31 de maio de 2015
Ao Secretário de Estado
encarregado de Pessoas com deficiência e da Luta contra a exclusão, junto ao
Ministro dos Assuntos Sociais.
Senhora Secretária de Estado,
O Institut
Psychanalytique de l’Enfant (Instituto Psicanalítico da Criança) é
uma rede científica que reúne numerosos profissionais – psicólogos,
psiquiatras, psicanalistas, educadores, enfermeiros, fonoaudiólogos, terapeutas
em psicomotricidade – além de professores e instituições de saúde e
médico-sociais, acolhendo, entre outros, crianças e adolescentes autistas. Como
atual Secretário deste Instituto, eu recolho numerosos testemunhos que evidenciam
mudanças significativas e importantes em relação ao modo como foi recebida a questão
do autismo e em relação às soluções buscadas desde o lançamento do 3e Plan Autisme (3º Plano Autismo), em 2013. Parece-me que em
2015, essas mudanças esboçadas mas efetivas foram capazes de aliviar as tensões
que surgiram em torno desta questão e, por ocasião da reunião do Conselho
Nacional Autismo, que acontecerá nesta quinta-feira, eu gostaria de lhe informar
estas observações.
Para as pessoas que sofrem de
autismo, as coisas mudaram. Filmes, documentários, dão a palavra às pessoas
autistas ou àqueles que as acompanham. Eles foram difundidos em inúmeros meios
de comunicação, testemunhando de maneira clara e documentada o sofrimento
suportado, as possibilidades oferecidas ou esperadas, a dedicação mobilizada, a
escuta necessária. Obras de pais, de sujeitos autistas ditos de "alto
nível", de profissionais comprometidos, têm surgido, fornecendo
frequentemente um esclarecimento altamente pertinente sobre o que é designado
pelo termo "mundo do autismo", a saber, a grande dificuldade de fazer
contato com outras pessoas e as diversas defesas implementadas pelo sujeito
para se proteger de toda demanda demasiadamente direta.
Instituições de acolhimento
fundadas sobre as bases da reeducação do tipo comportamental foram criadas. Eu
não cheguei a conhecer os resultados dessas ações privilegiadas pelo Plano
Autismo, mas são elas de ordem tão diferente daquelas há muito tempo
reconhecidas, pelos profissionais nas Instituições de tratamento já existentes?
Ou melhor, uma diminuição do limiar de
angústia desses sujeitos pelo fato de encontrarem um lugar reconhecido; uma melhoria
rápida dos sintomas; seguida da instalação de uma zona de defesa que, por
vezes, surpreende aqueles que os acolhem; uma nova sensibilidade em relação aos
acontecimentos da vida; a necessidade de um acompanhamento de longo prazo.
Entretanto, você o sabe, há
ainda muitas crianças, adolescentes e adultos com autismo que não encontram
lugares de acolhimento personalizado e que não se beneficiam de projetos
educativos e terapêuticos que considerem suas singularidades e suas afinidades.
Devemos pôr em risco o que está funcionando atualmente e apontar como mal
formados os profissionais envolvidos nas Instituições já existentes?
Para os pais de crianças
autistas, as coisas mudaram. Eles podem fazer suas vozes serem ouvidas,
diversas, e fazer valer suas dificuldades e suas expectativas nos vários meios
de comunicação e junto a numerosas instâncias, a começar pelo Comitê Nacional
de Autismo. Suas associações são escutadas e têm lugar dentro dessas mesmas
instâncias. Elas exercem um lobby ativo
e incessante junto aos parlamentares, aos tomadores de decisão nas empresas e aos
grandes meios de comunicação nacionais. A ação deles foi a ferramenta das
mudanças atuais concernentes à aceitação da “Deficiência” pelo grande público e
parece introduzir grandes mudanças nas políticas de saúde pública na
psiquiatria infantil. Esta reconfiguração em curso veio incontestavelmente se
deparar com outros interesses: promover as neurociências como portadoras de
grandes esperanças na etiologia das principais patologias ditas "mentais",
de agora em diante promovidas como "disfunções cerebrais"; promoção
de redes de atendimentos particulares em detrimento das estruturas públicas
(CAMPS, CMP, IMP); promoção de centros especializados em detrimento de
estruturas polivalentes; promoção do controle e de avaliação administrativas em
detrimento da conversação entre pares.
Apesar das melhorias
reconhecidas na identificação precoce, na redução do prazo de acolhimento, na
abertura de ofertas de tratamentos, o anúncio do diagnóstico de autismo continua
a ser um momento doloroso para famílias e é sempre difícil para o profissional
que assumiu a responsabilidade desta notícia, independente dos testes e métodos
de apoio ao diagnóstico utilizados.
