sábado, 14 de março de 2015

Outras vozes, de Iván Ruíz

“Não é um documentário sobre autismo. É um documentário sobre singularidade.Não é um documentário sobre psicanálise. É um documentário sobre respeito à diferença.”

Outras vozes, de Iván Ruíz, é baseado no testemunho de Albert, um jovem de 21 anos, diagnosticado como Asperger.

No dia 21 de março, será exibido na III Jornada do Movimento Psicanálise Autismo e Saúde Pública, que será realizada na UFRJ e no PINEL, no Rio de Janeiro, nos dias 20 e 21.

A EBP participa do Movimento e estará presente nesta Jornada, com a exibição do filme, seguida de um debate e a apresentação de trabalhos nas modalidades Mesas Redonda e Pôster.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Seminário Autismo e Psicose Infantil – da clínica à política, e retorno.





Seminário Autismo e Psicose Infantil – da clínica à política, e retorno.

“Se esta lambuzeira tem o mesmo sentido que para Nadia, isto é, de presentificar a superfície de um corpo não furado, não é pois, como para Nadia, de seu corpo que se trata, mas do meu. Ora, somente um corpo furado pode fundar o Outro em sua presença em face do corpo do pequeno sujeito que, originalmente, não deve ser furado. Se ela [Marie-Françoise] me lambuza, não é o Outro que ela atinge”. (Nascimento do Outro, p.236)

        Na proposta de trabalhar a delicada distinção entre autismo e psicose infantil, partimos do que nos ensinam os clássicos dos Lefort. Desde Nadia, Rosine considera o corpo com furos, superfícies e bordas. Com Marie-Françoise, conclui o que acontece quando “não existe Outro” e estabelece "a distinção do autismo".
        No mês de março, nós nos dedicaremos aos conceitos de “duplo” e “objetos autísticos”, de acordo com as contribuições de Laurent (La bataille de l'autisme - de la clinique à la politique, 2012) e Maleval (L’autiste, son double et ses objets, 2009).  Na leitura do caso Marie-Françoise, basearemos a discussão no capítulo VII: "O duplo e o real" e no capítulo VIII: "A tentação do outro portador do objeto"  (Nascimento do Outro, 1980), e no capítulo I: "Marie-Françoise - l'autisme infantil  primaire précoce"  (La distinction de l'autisme, 2003).
Na segunda parte do Seminário de março, que se intitula "Autismos, leis e deficiência",  faremos uma apresentação e discussão das principais diretrizes de documentos públicos sobre o autismo, organizados por órgãos e entidades dos campos da saúde, justiça, educação e assistência social. Neste dia, os textos de base serão "Cartilha: Direitos das pessoas com autismo", elaborado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em parceria com o Movimento Pró-autista, fundado por pais de autistas, e "Autismo: conhecer e agir", publicação organizada pela OAB-RJ da palestra "Conhecendo pessoas com deficiência psicossocial", apresentada pelo consultor em educação inclusiva Romeo Sassaki. Ao final, retomaremos a discussão clínica, seguindo, assim, "da clínica à política,  e retorno".
        Tão logo concluirmos Marie-Françoise,  trabalharemos em torno do caso Robert. Para facilitar o acesso à leitura, a coordenação e participantes do Seminário contribuem na tradução dos textos.

Coordenação: Ana Martha Maia
Datas: 7 março, 18 abril, 9 maio, 13 junho, 4 julho. Sábados, 10 às 12h.
Local: Sede da EBP-Rio. Rua Capistrano de Abreu, 14. Humaitá.

Inscrições e informações: anamarthamaia@gmail.com

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Autismo e psicanálise: resultados


 Há sujeitos, autistas, que  resistem a entrar na grande máquina da reeducação  e das  aprendizagens forçadas. É um  fato. Frequentemente, eles já têm sua própria máquina escolhida, o seu  objeto insólito para tratar o barulho da língua neles; para tratar suas angústias do encontro.

Dizem que eles não falam, isto não é sempre verdade mas, em todo caso, eles se isolam, se retiram do mundo e, deste modo, colocam em xeque a vontade do Outro que fala com eles, que os invade. No entanto, um  encontro é possível quando nos colocamos em sintonia com suas construções pessoais e singulares, quando dizemos sim a seu uso do objeto, que já tem uma função  apaziguadora com relação à angústia. A psicanálise lacaniana que orienta as curas, assim como muitas práticas em instituições, nos dá as ferramentas  para resistirmos a entrar nesta máquina de formatar o sujeito e sustentá-lo na elaboração de suas próprias  soluções.  No horizonte,  nenhuma harmonia  com o Outro, mas a via do sinthoma para todos, que permite alojar o que cada Um tem de mais íntimo.

