Ana Martha Wilson Maia (EBP/AMP)
Entre as
diversas abordagens sobre causa, diagnóstico e proposta
de tratamento, uma surpreendente experiência foi divulgada em 2014, pelo pai de
um menino autista, e tem sido amplamente comentada. A “Terapia da Afinidade” (Affinity
Therapy) - termo proposto por Suskind (o pai) e Griffin (o terapeuta) para o tratamento que foi realizado com o
menino Owen - ficou conhecida a partir
da publicação do livro de Suskind intitulado Life, Animated que agora
virou roteiro cinematográfico. No Brasil, o filme acaba de ser lançado no
Festival do Cinema, no Rio de Janeiro.
Relatado
pelos pais e por ele mesmo, o surgimento do autismo de Owen foi devastador para
todos, como mostra a passagem da cena em que o menino (como Peter Pan) brinca
de espada com o pai, à cena em que se ausenta do mundo e, entre outras coisas
que manifesta, para de falar.
A busca
de tratamento e de uma escola que possa acolhê-lo com seu modo diferente de
ser, o bullying, as crises, o filme ilustra o sofrimento de um sujeito
que deseja se relacionar com os outros e não consegue, e o sofrimento dos pais
e do irmão mais velho, inclusive pela preocupação com o futuro dele.
"Estamos envelhecendo e queremos que ele seja independente e possa se
cuidar sozinho"- pensam Suskind e Cornelia, a mãe, enquanto o irmão desde
pequeno se sente responsável por ele e imagina como será difícil quando não
poderem mais contar com os pais. Quando percebe que Owen está na adolescência,
Walter quer ensiná-lo a "beijar de língua", quer falar com ele sobre
sexo. Afinal, os autistas crescem.
Mas Owen
teve a sorte de ser escutado, mesmo sem nada dizer. Sempre adorou assistir aos
filmes da Disney com o irmão e, em um
certo dia, os dois meninos, diante da cena em que e A Pequena Sereia (The Little Mermaid) perde a fala no
acordo que faz com a bruxa do fundo do mar, ele disse: "sussuvoz" (juicervose) Sua mãe explicou que ele falara “apenas
sua voz” (just your voice). Como a
Pequena Sereia, Owen havia perdido a voz.
Uma cena
que também se destaca: Owen sentado na cama, assistindo um filme como sempre, e
o pai entra, percebe que ele repete todas as falas dos personagens, que ele as
sabia de cor. Suskind cobre o corpo e a cabeça com um lençol, pega com uma das
mãos um boneco de pelúcia que é personagem de um dos desenhos e se aproxima,
imitando a voz e repetindo as frases do boneco no filme ... Owen responde. Ele
fez dos personagens da Disney um duplo autístico e assim voltou a falar,
separando a linguagem, da enunciação. Suskind diz que era preciso entrar na
prisão do autismo do filho e tirá-lo de lá. "Uma janela se abriu e a luz
entrou".
A
emocionante formatura, a separação dos pais, o momento de se mudar para uma
residência assistida, o namoro, o beijo, a primeira decepção, o emprego em um
cinema (tinha que ser!) ... enquanto o espectador acompanha a história de um
jovem adulto, em seus 23 anos, tem a oportunidade de conhecer sua preciosa invenção:
"A Terra dos Coadjuvantes Perdidos", desenho animado criado por ele,
cujo personagem principal é ele mesmo. O mundo invade, é violento, este é o
tema da criação do personagem Fussbitch e da maldade da floresta.
Entre
cenas do passado, filmadas em família, e cenas atuais, as lacunas de imagem são
preenchidas por desenho animado, documentando também a apresentação de Owen no Colóquio
Terapia da Afinidade, realizado nos dias 5 e 6 de março de 2015, na
Universidade de Rennes II. Universitários e praticantes da psicanálise de
diversos países, entre eles analistas do Campo Freudiano, tiveram a
oportunidade de escutá-lo falar sobre sua vida e a paixão pelos desenhos da
Disney.
"Minha
infância passou, mas isso não importa. Meu futuro? Ainda estou buscando
ele". Há um futuro para os autistas, Owen nos ensina. Para os autistas e
para todos os que seguem na vida, com seus modos de gozo mais ou menos
"diferentes", na direção de seus desejos.
Life, animated. Direção: Roger
Ross Williams. Com Owen Suskind, Ron Suskind, Cornelia Suskind e Walter
Suskind. Estados Unidos/França. 2016.
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