A mobilização promovida
pela Escola Brasileira de Psicanálise, em torno da questão do Autismo,
possibilitou a criação do Observatório do Autismo da EBP no FAPOL, e avança
capitaneada pelos membros da EBP, fortemente, em seus objetivos, em várias
cidades brasileiras, ocupando os espaços públicos e privados,
capazes de aglutinar os heroicos guerreiros envolvidos nessa batalha, que são
os profissionais de saúde, pais, educadores, familiares, cuidadores,
legisladores, autoridades, etc.
O Ateliê de Clínica Psicanalítica
da Orientação Lacaniana - ACPOL, inscrito em 17 de fevereiro de 2013 no
LABRASIVO, do Instituto Lacan, interage com os mais variados segmentos da
sociedade, promovendo diálogos com profissionais liberais, estudantes,
psicanalistas, artistas, professores. Atento às demandas oriundas do “Universo Autista”,
preocupado com a LEI Nº
12.764, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012 - lei brasileira que
Institui a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno
do Espectro Autista, que qualifica como doença o comportamento autista,
insatisfeito também com as consequências da edição do DSM-5, com a patologização da infância,
e ainda, desconfortável com os resultados e os métodos de tratamento
praticados, o ACPOL, a partir de 2013, assume a liderança na cidade de
Curitiba, nesse campo de luta, inspirado no livro de Éric Laurent “A BATALHA DO
AUTISMO”, Da clínica à política.
O ACPOL em sua inserção
no Autismo utiliza como premissa a questão “o que o autismo pode nos ensinar”.
Aplica no desenvolvimento dos trabalhos, nesse campo de pesquisa, estudo e
ensino, uma estratégia sempre orientada pela singularidade do sujeito autista,
em sua posição no mundo, e procura viabilizar a participação das pessoas que
fazem parte do universo social de cada autista.
Em 2014 o Ateliê de Clínica
Psicanalítica da Orientação
Lacaniana começou a desenvolver trabalho de pesquisa e
ensino junto ao Laboratório de Psicopatologia da UFPR, na linha de pesquisa “O
Autismo, as psicoses e suas interfaces na Psicanálise”. E é dentro desta
parceria com a universidade, que nesse mesmo ano de 2014, realizou o curso de
extensão “O que o Autismo pode nos ensinar”, que agora, no segundo semestre de
2016, é reeditado, com uma temática mais abrangente, dentro de um formato mais
participativo e com a colaboração de profissionais com larga experiência prática e teórica
na área do Autismo.
Consciente do grau de
dificuldade que é dialogar com um grupo heterogêneo de pessoas, em sua
formação, onde muitos participantes desconhecem os conceitos fundamentais da
psicanálise, o ACPOL preparou um conteúdo capaz de atingir adequadamente a
todos os participantes, percorrendo os aspectos históricos e conceituais do
Autismo, bem como as experiências acumulados por profissionais, pesquisadores e instituições de viés
psicanalítico no campo do Autismo, abrindo espaço para o diálogo e troca de
experiência
com pais, cuidadores, autistas e profissionais da área da saúde e educação.
Neste sentido novos colegas do Ateliê puderam compartilhar suas experiências, como foi o
caso singular do trabalho relacionado com a temática da Educação, da Inclusão
do Autismo e as Leis, apresentado por Elizabete Albuquerque, que também é mãe
de autista, sobre o título muito feliz de “Os Vários Olhares Sobre a Inclusão”.
Apresentação que suscitou amplo debate, onde aspectos como normalidade,
inclusão, aceitação da diferença, foram exaustivamente dissecados e alçados ao
nível de
significantes mestres.
Nessa primeira semana
do curso, Luiz Carlos Pinto Bueno, membro do ACPOL, articulou num texto
intitulado “Singularidade, uma especificidade do Autismo”, aspectos
fundamentais da visão psicanalítica do Autismo, e elementos determinantes a
serem considerados nessa batalha que ora se faz. A questão da singularidade
mexeu fortemente com os participantes e sensibilizou uma mãe de filho autista,
que prestou um longo depoimento, emocionado, sobre a Via Crucis que teve que
percorrer, e ainda percorre, no sentido da educação, da inclusão na escola, da
não aceitação da diferença, da relação com a “normalidade” que ainda se impõe
como modelo ideal e impacta significativamente, de forma negativa, no
desenvolvimento da criança autista.
Oferecendo uma visão
geral da questão, Gleuza Salomon, coordenadora do ateliê, abordou a origem do
conceito do Autismo no diálogo
entre Freud e Bleuler, a cisão na esquizofrenia, o autoerotismo, a descrição de Leo Kanner e sua noção de “autismo infantil precoce”, como
especificidade clínica, a partir de seu artigo “Distúrbios autísticos do
contato afetivo”,
de 1943. Avançou no tempo passando por Margaret Mahler,
Bruno Bettelheim, Frances Tustin e o ponto de vista desenvolvimentista.
Discorreu sobre o ser-falante, sobre o mutismo, o modo verboso, a lalação,
sobre o balbucio que se nutre na primeira infância da infinita repetição de
sons, chamada lalíngua, num gozo sem fim, sem limites. Considerou a intrusão da
linguagem que comporta um sacrifício de gozo, e a voz como objeto perdido, que,
portanto, se diz áfona.
Elucidou a visão
fenomenológica do Autismo e a marca da ausência fortemente observada
nos autistas: eles não falam, não demandam, eles sugerem não possuir visão
especular (não se reconhecem diante do espelho), o que sinaliza a possibilidade
de tratar-se de sujeitos não constituídos.