Nossa Grande Jornada de Estudo  de 28 de fevereiro  é uma resposta a estes “estudos” pseudo-científicos que fazem estragos, como aquele do Conseil Supérieur de la Santé, há um ano, e agora aquele do KCE (Centre fédéral d’Expertise des Soins de Santé). A psicanálise, assim como as práticas  institucionais que dela derivam, seriam ineficazes para tratar dos transtornos do espectro autista! É o reino dos especialistas referenciados na literatura dita científica e internacional, surdos aos testemunhos dos praticantes, portanto, tão numerosos para quem quer lê-los e ouvi-los. Eles jogam o descrédito sobre o trabalho  inventivo  e vivo que se pratica, incansavelmente, há cinquenta anos, com sujeitos  autistas e suas famílias. Há, de fato, alguma coisa que não funciona e não entra na máquina de re-educar, porque o sinthoma  autístico, como todo sinthoma, não quer se curar.

De nosso lado, extraímos a lição do sintoma, entramos no seu passo, para construi-lo, para que ele abra uma via para o mundo do outro, para um laço social apaziguado, sem renunciar àquilo que faz o sujeito distinto de qualquer  outro. A aposta deste trabalho é produzir uma perda no impasse do gozo autístico – já  que este impasse é voraz -, mas não sem o consentimento do sujeito. Ajustando-nos como parceiros de sua construção, interessando-nos por seu objeto escolhido, nos fazendo de seu duplo, nós tentamos localizar sobre uma borda uma zona do entre-dois onde um espaço para o não-diálogo (pas-de-dialogue) possa enfim se abrir. Se nós trabalhamos com estes objetos tão particulares – um  tambor que gira, um  carrinho, um  fio de saliva, um  gato de pelúcia  -  nós mesmos que vivemos aparelhados com nossos tablets ou smartphones - é que o fio do laço passa por aí. E tecemos este laço sem descanso!

Então, na condição de levar em conta isto que o sujeito articula, « uma  pequena conversação” se torna possível e “há, certamente, algo a lhes dizer”[1]. Então, as aprendizagens se tornam possíveis, orientadas pela ilha de competências do sujeito, sua “obsessão”, colocada a trabalho. Então, o sujeito autista pode dar corpo a seu sinthoma’ que lhe servirá durante toda  a sua vida para tomar um  lugar no laço social. O ganho para o sujeito e sua família não é calculável,  mas não é menos real. Ganho inestimável! O objetivo desta jornada é, portanto, expor nossos resultados – Autismo e psicanálise: resultados. – Daniel Pasqualin

Sábado 28 de fevereiro  de 2015
De 9h00 a 16h30
No Square Meeting Centre
Mont des Arts – 1000 Bruselas
Inscrição  mediante transferência  de 40 euros
Conta da ACF Belgique
IBAN: BE90 0680 9297 5032 – BIC : GKCC BE BB
Identificar: nome e e-mail dos inscritos
Informação  acfbelgique@gmail.com




[1] Lacan, J. (1998[1975]). Conferência em Genebra sobre o sintoma. In Opção Lacaniana Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, (23).

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Em novembro de 2012, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo publicou um Edital de convocação de clínicas especializadas para a assistência à população com autismo, com a exigência que se orientassem pela abordagem cognitivo-comportamental. Psicanalistas de diversas orientações se mobilizaram, fundando o Movimento Psicanálise Autismo e Saúde Pública (MPASP), que conta hoje com mais de 500 participantes e é reconhecido pelo Ministério da Saúde. A Comissão Autismo da EBP foi constituída como uma forma de estabelecer laços com o MPASP e algumas colegas desta Comissão foram convidadas a conectar-se com o Observatório Internacional sobre as Políticas do Autismo.