Para os profissionais
encarregados de pessoas autistas, as coisas mudaram. Até então cada um exercia sua
função de acordo o que ele considerava o melhor de suas conquistas em sua
formação, sua experiência, seus intercâmbios com seus pares e com a valorização
de suas responsabilidades em relação aos pacientes e suas famílias. Por muitos
anos, o trabalho em equipe multidisciplinar, igualmente se impôs a todos, obtendo
um consenso a respeito do autismo, indispensável tanto para o diagnóstico
quanto para o estabelecimento de um projeto personalizado: instituição de
tratamento, educação inclusiva, acompanhamentos, tratamentos especializados,
aconselhamento às famílias. Essas ações, impulsionadas - lembremo-nos - pelos
sucessivos planos de saúde pública, não puderam responder às necessidades
crescentes e não foram acompanhadas da criação de unidades de acolhimento
específicas. Além disso, como mencionado anteriormente, o próprio autismo se
viu contestado em seu estatuto preliminar de "doença mental". O
paradigma médico e psiquiátrico, embora "alimentado" por uma tradição
humanista da psiquiatria infantil na França, apareceu como obsoleto ou mesmo
escandaloso por algumas famílias e alguns dos próprios autistas. Contudo, de
modo paradoxal, a noção de "deficiência", reivindicada por essas
mesmas famílias ou associações, só valem na França no reconhecimento de sua
dependência causal a uma doença identificada ou a um acidente, dando direitos
de ajuda financeira e financiamento de assistência médica relacionados a esta
afecção.
Apesar de tudo, os
profissionais puderam extrair consequências desses questionamentos, vividos por
eles por vezes como injustos pois, para alguns, eles foram os primeiros a tirar
o autismo e as pessoas autistas do estatuto asilar em que há muito tempo tinham
sido confinados.
Essas consequências são as
seguintes:
- O autismo permanece até hoje,
apesar de alguns exageros da mídia, um problema singular de origem
desconhecida, que afeta as principais funções de relacionamento, gera numerosas
hipóteses etiológicas e funcionais, nenhuma validada até agora;
- deste fato, inúmeras
possibilidades de tratamento, de acompanhamento, de acolhimento, de cuidado,
são agora conhecidos e disponíveis para as pessoas com autismo e suas famílias;
a maioria respeita a singularidade da pessoa autista, leva em conta o nível de
angústia causada pelo encontro e pela demanda, adapta esta demanda -
educacional, pedagógica - ao que é suportável, utiliza os métodos disponíveis,
sem denegrir outros métodos. Este nível de tolerância respeitosa precisa
definitivamente ser restaurado, entre outros, pela ação do poder público.
- Mas, mais radicalmente, os
profissionais são levados a mudar seu olhar sobre o autismo e sobre a pessoa
autista, e a mudar seu modo de presença junto a eles: eles agora são chamados a
ser "acompanhantes", "passadores", "tradutores", "facilitadores",
entre o sujeito autista com sua lógica rigorosa, por vezes implacável, e o
mundo comum compartilhado, feito de som e fúria. Nesse papel, eles são
parceiros das famílias e, contudo, devem agir de acordo com os princípios que
regem suas ações - educativa, pedagógica, médica, psicológica ...
Os poderes públicos dirão quais
são as instituições que parecem hoje mais adequadas ao acolhimento e
acompanhamento de pessoas com autismo e suas famílias. Eles podem optar por
afastá-los do atendimento da psiquiatria pública atual, e atualmente isso, ao
que parece, é a tendência dominante. Eles podem solicitar massivamente à escola
para dar um novo lugar aos autistas, que respeite seus ritmos e sua intolerância
à mudança. Eles podem tentar reconfigurar a área chamada "médico-social"
para adaptá-la às novas categorias de "deficientes" saídas da nova nosografia
psiquiátrica americana. Estas são escolhas políticas difíceis, que não são sem
consequências, portanto será necessário a cada um levar tudo isso em consideração.
Os poderes públicos, também
podem ser tentados a promover determinados métodos em detrimento de outros no
cuidado de pessoas com autismo. Estas "recomendações", que alguns
querem fazer valer em seguida como “obrigatórias”, produzem inevitavelmente
conflitos entre partidários de uns e de outros, cada um com uma boa razão para fazer
valer aquilo que permitiu a seu filho encontrar um apaziguamento e sair de seu
confinamento.
De nossa parte, a partir do
lugar que é o nosso, tendo a oportunidade de recolher os testemunhos de muitos
pais, muitos profissionais, e de acompanhar muitos sujeitos autistas, só
poderíamos "recomendar" aos poderes públicos evitar tomar partido,
sob o risco de reavivar conflitos que felizmente diminuíram, cada um se
confrontando doravante com um certo "longo prazo" necessário a um
acompanhamento de qualidade.
Senhora Secretária de Estado,
eu me permiti trazer a seu conhecimento essas avaliações compartilhadas pelos
meus colegas e pelas famílias de crianças e adolescentes que nos encarregamos
de cuidar e tratar, na esperança de que eles encontrarão junto a você a atenção
que nós acreditamos que eles merecem. Permanecendo à sua disposição, peço-lhe
que aceite a expressão da minha mais elevada consideração.
Pelo Institut de l’Enfant (Instituto da Criança),
Dr. Daniel Roy, Secretário
16 de abril de 2015
Publicado por A.A.delaR,
domingo, 31 de maio de 2015
Tradução: Cristina
Vidigal
Revisão: Ana Martha Maia
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