quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Extensão autismo UFPR 2016

A mobilização promovida pela Escola Brasileira de Psicanálise, em torno da questão do Autismo, possibilitou a criação do Observatório do Autismo da EBP no FAPOL, e avança capitaneada pelos membros da EBP, fortemente, em seus objetivos, em várias cidades brasileiras, ocupando os espaços públicos e privados, capazes de aglutinar os heroicos guerreiros envolvidos nessa batalha, que são os profissionais de saúde, pais, educadores, familiares, cuidadores, legisladores, autoridades, etc.

O Ateliê de Clínica Psicanalítica da Orientação Lacaniana - ACPOL, inscrito em 17 de fevereiro de 2013 no LABRASIVO, do Instituto Lacan, interage com os mais variados segmentos da sociedade, promovendo diálogos com profissionais liberais, estudantes, psicanalistas, artistas, professores. Atento às demandas oriundas do “Universo Autista”, preocupado com a LEI Nº 12.764, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2012 - lei brasileira que Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que qualifica como doença o comportamento autista, insatisfeito também com as consequências da edição do DSM-5, com a patologização da infância, e ainda, desconfortável com os resultados e os métodos de tratamento praticados, o ACPOL, a partir de 2013, assume a liderança na cidade de Curitiba, nesse campo de luta, inspirado no livro de Éric Laurent “A BATALHA DO AUTISMO”, Da clínica à política.

O ACPOL em sua inserção no Autismo utiliza como premissa a questão “o que o autismo pode nos ensinar”. Aplica no desenvolvimento dos trabalhos, nesse campo de pesquisa, estudo e ensino, uma estratégia sempre orientada pela singularidade do sujeito autista, em sua posição no mundo, e procura viabilizar a participação das pessoas que fazem parte do universo social de cada autista.

Em 2014 o Ateliê de Clínica Psicanalítica da Orientação Lacaniana começou a desenvolver trabalho de pesquisa e ensino junto ao Laboratório de Psicopatologia da UFPR, na linha de pesquisa “O Autismo, as psicoses e suas interfaces na Psicanálise”. E é dentro desta parceria com a universidade, que nesse mesmo ano de 2014, realizou o curso de extensão “O que o Autismo pode nos ensinar”, que agora, no segundo semestre de 2016, é reeditado, com uma temática mais abrangente, dentro de um formato mais participativo e com a colaboração de profissionais com larga experiência prática e teórica na área do Autismo.

Consciente do grau de dificuldade que é dialogar com um grupo heterogêneo de pessoas, em sua formação, onde muitos participantes desconhecem os conceitos fundamentais da psicanálise, o ACPOL preparou um conteúdo capaz de atingir adequadamente a todos os participantes, percorrendo os aspectos históricos e conceituais do Autismo, bem como as experiências acumulados por profissionais, pesquisadores e instituições de viés psicanalítico no campo do Autismo, abrindo espaço para o diálogo e troca de experiência com pais, cuidadores, autistas e profissionais da área da saúde e educação. Neste sentido novos colegas do Ateliê puderam compartilhar suas experiências, como foi o caso singular do trabalho relacionado com a temática da Educação, da Inclusão do Autismo e as Leis, apresentado por Elizabete Albuquerque, que também é mãe de autista, sobre o título muito feliz de “Os Vários Olhares Sobre a Inclusão”. Apresentação que suscitou amplo debate, onde aspectos como normalidade, inclusão, aceitação da diferença, foram exaustivamente dissecados e alçados ao nível de significantes mestres.

Nessa primeira semana do curso, Luiz Carlos Pinto Bueno, membro do ACPOL, articulou num texto intitulado “Singularidade, uma especificidade do Autismo”, aspectos fundamentais da visão psicanalítica do Autismo, e elementos determinantes a serem considerados nessa batalha que ora se faz. A questão da singularidade mexeu fortemente com os participantes e sensibilizou uma mãe de filho autista, que prestou um longo depoimento, emocionado, sobre a Via Crucis que teve que percorrer, e ainda percorre, no sentido da educação, da inclusão na escola, da não aceitação da diferença, da relação com a “normalidade” que ainda se impõe como modelo ideal e impacta significativamente, de forma negativa, no desenvolvimento da criança autista.

Oferecendo uma visão geral da questão, Gleuza Salomon, coordenadora do ateliê, abordou a origem do conceito do Autismo no diálogo entre Freud e Bleuler, a cisão na esquizofrenia, o autoerotismo, a descrição de Leo Kanner e sua noção de “autismo infantil precoce”, como especificidade clínica, a partir de seu artigo “Distúrbios autísticos do contato afetivo”, de 1943. Avançou no tempo passando por Margaret Mahler, Bruno Bettelheim, Frances Tustin e o ponto de vista desenvolvimentista. Discorreu sobre o ser-falante, sobre o mutismo, o modo verboso, a lalação, sobre o balbucio que se nutre na primeira infância da infinita repetição de sons, chamada lalíngua, num gozo sem fim, sem limites. Considerou a intrusão da linguagem que comporta um sacrifício de gozo, e a voz como objeto perdido, que, portanto, se diz áfona.

Elucidou a visão fenomenológica do Autismo e a marca da ausência fortemente observada nos autistas: eles não falam, não demandam, eles sugerem não possuir visão especular (não se reconhecem diante do espelho), o que sinaliza a possibilidade de tratar-se de sujeitos não constituídos.