Este Observatório foi constituído por Vilma Coccoz, psicanalista membro do Comitê de Ação da Escola Una, à qual Miquel Bassols, Presidente da AMP, encomendou a tarefa de ocupar-se das políticas do autismo. Vilma convidou um colega de cada Escola da AMP para fazer parte deste Observatório,  com o intuito de elaborar um informe sobre o estado da questão do autismo em nossas Escolas. Elisa Alvarenga, representante da EBP no Observatório, convidou Paula Pimenta, Ana Martha Maia, Tânia Abreu, Heloísa Telles e Anamaria Vasconcelos para colaborarem neste trabalho.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Terapia por afinidade

Colóquio Internacional

“Terapia por afinidade”

5 e 6 de março de 2015 – Universidade de Rennes


A “Terapia por afinidade” é um conceito introduzido nos USA em abril de 2014 por Ron Suskind, célebre jornalista de Nova York e Dan Griffin, terapeuta, para qualificar a surpreendente saída do fechamento autista de Owen Suskind graças à sua “afinidade” – isto é, seu interesse específico consagrado aos filmes de Disney. Pouco tempo antes, K. Barnett havia, ela também, relatado sua satisfação de ter tomado a atitude corajosa, contra o conselho dos especialistas, de estimular a paixão do seu filho autista pelo deslocamento da luz no espaço. Graças a isso, ele tornou-se pesquisador em astrofísica.

O eco considerável, nas mídias anglo-saxônicas, da obra de Suskind (Life, Animated, 2014), e num grau menor, daquela de K. Barnett (L’étincelle, 2013), obriga hoje os especialistas, notadamente nos Estados Unidos, a uma modificação radical da consideração dos interesses específicos no tratamento dos autistas: outrora fustigados como “obsessões” ou como “caprichos passageiros”, eles tendem a tornar-se o suporte principal do tratamento. Isso em conformidade com a opinião dos autistas de alto nível: a “máquina do abraço” de Temple Grandin já não havia estabelecido o benefício que é possível tirar das paixões dos autistas? Assim, este colóquio terá como visada mostrar como a maioria dos autistas testemunham do apoio fundamental que constituem suas afinidades.

Este colóquio tem também como objetivo descrever e analisar os diferentes métodos comportamentais, cognitivos e psicodinâmicos que utilizam os centros de interesse do autista, seja como reforço positivo, seja como vetor para desenvolver as competências sociais e estudar suas consequências terapêuticas. Da mesma forma, no que concerne levar em conta os afetos, os objetos autísticos, as obsessões ou paixões. Com efeito, os métodos recomendados na França pela Haute Autorité de Santé, procuram modificar os comportamentos ou a cognição dos autistas, mas deixam a desejar no que concerne a vida afetiva. O programa de Denver tenta remediar isso: deixando as crianças expressar suas escolhas quanto às aprendizagens propostas, ele se interessa pelas motivações e não negligencia mais a afetividade consciente. No entanto, uma ultrapassagem se produz quando as paixões são levadas em consideração. Introduzindo um elemento que transborda a vontade do sujeito, um elemento afetivo da ordem de “mais forte que si mesmo”, o centro de gravidade do tratamento se desloca. Não é mais o saber técnico do educador que dirige, mas a paixão ou a afinidade do sujeito, que se trata de estimular, mas que não se domina. Elevar ao primeiro plano a consideração dos interesses específicos, não mais como reforço de aprendizagens, mas como motores do tratamento, anuncia um retorno dos métodos psicodinâmicos. É por isso que um lugar maior será dado à prática institucional com os autistas.  





Outras vozes – outro olhar sobre o autismo


 Durante o XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano, no dia 22.11.2014, projetamos o filme de Ivan Ruíz, Otras voces, que causou grande impacto no público. Da mesa participaram quatro colegas da EBP – Paula Pimenta, Tânia Abreu, Cristina Vidigal e Elisa Alvarenga - cujos comentários incluo nesta resenha.

A EBP já tinha se incluído na política da psicanálise para o autismo no início de 2012, época em que sua Diretoria publicou o livro Autismos(s) e atualidade: uma leitura lacaniana. Também havia constituído un blog: autismoepsicanalise.blogspot.com.br , para difundir textos clínicos e teóricos sobre sua concepção do autismo.

En novembro de 2012, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo chamou clínicas especializadas para a assistência à população com autismo, com a exigência que se orientassem pela abordagem cognitivo-comportamental. Psicanalistas de diversas orientações se mobilizaram, fundando o Movimento Psicanálise, Autismo e Saúde Pública, que conta hoje com mais de 500 filiados e é reconhecido pelo  Ministério da Saúde. A Comissão Autismo da EBP foi constituída como una forma de establecer laços com o Movimento.

