sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Life, animated, o filme - ou quando uma janela se abre.


Ana Martha Wilson Maia
(EBP/AMP)
Entre as diversas abordagens sobre causa, diagnóstico e proposta de tratamento, uma surpreendente experiência foi divulgada em 2014, pelo pai de um menino autista, e tem sido amplamente comentada. A “Terapia da Afinidade” (Affinity Therapy) - termo proposto por Suskind (o pai) e Griffin (o terapeuta) para o tratamento que foi realizado com o menino Owen -  ficou conhecida a partir da publicação do livro de Suskind intitulado Life, Animated que agora virou roteiro cinematográfico. No Brasil, o filme acaba de ser lançado no Festival do Cinema, no Rio de Janeiro.
Relatado pelos pais e por ele mesmo, o surgimento do autismo de Owen foi devastador para todos, como mostra a passagem da cena em que o menino (como Peter Pan) brinca de espada com o pai, à cena em que se ausenta do mundo e, entre outras coisas que manifesta, para de falar.
A busca de tratamento e de uma escola que possa acolhê-lo com seu modo diferente de ser, o bullying, as crises, o filme ilustra o sofrimento de um sujeito que deseja se relacionar com os outros e não consegue, e o sofrimento dos pais e do irmão mais velho, inclusive pela preocupação com o futuro dele. "Estamos envelhecendo e queremos que ele seja independente e possa se cuidar sozinho"- pensam Suskind e Cornelia, a mãe, enquanto o irmão desde pequeno se sente responsável por ele e imagina como será difícil quando não poderem mais contar com os pais. Quando percebe que Owen está na adolescência, Walter quer ensiná-lo a "beijar de língua", quer falar com ele sobre sexo. Afinal, os autistas crescem.
Mas Owen teve a sorte de ser escutado, mesmo sem nada dizer. Sempre adorou assistir aos filmes da Disney com o irmão e, em um certo dia, os dois meninos, diante da cena em que e A Pequena Sereia (The Little Mermaid) perde a fala no acordo que faz com a bruxa do fundo do mar, ele disse: "sussuvoz" (juicervose) Sua mãe explicou que ele falara “apenas sua voz” (just your voice). Como a Pequena Sereia, Owen havia perdido a voz.
Uma cena que também se destaca: Owen sentado na cama, assistindo um filme como sempre, e o pai entra, percebe que ele repete todas as falas dos personagens, que ele as sabia de cor. Suskind cobre o corpo e a cabeça com um lençol, pega com uma das mãos um boneco de pelúcia que é personagem de um dos desenhos e se aproxima, imitando a voz e repetindo as frases do boneco no filme ... Owen responde. Ele fez dos personagens da Disney um duplo autístico e assim voltou a falar, separando a linguagem, da enunciação. Suskind diz que era preciso entrar na prisão do autismo do filho e tirá-lo de lá. "Uma janela se abriu e a luz entrou".
A emocionante formatura, a separação dos pais, o momento de se mudar para uma residência assistida, o namoro, o beijo, a primeira decepção, o emprego em um cinema (tinha que ser!) ... enquanto o espectador acompanha a história de um jovem adulto, em seus 23 anos, tem a oportunidade de conhecer sua preciosa invenção: "A Terra dos Coadjuvantes Perdidos", desenho animado criado por ele, cujo personagem principal é ele mesmo. O mundo invade, é violento, este é o tema da criação do personagem Fussbitch e da maldade da floresta.
Entre cenas do passado, filmadas em família, e cenas atuais, as lacunas de imagem são preenchidas por desenho animado, documentando também a apresentação de Owen no Colóquio Terapia da Afinidade, realizado nos dias 5 e 6 de março de 2015, na Universidade de Rennes II. Universitários e praticantes da psicanálise de diversos países, entre eles analistas do Campo Freudiano, tiveram a oportunidade de escutá-lo falar sobre sua vida e a paixão pelos desenhos da Disney.
"Minha infância passou, mas isso não importa. Meu futuro? Ainda estou buscando ele". Há um futuro para os autistas, Owen nos ensina. Para os autistas e para todos os que seguem na vida, com seus modos de gozo mais ou menos "diferentes", na direção de seus desejos.

Life, animated. Direção: Roger Ross Williams. Com Owen Suskind, Ron Suskind, Cornelia Suskind e Walter Suskind. Estados Unidos/França. 2016. 

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