Gleuza informou que o
significante um, segundo Miller em 1,2,3,4, apresenta o sujeito como
falta-a-ser, dividido entre a falta a ser e o não sentido, que é para Lacan o
sujeito do inconsciente. Essa primeira escolha do significante um, já indica
que o sujeito escapou da petrificação. Essa petrificação suportaria, em parte,
a ideia confusa do autismo. Para Rosine e Robert Lefort, psicanalistas
franceses que se dedicaram a clínica infantil, a petrificação é dada ao sujeito, por
um significante de não-sentido, como no caso Robert, e o esforço da terapia,
seria no sentido de se obter uma alienação do sujeito.
Outro fenômeno considerado por Miller é o de retorno à petrificação, que ocorre quando o sujeito vai ao campo do Outro e se
desencanta. O sujeito busca, em curto-circuito, reencontrar a petrificação. É
uma escolha do significante mestre, que seria como se tocar sempre, uma nota só,
sendo essa nota a iteração do Um. Como fala Miller em 2011, sobre o Um só, o
significante repete o gozo. No sintoma da ecolalia lê-se a repetição de uma fala,
cujo significado nem sempre é compreendido pelo sujeito. Onde o significado do
que diz, é o modo como responde a Um Real que lhe é próprio.
O Curso de extensão
trabalhará os registros do Real, Simbólico, Imaginário, a
partir de Lacan, em seu O Seminário: livro 3, as psicoses, utilizando os
matemas, gráficos e esquemas, para transmitir o movimento de constituição do
sujeito via alienação e separação e demonstrar que em psicanálise não há psicogênese: no autismo pode-se
dizer que encontramos uma parte do sujeito na alienação, sem ter passado pela
separação. O sujeito advém, é produzido pela articulação mínima do
significante, é lógica pura. “Não é a alma que pensa. É o homem que pensa com sua
alma, quando a fala passa pelo corpo e, no retorno, afeta o corpo que é seu
emissor (Aristóteles, Anima).”
Localizará o lugar da
psicanálise diante da epidemia do autismo contemporâneo. Esta epidemia que
revela a crise atual do instrumento globalizado da clínica psiquiátrica e neurológica,
do DSM - Manual de Diagnóstico Estatístico Mundanizado. Diante da progressão epidêmica do autismo que provoca
o Mal-Estar nas classificações da clínica empírica e biológica do DSM.
Acentuará o seu lugar na pluralidade de ações, na interface com os
interlocutores provenientes dos múltiplos saberes, visando possibilitar que
cada criança elabore, com seus pais e cuidadores, um caminho próprio, para
prossegui-lo na idade adulta.
Elucidará o nascimento
da psicanálise como uma resposta ao discurso da ciência contemporânea, sua contribuição à psicopatologia e à clínica.
Na psicanálise a
escuta, a fala e o amor, recursos inerentes à transferência, são os
instrumentos fundamentais na prática da clínica analítica. O autismo enquanto
categoria clinica se encaixa aí, na medida em que há um consenso entre os
especialistas de que a causa do autismo é ignorada: nem a desadaptação da
aprendizagem, nem as disfunções no tratamento da informação, nem o desejo
inconsciente dos pais, nem a genética, são capazes de explicar a sua gênese, a sua origem.
O método ABA se limita
essencialmente a abordar comportamentos, se dedica em normatizar, sem buscar
penetrar nas causas, nas funções respectivas destes e sem se preocupar com a
vida afetiva do autista. O método TEACCH se apoia essencialmente no
funcionamento cognitivo do autista e suas técnicas se fundamentam
explicitamente nisso. A abordagem psicanalítica é a mais heurística porque não deixa de lado nenhum aspecto de funcionamento do ser humano.
O curso de extensão “O
que o Autismo pode nos ensinar’, em sua segunda semana, teve como conferencista a
ilustre participação da Pós Doutora e membro da AMP e EBP, Ana Martha Wilson
Maia, que brilhantemente desenvolveu dois encontros intitulados “O Autismo e
seus pais. Uma leitura clínica” e “O Autismo e seus pais. Tratamento sob medida”.
A mobilização em torno dos temas e da apresentação, por parte do público, foi
tão surpreendente que ao final ela foi aplaudida, calorosamente, pelos
participantes. A Ana Martha participou também do debate efetuado após a
apresentação do filme Outras Vozes, de Ivan Ruiz, onde ela teve uma influente
participação.
Na terceira semana do
curso, nos dias 29 e 30 de outubro o filme A céu aberto, de Mariana Otelo,
sobre o Courtil, foi projetado na Cinemateca de Curitiba e suscitou um
excelente debate, com efetiva participação e discussão envolvendo pais de autistas, professores
e profissionais das áreas da saúde e educação.
A programação do curso será retomada no mês de Dezembro.
Ocorreu interrupção dos encontros em função da greve na UFPR, local onde os trabalhos
estão sendo realizados.
Para esta parte do
curso a Doutora em ciências médicas,
Maria Virginia Filomena Cremasco, diretora do Departamento de Psicopatologia da
Universidade Federal do Paraná, proferirá a conferência “Autismo é deficiência”?
O Professor doutor
Guilherme Gontijo Flores ministrará a conferência intitulada “Entre Deus e a Dieta: origens
psicopatológicas em Robert Burton.
Luiz Carlos Pinto Bueno. Membro do ACPOL- INSTITUTO LACAN- EBP
Luiz Carlos Pinto Bueno. Membro do ACPOL- INSTITUTO LACAN- EBP
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