que sejam. Ninguém, por exemplo, ensinou-lhe a sacudir um barbante na frente de seus olhos, e, se ele faz isso com tanta frequência é porque, supomos, ter essa descoberta uma função importante para ele. Os autistas de alto nível confirmam isso em seus escritos. Fazer-se parceiro da criança é o princípio que orienta a prática do Courtil, tal como é evidenciado no filme de Mariana Otero – A céu aberto – exibido no Simpósio.
Em seus fundamentos, as abordagens psicodinâmicas (Terapia da Afinidade, psicanálise, terapia de jogos...) se opõem radicalmente aos métodos de aprendizagem. As primeiras visam construir o sujeito tomando como ponto de apoio suas invenções, as segundas procuram moldar os comportamentos levando em conta o saber do educador como o motor principal.
É certo que mais recentemente a oposição diminuiu um pouco. Algumas paixões do autista encontram lugar nas atividades de aprendizagem, sendo utilizadas como reforçadoras de tarefas, isto é, como recompensas, enquanto os psicanalistas introduzem em sua prática modalidades iniciadas pelos cognitivistas, notadamente estruturando o espaço e o tempo. Será o fosso preenchido parcialmente? Ele permanece, ainda, difícil de atravessar.
No entanto, é inegável que além dos debates acalorados, ou, talvez, graças a eles, houve uma evolução. Alguns esboços de convergência estão aparecendo na abordagem atual do autismo, pois, na conclusão do Colóquio, muitas afirmações de um dos maiores especialistas da abordagem cognitivista do autismo, o professor Laurent Mottron, pesquisador canadense, foram tomadas palavra por palavra. Suas conclusões basearam-se em pesquisas totalmente alheias à abordagem psicodinâmica, mas estão apoiadas sobre a experiência de autistas de alto nível. “Os packages são uma trapaça”, diz. Ele considera que, para cada autista, é necessário proceder através de um caminho progressivo, em função de suas capacidades especiais. Ele constata, como tantos outros, que, é a partir dos interesses específicos, que chamamos afinidades, que se desenvolvem competências cognitivas. “Quando se passa um tempo enorme em uma coisa, sublinha, passa-se menos tempo em outra”. Há muito é considerado como uma espécie de defeito do autista a falta de generalização, capacidades inúteis, etc. De fato, insiste, é necessário tomar isto como um fato: “é assim que as coisas se passam no autismo”. Ele convoca, tal como Ron Suskind, Dan Griffin e nós mesmos, a que se apoie sobre o interesse específico da pessoa autista a fim de desenvolver as suas capacidades. Do mesmo modo, ele encoraja a respeitar a alteridade do autista.
Convidamos [todos] a conhecer os desenvolvimentos da Terapia da Afinidade e os métodos psicodinâmicos de tratamento do autismo consultando os seguintes sites: o de Ron Suskind, Lifeanimated.net, e o site universitário affinitytherapy.sciencesconf.org. 
Para mais informações sobre a coletividade de praticantes com autistas: http://www.autistes-et-cliniciens.org                                                                                                  
Post Scriptum: Sobre algumas ideias falsas mais difundidas em relação à questão do autismo:
- A prática institucional de tratamento dos autistas orientada pelo ensino de Lacan não utiliza o packing, nem a piscina para crianças, nem a violência. Sobre esse último ponto o mesmo não pode ser dito em relação ao método ABA – contra o qual se rebelaram muitos autistas de alto nível. A justiça confirmou que os mal-tratos – denunciados por diapart na alta direção da ABA na França – não são difamações (Dufau S., Autismo: Vinca Rivière e a associação Pas à Pas perdem seu processo contra a Mediapart” http://goo.gl/cEbNig)