Gleuza informou que o significante um, segundo Miller em 1,2,3,4, apresenta o sujeito como falta-a-ser, dividido entre a falta a ser e o não sentido, que é para Lacan o sujeito do inconsciente. Essa primeira escolha do significante um, já indica que o sujeito escapou da petrificação. Essa petrificação suportaria, em parte, a ideia confusa do autismo. Para Rosine e Robert Lefort, psicanalistas franceses que se dedicaram a clínica infantil, a petrificação é dada ao sujeito, por um significante de não-sentido, como no caso Robert, e o esforço da terapia, seria no sentido de se obter uma alienação do sujeito.

Outro fenômeno considerado por Miller é o de retorno à petrificação, que ocorre quando o sujeito vai ao campo do Outro e se desencanta. O sujeito busca, em curto-circuito, reencontrar a petrificação. É uma escolha do significante mestre, que seria como se tocar sempre, uma nota só, sendo essa nota a iteração do Um. Como fala Miller em 2011, sobre o Um só, o significante repete o gozo. No sintoma da ecolalia lê-se a repetição de uma fala, cujo significado nem sempre é compreendido pelo sujeito. Onde o significado do que diz, é o modo como responde a Um Real que lhe é próprio.

O Curso de extensão trabalhará os registros do Real, Simbólico, Imaginário, a partir de Lacan, em seu O Seminário: livro 3, as psicoses, utilizando os matemas, gráficos e esquemas, para transmitir o movimento de constituição do sujeito via alienação e separação e demonstrar que em psicanálise não há psicogênese: no autismo pode-se dizer que encontramos uma parte do sujeito na alienação, sem ter passado pela separação. O sujeito advém, é produzido pela articulação mínima do significante, é lógica pura. “Não é a alma que pensa. É o homem que pensa com sua alma, quando a fala passa pelo corpo e, no retorno, afeta o corpo que é seu emissor (Aristóteles, Anima).”

Localizará o lugar da psicanálise diante da epidemia do autismo contemporâneo. Esta epidemia que revela a crise atual do instrumento globalizado da clínica psiquiátrica e neurológica, do DSM - Manual de Diagnóstico Estatístico Mundanizado. Diante da progressão epidêmica do autismo que provoca o Mal-Estar nas classificações da clínica empírica e biológica do DSM. Acentuará o seu lugar na pluralidade de ações, na interface com os interlocutores provenientes dos múltiplos saberes, visando possibilitar que cada criança elabore, com seus pais e cuidadores, um caminho próprio, para prossegui-lo na idade adulta.

Elucidará o nascimento da psicanálise como uma resposta ao discurso da ciência contemporânea, sua contribuição à psicopatologia e à clínica.

Na psicanálise a escuta, a fala e o amor, recursos inerentes à transferência, são os instrumentos fundamentais na prática da clínica analítica. O autismo enquanto categoria clinica se encaixa aí, na medida em que há um consenso entre os especialistas de que a causa do autismo é ignorada: nem a desadaptação da aprendizagem, nem as disfunções no tratamento da informação, nem o desejo inconsciente dos pais, nem a genética, são capazes de explicar a sua gênese, a sua origem.

O método ABA se limita essencialmente a abordar comportamentos, se dedica em normatizar, sem buscar penetrar nas causas, nas funções respectivas destes e sem se preocupar com a vida afetiva do autista. O método TEACCH se apoia essencialmente no funcionamento cognitivo do autista e suas técnicas se fundamentam explicitamente nisso. A abordagem psicanalítica é a mais heurística porque não deixa de lado nenhum aspecto de funcionamento do ser humano.

O curso de extensão “O que o Autismo pode nos ensinar, em sua segunda semana, teve como conferencista a ilustre participação da Pós Doutora e membro da AMP e EBP, Ana Martha Wilson Maia, que brilhantemente desenvolveu dois encontros intitulados “O Autismo e seus pais. Uma leitura clínica” e “O Autismo e seus pais. Tratamento sob medida”. A mobilização em torno dos temas e da apresentação, por parte do público, foi tão surpreendente que ao final ela foi aplaudida, calorosamente, pelos participantes. A Ana Martha participou também do debate efetuado após a apresentação do filme Outras Vozes, de Ivan Ruiz, onde ela teve uma influente participação.

Na terceira semana do curso, nos dias 29 e 30 de outubro o filme A céu aberto, de Mariana Otelo, sobre o Courtil, foi projetado na Cinemateca de Curitiba e suscitou um excelente debate, com efetiva participação e discussão envolvendo pais de autistas, professores e profissionais das áreas da saúde e educação.

A programação do curso será retomada no mês de Dezembro. Ocorreu interrupção dos encontros em função da greve na UFPR, local onde os trabalhos estão sendo realizados.

Para esta parte do curso a Doutora em ciências médicas, Maria Virginia Filomena Cremasco, diretora do Departamento de Psicopatologia da Universidade Federal do Paraná, proferirá a conferência “Autismo é deficiência”?


O Professor doutor Guilherme Gontijo Flores ministrará a conferência intitulada “Entre Deus e a Dieta: origens psicopatológicas em Robert Burton.

Luiz Carlos Pinto Bueno. Membro do ACPOL- INSTITUTO LACAN- EBP

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