No comentário do filme Otras voces, recordou-se que o filme surgiu na Catalúnia quando houve tentativas de rechaçar a presença da psicanálise no tratamento do autismo. Depois de um Fórum e de iniciativas de pais e profissionais para defender o discurso analítico, Ivan Ruíz pensou que um filme iria mais longe que a apresentação de un caso clínico.

O filme ensina que trata-se de algo complexo e constrói um tecido de imagens, vozes e testemunhos que afirmam e demonstram que há vários modos de estar na vida. Um divã atravessa as cenas e deixa claro de onde se fala. A partir da psicanálise e da experiência de encontro com autistas, destaca-se que o autismo é uma posição do ser.

Vozes e testemunhos dos pais trazem sua dor e seu espanto frente a um diagnóstico que não entendem e que os interroga. Interrogam suas falhas e sentem-se culpados. O testemunho se estende quando marca a diferença que o encontro com a psicanálise pôde trazer a estas famílias. Os pais passam a ter um novo olhar e uma nova escuta de seus filhos e resgatam sua função de pais, no lugar onde só havia culpa e desamparo.

O contraponto se apresenta na voz e presença carismática de Albert, em um ritmo que recorta, bordeja e, sobretudo, mostra as operações possíveis que alguém que recebeu este diagnóstico faz na sua relação com seus pais, seu amigo  e claramente em sua relação com a linguagem e com a fala. Relação que ele compara com um labirinto “um pouco tenebroso na entrada, mas quando se entra, parece que era mais tenebroso antes de entrar”. E logo, uma direção: “Penso que é muito importante que as pessoas reflitam sobre tudo o que estou dizendo”.

O filme apresenta o olhar diferenciado da psicanálise na relação com o autismo a partir do testemunho de um jovem e da experiência dos pais, avós, familiares e psicanalistas que praticam com estas crianças.

Na internet, os testemunhos dos que assistiram ao filme e que estão de acordo com os direitos de escolha, pelos pacientes e responsáveis, por seu tratamento em instituições públicas, são comoventes e decididos. Otras voces fala do desejo de fazer-se ouvir, daqueles que reagem contra a pressão exercida por associações anti-psicanálise. Há uma reação, como indicam, por exemplo, as recentes associações criadas por pais e amigos de pessoas autistas “com o objetivo de promover uma abordagem que leve em conta sua subjetividade e acolha suas invenções”.

Eric Laurent destaca o trabajo do autista de fazer calar o ruído da língua, o que torna a docilidade, o respeito e o silêncio pontos clínicos essenciais na abordagem pelos psicanalistas. O autista é aquele que tenta de todas as formas reduzir o equívoco ao silêncio. Mas devemos levar em conta o gozo que acompanha este cálculo onde a repetição do Um não consegue tratar o deslizamento permanente da lalação. Podemos acompanhar Albert em sua visita ao museu Tim-Tim. “É preciso que o sujeito construa seus modos de tratamento do equívoco que muitas vezes se encontra separado do corpo. E não funciona como o delírio psicótico que em alguma medida põe em jogo o imaginário do corpo”.

É impressionante a sensibilidade do diretor do filme para recolher um significante singular de Albert como ápice do filme, significante que traz a marca do que Lacan buscava em suas apresentações de pacientes, como a assinatura de uma relação particular com a linguagem. Albert conclui sua série de treze significantes  com “acostuflante”, palavra que lhe cai bem “para que soe estranha e também legal”.

Se nem tudo es “Asperger”, se há seu caráter, seu modo de estar na linguagem, há complexidade, e há principalmente a possibilidade de estar na vida de diversas formas e mesmo de uma forma “acostuflante”. E de falar com ironia do psiquiatra que encontrou um virus em seu cérebro. “Ele necessita tratamento”.

Na psicanálise de orientação lacaniana, é fundamental o testemunho do sujeito. Desde Albert até os autistas reconhecidos por suas invenções, trata-se de aprender com o sujeito, esvaziando o lugar do saber. Por isso, talvez, Ivan Ruíz esvazia o divã, que passeia pelos mais diversos lugares e dá a palabra aos mais diversos personagens no filme: pais, educadores, psicólogos, psicanalistas, na prática feita por vários. Como nos testemunhos de passe, pode-se ver nas entrevistas com Albert e com os diversos casais, uma pasagem do sofrimento inicial a uma satisfação no final. Efeitos da psicanálise. 


Elisa Alvarenga