- Se a comunidade de praticantes e os organizadores do Colóquio defendessem uma culpabilização dos pais, é pouco provável que cinco associações de pais de crianças autistas, bem informados, portanto, dos conflitos atuais, fizessem intervenções no Colóquio para relatar as experiências bem sucedidas com a Terapia da Afinidade e para defender uma abordagem pluralista do autismo, não excluindo aí os modelos psicodinâmicos. 
- As poucas referências à “mãe crocodilo” feitas por Lacan, não dizem respeito, em absoluto, ao autismo. As teses de Bettelheim relativas à implicação dos pais na etiologia do autismo nunca foram unânimes entre os psicanalistas: a partir de 1965, Tustin se opôs fortemente a elas, e não parou mais de fazê-lo. Sua influência sobre a abordagem psicanalítica não era menor do que a de Bettelheim.
- Consideramos o autismo como um funcionamento subjetivo específico, e não como uma psicose. Jean-Claude Maleval explica o porquê em seus trabalhos.
- A prática psicanalítica não utiliza a terapia convulsiva (às vezes prescrita na psiquiatria), e não defende os eletrochoques. Por outro lado, a Srª. Vinca Rivière, defensora do método ABA, exalta as virtudes deles. (Dufau S., “Autismo: uma crônica embaraçosa para um centro sempre citado”, Mediapart, 3 de abril de 2012, www. mediapart.fr).
- A psicanálise não deve ser confundida com a psiquiatria. Há meio século, a psicanálise era a dominante na psiquiatria francesa; hoje, as neurociências constituem a referência privilegiada. A psicanálise se presta ao diálogo com o paciente; as neurociências examinam seu sistema nervoso. Observadores independentes sustentam que a perda de referência da psicanálise pela psiquiatria contribuiu muito para a sua desumanização.  (Cf. Coupechoux P., Um mundo de loucos. Como nossa sociedade maltrata seus doentes mentais, Paris, Seuil, 2006)
- “A” Psicanálise não existe. Ela é atravessada por várias correntes, e, em relação ao autismo, sustenta, às vezes, teses contraditórias. Isto também é verdade em relação a várias terapias comportamentais e cognitivo-comportamentais (elas não defendem o choque elétrico). Isso ainda é verdade em relação às recomendações da Alta Autoridade da Saúde cujas recomendações científicas entram, às vezes, em conflito com suas próprias recomendações éticas. Ela incentiva a se levar em conta “os gostos, os ritmos, as capacidades”, e, mesmo, “os desejos” próprios da criança autista! No entanto, ela não desaconselha o método ABA!
- A HAS [Autoridade Superior de Saúde], em 2012, recomendou para que a ABA, a TEACCH e Denver cuidassem das crianças autistas, não em nome de uma ciência triunfante, mas por falta de melhores. Ela constata, na verdade, no mesmo documento, que nenhum desses métodos tem validade científica (elas não têm mais do que uma “presunção de eficácia”; por vezes, uma “evidência fraca”). A HAS considera que todos esses métodos têm mais fracassos do que sucessos. Isto deveria incentivar certa moderação nas recomendações.
- A HAS não rejeitou o tratamento de crianças autistas pela psicanálise ou pela psicoterapia institucional: ela não tomou partido. Há uma grande diferença entre a qualificação “não consensual”, que lhe foi atribuída, e a “não recomendação”.
- A qualificação “não consensual” relativa à psicanálise e à psicoterapia institucional se justifica pela ausência de estudos baseados na metodologia da HAS (que rejeita o que é recomendado como mais operatório pelos psicanalistas que é o estudo longitudinal de caso). Ora, um estudo recente do INSERM (2014), favorável aos tratamentos psicodinâmicos, acaba de preencher essa lacuna: Thurin J.-M., Thurin M., Cohen D. & al.Abordagens psicoterapêuticas do autismo: resultados preliminares a partir de 50 estudos intensivos de caso”. Neuropsychiatrie de l’enfance et de l’adolescence 62, 2014, p. 102-118.
- Deve-se observar que as divergências, ao contrário do que vem ocorrendo, devem ser expressas através de argumentos racionais, e não pelas calúnias habituais, que, de imediato, com poucas palavras, procuram impedir a troca de ideias. 

