A EBP já tinha se
incluído na política da psicanálise para o autismo no início de 2012, época em
que sua Diretoria publicou o livro Autismos(s)
e atualidade: uma leitura lacaniana. Também havia constituído un blog:
autismoepsicanalise.blogspot.com.br , para difundir textos clínicos e teóricos
sobre sua concepção do autismo.
En novembro de
2012, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo chamou clínicas especializadas
para a assistência à população com autismo, com a exigência que se orientassem
pela abordagem cognitivo-comportamental. Psicanalistas de diversas orientações
se mobilizaram, fundando o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública, que
conta hoje com mais de 500 filiados e é reconhecido pelo Ministério da Saúde. A Comissão Autismo da
EBP foi constituída como una forma de establecer laços com o Movimento.
No comentário do
filme Otras voces, recordou-se que o
filme surgiu na Catalúnia quando houve tentativas de rechaçar a presença da
psicanálise no tratamento do autismo. Depois de um Fórum e de iniciativas de
pais e profissionais para defender o discurso analítico, Ivan Ruíz pensou que
um filme iria mais longe que a apresentação de un caso clínico.
O filme ensina que trata-se
de algo complexo e constrói um tecido de imagens, vozes e testemunhos que
afirmam e demonstram que há vários modos de estar na vida. Um divã atravessa as
cenas e deixa claro de onde se fala. A partir da psicanálise e da experiência
de encontro com autistas, destaca-se que o autismo é uma posição do ser.
Vozes e testemunhos
dos pais trazem sua dor e seu espanto frente a um diagnóstico que não entendem
e que os interroga. Interrogam suas falhas e sentem-se culpados. O testemunho
se estende quando marca a diferença que o encontro com a psicanálise pôde
trazer a estas famílias. Os pais passam a ter um novo olhar e uma nova escuta
de seus filhos e resgatam sua função de pais, no lugar onde só havia culpa e
desamparo.
O contraponto se apresenta
na voz e presença carismática de Albert, em um ritmo que recorta, bordeja e,
sobretudo, mostra as operações possíveis que alguém que recebeu este
diagnóstico faz na sua relação com seus pais, seu amigo e claramente em sua relação com a linguagem e
com a fala. Relação que ele compara com um labirinto “um pouco tenebroso na
entrada, mas quando se entra, parece que era mais tenebroso antes de entrar”. E
logo, uma direção: “Penso que é muito importante que as pessoas reflitam sobre
tudo o que estou dizendo”.
O filme apresenta o
olhar diferenciado da psicanálise na relação com o autismo a partir do
testemunho de um jovem e da experiência dos pais, avós, familiares e psicanalistas
que praticam com estas crianças.
Na internet, os
testemunhos dos que assistiram ao filme e que estão de acordo com os direitos
de escolha, pelos pacientes e responsáveis, por seu tratamento em instituições
públicas, são comoventes e decididos. Otras
voces fala do desejo de fazer-se ouvir, daqueles que reagem contra a
pressão exercida por associações anti-psicanálise. Há uma reação, como indicam,
por exemplo, as recentes associações criadas por pais e amigos de pessoas
autistas “com o objetivo de promover uma abordagem que leve em conta sua subjetividade
e acolha suas invenções”.
Eric Laurent
destaca o trabajo do autista de fazer calar o ruído da língua, o que torna a
docilidade, o respeito e o silêncio pontos clínicos essenciais na abordagem pelos
psicanalistas. O autista é aquele que tenta de todas as formas reduzir o
equívoco ao silêncio. Mas devemos levar em conta o gozo que acompanha este
cálculo onde a repetição do Um não consegue tratar o deslizamento permanente da
lalação. Podemos acompanhar Albert em sua visita ao museu Tim-Tim. “É preciso
que o sujeito construa seus modos de tratamento do equívoco que muitas vezes se
encontra separado do corpo. E não funciona como o delírio psicótico que em
alguma medida põe em jogo o imaginário do corpo”.
É impressionante a
sensibilidade do diretor do filme para recolher um significante singular de
Albert como ápice do filme, significante que traz a marca do que Lacan buscava
em suas apresentações de pacientes, como a assinatura de uma relação particular
com a linguagem. Albert conclui sua série de treze significantes com “acostuflante”, palavra que lhe cai bem
“para que soe estranha e também legal”.
Se nem tudo es
“Asperger”, se há seu caráter, seu modo de estar na linguagem, há complexidade,
e há principalmente a possibilidade de estar na vida de diversas formas e mesmo
de uma forma “acostuflante”. E de falar com ironia do psiquiatra que encontrou
um virus em seu cérebro. “Ele necessita tratamento”.
Na psicanálise de orientação lacaniana, é fundamental o testemunho do
sujeito. Desde Albert até os autistas reconhecidos por suas invenções, trata-se
de aprender com o sujeito, esvaziando o lugar do saber. Por isso, talvez, Ivan
Ruíz esvazia o divã, que passeia pelos mais diversos lugares e dá a palabra aos
mais diversos personagens no filme: pais, educadores, psicólogos, psicanalistas,
na prática feita por vários. Como nos testemunhos de passe, pode-se ver nas
entrevistas com Albert e com os diversos casais, uma pasagem do sofrimento
inicial a uma satisfação no final. Efeitos da psicanálise.
Elisa Alvarenga
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