1 Suskind R., Vida, animação: A história de Unidos para vencer, Herois e Autismo [Life, Animated : A story of Sidekicks, Heroes and Autism], Kingswell, California, 2014.
Tradução: Luis Flávio S. Couto





[1] Publicado em Lacan Cotidiano nº 489, em 13 de março de 2015.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Seminário Autismo e Psicose Infantil – da clínica à política, e retorno.


 Seminário Autismo e Psicose Infantil – da clínica à política, e retorno.

Topologicamente, a estrutura do corpo de Nadia, isto é, a do pequeno sujeito na aurora da vida, parece ser uma fita de Moebius, torcida sobre ela mesma, superfície de um só lado, sem exterior, nem interior e, mais ainda, uma superfície topologicamente não furada. Isso cria problemas em relação aos orifícios reais da criança. [...] no caso de Marie-Françoise, bloqueada diante do alimento e colando seu duplo em seu olho, vem ainda sublinhar que a superfície do corpo é o lugar da estrutura do começo da vida.
Rosine e Robert Lefort, Nascimento do Outro.
         Com “O espelho no real”, vimos que o corpo se constitui como imagem no espelho e, pela topologia dos nós, que é pela imagem que o corpo participa da economia de gozo, desde a “aurora da vida”.
         "A emergência de um apelo ao Outro" e "Conclusões" são as referências do livro para nosso tema do próximo sábado: “Topologia e borda pulsional”. Trabalharemos o corpo no autismo, por meio dos conceitos de borda pulsional e neo-borda (Laurent, A batalha do autismo e Maleval, Clinica del espectro del autismo), a partir da construção conceitual anglo-saxã, cujos principais termos são carapaça (Mahler), fortaleza vazia (Bettelheim) e encapsulamento (Tustin), tendo em vista o trabalho que Marie-Françoise realiza com Rosine.
         Na segunda parte do Seminário, com muito prazer, receberemos uma convidada: Cristiane Barreto (EBP/AMP) - integrante da Coordenação da Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte e supervisora de CAPsi. Sua apresentação de caso é intitulada "O tratamento do autismo, uma experiência".

Coordenação: Ana Martha Maia
Datas: 13 junho, 4 julho, 8 agosto, 12 setembro, 3 outubro, 7 novembro e 5 dezembro. Sábados, 10 às 12h.
Local: Sede da EBP-Rio. Rua Capistrano de Abreu, 14. Humaitá. Inscrições e informaçõesanamarthamaia@gmail.com
*Aos inscritos que ainda não receberam, solicitar o texto de Jean-Claude Maleval, "Clinica del espectro del autismo", publicado em Estudios sobre el autismo, Buenos Aires: Colección Diva, 2014.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Calidez e proximidade.




Calidez e proximidade.
Na passada quinta 7 de maio, o Centro de Exposições Joaquin Roncal de Zaragoza vestiu-se de festa com a inauguração da primeira mostra “O mundo em singular. I Encontro de Jovens Criadores com Autismo”, organizada pela Associação TEAdir-Aragon, inspirado no projeto ARTISTAS : AUTISTAS.
A surpreendente exposição, belíssima, delicada e cuidada nos mínimos detalhes, contou com três artistas (autistas) como protagonistas: Lucile Notin-Bourdeau (13 anos, Avignon), Martín Giménez Laborda (16 anos, Zaragoza) e Carlos David Illescas Vacas (40 anos, Granada). Outros jovens criadores/autistas pertencentes à Escola de Arte de Zaragoza honraram a mostra com suas obras: Luisa Hernández, Anabel Lacasta, Natalia Lisinicchia, Violette K., Diego Sanz Felipe, Gonzalo Moreno Causapé e Brenda Vallés Uriarte.
A mostra começou sua gestação dois anos antes, quando a mãe de Martin Gimenez Laborda, Cristina, pensou na comunicação entre os autistas artistas como via privilegiada para a circulação da linguagem artística, idioma em que os autistas  sentem-se mais à vontade. Cristina, junto com a presidenta de TEAdir Aragon, Maria Jesús, procuraram a Escola de Arte de Zaragoza. A parceria com a Escola foi instantânea, após elas apresentar a ideia que tinham da exposição: o conceito de expressão no autismo e o interesse dos pequenos artistas.
O depoimento de Martin sobre a exposição, as obras de cada um dos artistas e a menção aos familiares que a prestigiaram foi comovedor, arrancando aplausos muito emotivos de toda a sala.
O escritor e jornalista Antón Castro, por sua vez, falou do quanto havia aprendido contemplando a mostra: uma lição de humanidade e cordialidade. Mencionou um mundo “não singular, mas plural, compartilhado”, “repleto de diálogos”, salientando o fascinante diálogo entre os artistas.
No seguinte parágrafo transcrito do seu depoimento é possível tomar dimensão do impacto das obras:
“A arte nos comunica de maneira muito essencial e nos damos conta que ninguém nasce do nada e que em todos há fios misteriosos que nos conduzem ao passado e ao futuro, e que mexem conosco o tempo todo”.
Com a intenção que o trabalho siga e aumente, a exposição tenta dar ao autista um lugar na sociedade que faça laço social. O autista tem coisas a dizer, e elas podem ser ditas de uma forma ou outra. Precisa-se de sensibilidade, tempo, saber escutar e saber olhar e o autista nos dirá o que tenha a dizer. Qualquer disciplina artística tem cabimento para nunca deixar de tentar comunicação com o mundo autista.

Tradução: Marina Valle.